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Abdias, meu amigo, hoje, 24 de maio, terça-feira, o Orum enfeitado te abraça. Daqui, uma saudade vestida em lágrimas. Ainda estou aprendendo a renascer. Daí uma celebração: Ogum, Oxum e Yemanjá organizaram tua festa. Todos os Orixás celebraram as tuas honrarias281 [grifos nossos].
Pelo que sustentamos, são pertinentes e relevantes as palavras de Jean Pierre Vernant (2006, p. 88), e são também dignas de serem atribuídas à relação místico-religiosa Abdias↔Exu: Para o oráculo de Delfos, ‘Conheça-te a ti mesmo’ significava: fica ciente de que não és deus e não cometas o erro de pretender tornar-te um. Para o Sócrates de Platão, que retoma a frase a seu modo, ela quer dizer: conhece o deus que, em ti, és tu mesmo. Esforça-te por te tornares, tanto quanto possível, semelhante ao deus.
5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado Ariadne, na mitologia grega, é a filha de Minos, rei de Creta. Movida por um amor engajado auxilia Teseu, mediante o oferecimento de um fio (“fio de Ariadne”) a se libertar do labirinto do Minotauro. Na trajetória de Abdias Nascimento, como expusemos em nossa obra, Exu desempenha essa ditosa função. Se a religiosidade/espiritualidade pode ser considerada o “fio de Ariadne”, Exu – nessa feliz metáfora – comparece como “Ariadne”, o amigo e companheiro dos humanos em seus labirintos ou encruzilhadas, o doador do fio. Não assumimos a possibilidade de discorrermos sobre um “Exu puro”, ensejando formular, ingloriamente, como que uma dogmática sobre o deus das encruzilhadas. Reiteramos as palavras de Simas e Rufino (2018, p. 9) “NAS BANDAS DE CÁ BAIXAM SANTOS que a África não viu”. Em outros termos, no Brasil há exus “inventados” pela preta gente em atos insurgentes de resistência e revolta. Nesse sentido, Exu, a divindade mensageira do panteão nagô, é ressignificada no contexto de dominação escravista.
Divindade ligada ao mercado, ao comércio, às encruzilhadas, Exu encarna a noção de mudança e de dinamismo ao romper com o quadro rigoroso das normas culturais, ao mesmo tempo em que zela pelo equilíbrio estrutural. Daí sua originalidade. No Brasil, Exu assumiu todos esses atributos, além da revolta de uma cultura de resistência contra os valores impostos pela sociedade dominante. Ou seja, Exu reúne em si todos os elementos de uma metáfora expressiva que simboliza a cultura negra em situação hostil. Para sobreviver e afirmar-se, ele se serve dos símbolos antagônicos, por excelência da religião dominante e veicula uma visão de mundo própria, na qual a ênfase é colocada na contestação (MUNANGA, 2018, p. 118).
O Teatro Experimental do Negro – Ocupação Abdias Nascimento (2016): https://www.youtube.com/watch?v=8SlG0UDCdeQ. 281