QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

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304 pública de Exu, não vacilou em pôr-se do lado do “diabo” e, ser, desse modo, dentro do paradigma binário de exclusão, uma espécie de anticristo. Importante salientar que desde o solo africano o poder colonial na sua visão bipartida de brancura dominadora leu Áfricas como locus das trevas, da incivilidade, da barbárie, do atraso e da perdição espiritual. Sob essas lentes, o negro (sua cultura, sua religiosidade e suas místicas) foi associado ao diabo (= Exu), cabendo ao projeto missionário católico salvá-lo (purificação/limpeza) da danação terrena e futura pela pia batismal. Grosso modo, considerando a construção política desse imaginário social genocida, ser “cavalo do santo” levou o negro revoltado a assumir o lugar do diabo e, desse lugar (lugar da gente preta, segundo as lentes da colonialidade), exorcizar o Cristo que assumiu o lugar do diabo, segundo as lentes de Abdias. Em outros termos, Abdias entra no jogo da polaridade e inverte exunicamente a ordem. 5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado Podemos dizer acerca da experiência mística travada por Abdias no coração da história, no enlace com Exu (orixás e ancestrais), que uma de suas marcas mais significativas e potentes é o entusiasmo. Cremos, pois, ser o entusiasmo a virtude das virtudes das místicas afro-brasileiras e nascimentistas, por conseguinte. Pinheiro (2008, p. 43) explica que “entusiasmo é o termo grego utilizado para designar todo estado paradoxal de perda de si em proveito de uma potência – e nesse sentido também de uma alteridade – divina” Podemos então dizer que a razão mais radical das místicas nascimentistas é encher o corpo das potências sagradas, é estar incorporado, acompanhado e possuído pelas forças extraordinárias das divindades; forças que estão nas pedras, nos mares, nas árvores, nos ventos etc. Nesse horizonte, místicas nascimentistas são místicas trabalhistas porque exigem o facere, o bulir ou mandingar. Diz Abdias no PEL que o ebó foi “preparado” para Exu; se houve preparo houve ação humana aliada à natureza. Quando se sente atravessado por forças potentes, o ser humano se enche de uma energia que ultrapassa o domínio da razão. Foi essa força e encanto que fez o negro revoltado, entusiasticamente, percorrer as distâncias do Ayê e do Orum recompondo nomes e inventando letras. Ciente da presença de Exu em seu lombo renegado e com axé por ele plantado na garganta, Abdias não fraquejou nos mais variados campos de batalha. Com os orixás e ancestres e, de modo, especial na companhia de Exu, o negro revoltado fez negro entusiasmado. E indaga oportunamente Ribas:


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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