QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

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314 O

“princípio

alegria/alacridade”,

energia

própria

do

Erê/Ibeji,

engendra

a

possibilidade/necessidade da festa enquanto ato supremo, não somente de afirmação, mas, sobretudo, de transfiguração da vida. Nessa forma de transfigurar a vida radica-se dimensão transformadora e revolucionária da festa – gozo dos humanos e das divindades. Expõe Roberto DaMatta (1986, p. 81): “Todas as festas – ou ocasiões extraordinárias – recriam e resgatam o tempo, o espaço e as relações sociais”. Festejar, nessa acepção, implica em recriar – reinventar a vida. Na festa, mundos religiosa e socialmente separados, se encontram. A festa abole barreiras, algumas das quais intransponíveis sem a sua realização. Sob as lentes do sagrado, consoante o que defendemos em nossa tese, assinala também DaMatta que “o patrocínio ou patronagem dos santos e deuses cria essas regiões neutras...” (p. 83). Essa vivência místico-religiosa já experimentada no solo africano a partir do pensar sacramental, foi expressa de forma sui generis pelos cativos no horror da travessia atlântica. A partir dessa experiência, podemos falar de uma alegria diaspórica, ao que parece, indestrutível. Marcus Rediker (2011, p. 290), discorrendo sobre a experiência de sofrimento infernal dos cativos no navio negreiro, relata duas ocorrências que julgamos preciosas no que se refere a nossa reflexão sobre uma alegria flambada no marafo forte da mística diaspórica e, portanto, reveladora de competências libertárias no marco da “afirmação da vida”. Na primeira, narra o historiador: Os embarcados no Hudibras cantaram ‘canções de alegria’ depois de seus turbulentos resmungos obrigaram uma desculpa e o esclarecimento do capitão quanto à duração e ao destino de sua viagem. Ao que parece, a cantoria prolongouse noite adentro, expressando suas esperanças em uma vida na ‘terra de Makarahrah’.

O segundo relato: O vice-almirante Richard Edwards, da Marinha Real, observou algo semelhante: nos navios negreiros que chegavam aos portos das Antilhas, os negros normalmente se mostravam alegres, cantando – de modo que se tomava conhecimento da chegada de um navio negreiro pela dança e cantos dos negros a bordo.

E comenta Rediker instigando a nossa reflexão e, de algum modo, endossando-a: “Que motivos teriam eles para se alegar, o vice-almirante não informou”. 5.5.4 Mística da Esperança Rubens Alves (1966, p. 101) supõe que a esperança seja “a grande marca da religião”, e escreve que para as humanas criaturas pendentes em suas cruzes cotidianas “é mais belo o risco ao lado da esperança que a certeza ao lado de um universo frio e sem sentido”. Eis porque, assevera o


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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