QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

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297 Galo preto deste conguê [...]. Coro: Laroiê, Axé! (NASCIMENTO, 1979, p. 121).

Podemos atribuir ao enlace místico de Abdias com os orixás (e Exu, singularmente), que, a propósito, faz eco a tradição das místicas afro-brasileiras, o que reza a música As coisas de Arnaldo Antunes e Gilberto Gil: “As coisas têm peso, forma, composição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, sentido. As coisas não têm paz”!251 À flor das coisas pretas, completaríamos: tampouco os homens, os ancestres e os orixás... 5.4 Mística à flor dos pratos Tratando sobre Religião e Comida declara, de forma, emblemática, Hans-Jürgen Greschat252 (2005, p. 9): “Comida para o estômago. Sua escassez pode colocar em risco um povo, e, com ele, seus deuses e sua religião”. E no horizonte da “afirmação da vida” sustenta ainda: “A comida religiosa é o alimento da mente e da alma”. Completaríamos, no escopo da experiência mística em chave nagô: e do corpo também. Dizendo de outro modo, no pensamento místico nascimentista homens e deuses estão umbilicalmente imbricados numa trama nutricional, o que faz da vivência da fé, nesse horizonte religioso, uma experiência, inescapavelmente, gastronômica. Nas palavras de Rubens Alves (2003, p. 106), que bem se aplicam à mundividência do candomblé: “Comer é viver; comer é prazer”. Comer, reiteramos, é afirmar a vida, sustentar a disposição para a luta e garantir na esperança a alegria insubmissa. A “afirmação da vida” passa, no plano místico do candomblé, pela lei de reciprocidade que ata ser humano e divindade numa cumplicidade sagrada. Eis porque Abdias fala a Exu: [...]receba estas aves e os bichos de patas que trouxe para satisfazer tua voracidade ritual (NASCIMENTO, 1983, p. 10).

Abdias em prece, faz memória da voracidade de Exu que, recém-nascido, tudo devora, inclusive a mãe. Desejo indômito e ilimitado de vida, instância pulsiva capaz de movimentar todas as

251 252

Ver OLIVEIRA (2006, p. 26). Professor aposentado de História da Religião na Universidade de Marburgo, Alemanha.


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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