QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

Page 335

335 E tão ditoso e indispensável auxílio fez de Abdias, conforme o mesmo escreve em Sortilégio, um negro de “pulso firme, coração lúcido... cabeça amorosa”. E reiteramos, ipsis litteris: “Exu apenas ajudou”.

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá) Abordar a morte a partir do axexê implica acessar um sistema cultural/religioso, tal como o experimentado por Abdias, em que a morte não é uma questão filosófica abstrata, mas uma experiência implicativamente ritual. Dizendo de outro modo, a morte, nessa acepção, não é questão de livro, mas de rito; não é um problema a ser resolvido ou um enigma a ser decifrado, mas uma passagem a ser realizada – uma travessia grávida de símbolos e ritos em função de um destino, cuja trajetória fora acompanhada por Exu.

Desse modo, investigar como Abdias lidou com a morte e o morrer traz consigo o interesse confessado de captar em que medida a experiência religiosa enraizada na ancestralidade africana encheu de sentido o viver e o morrer do místico diaspórico centrado na afirmação da vida. Mas falar da morte e do morrer a partir da compreensão de Abdias é falar de uma experiência humana pensada por um velho-ancião, o que confere ao dado analisado contornos e hermenêuticas singulares.

Na acepção ancestral africana a velhice está mais próxima do começo e, portanto, da fonte da vida que pulsa. E nessa perceptiva cultural/religiosa o morrer tem um sabor e um saber festivos e outorga um status de envergadura ao que faz a inescapável passagem. Não se pleiteia, pois, o céu dos santos e santas, conforme o ideário judaico-cristão, tampouco uma recompensa eterna em virtude de uma vida sem pecado. A propósito, rigorosamente falando, na espiritualidade nagô não há nem céu e nem inferno, nem “santos” e nem “pecadores” – há os seres humanos enlaçados com o sagrado.

O viver/morrer tal como evidenciou Abdias, enuncia até nesta dramática situação-limite o tomar posse de pensares e saberes decoloniais. A morte e o morrer, dessa feita, abdiasianamente pensados, situam-se também, a nosso juízo, no plano da “diferença colonial”.

A morte sob as lentes africanas e afrodiaspóricas não é assunto de domínio clínico ou relegado ao plano do comércio funerário, conforme a modernidade ocidental, mas, antes, e sobretudo, é questão


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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