301 Mediante a comida verifica-se que o mundo da cultura e o mundo do santo são realidades intercambiáveis. Declara Risério (1996, p. 69) que “os ingredientes da chamada ‘comida de santo’, como se diz no Brasil, não são estranhos à mesa humana. Não há uma culinária apartada, comida ou bebida privativa dos deuses”. A arte do cozinhar podia, inclusive, ser via de alforria para alguns escravizados, o que atesta o prestígio do ofício em determinados contextos da escravaria (FREIRE, 2006, p. 542). Exu é, por antonomásia, um orixá humanizador, o que implica pensar quer conhece o homem desde dentro; e conhece porque sem ele não haveria existência e a vida sequer poderia ser pensada. Exu está presente, dentro e fora; isso o faz o mais humano dos orixás. Em se tratando de processo humanizador e civilizacional em chave nagô, a comida/alimento tem lugar de incalculável e imprescindível valor, pois sem comida não há nem humano e nem divindade. O sistema nagô está assentado numa mística gastronômica e a cozinha é locus de enunciação fundamental. Nas palavras de Lody (1998, p. 26), “A comida é, antes de tudo, um dos mais importantes marcos de uma cultura, de uma civilização, de um momento histórico, de um momento social, de um momento econômico”. Completaríamos, dizendo: de um momento mistagógico também. Escreve Agossou (1977, p. 49): O fon está tão apegado à vida que ‘viver’ se diz em sua língua: ‘comer a vida’. Quando lhe acontece um fenômeno agradável, ele diz que come a vida. Vale dizer: tudo quanto contribui ao nascimento, desenvolvimento e conservação da vida é uma ‘manducação vital’.
Não sem razão, o padê (comida) possibilita a vida pulsiva do candomblé; não aleatoriamente Exu é o primeiro a comer e também não é por acaso que nas peripécias culturais e religiosas afrobrasileiras místicas são forjadas no preparar e no servir dos pratos. No PEL258 exibi Abdias a Exu: “bebo em teu alguidar de prata...”. E no poema/oriki “Axexê em Oxalá” o místico diz: “Comi do teu arroz/ cozido ao sangue da paz que me filia a ti, Oxalá[...]” (NASCIMENTO,1983, p. 101). 5.5 Quatro virtudes das místicas nascimentistas: rebeldia, entusiasmo, alacridade e esperança 5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias Rebelar-se é, sob a ótica cristã, um posicionamento diabólico. O diabo é o que se rebela e rompe com a ordem estabelecida. Viver a fé nos orixás no contexto da moral e do imaginário cristão,
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