344 CONCLUSÃO
Para falarmos em nossa tese do enlace místico da díade Abdias↔Exu no âmbito da “patronagem mística” lançamos mão da oportuna e bem-vinda metáfora “cavalo do santo”, cara ao povo do axé. Considerar, a partir da multifacetada trajetória de Abdias, a relação devoto↔divindade fazendo uso do cavalo como representação imagética da vivência religiosa afro-brasileira, reverbera incorporação de potências que subvertem o cânone do pensar antropocêntrico e logocêntrico do Ocidente de brancura. O cavalo carrega consigo simbólicas de potências e movências do corpo. Na relação Abdias↔Exu nossa pesquisa colheu narrativas na ordem do agenciamento e do empoderamento. A vivência com os orixás, em geral, e, particularmente com Exu, o dinamizador por excelência, encheu a vida do negro revoltado de viço e poder. Nesse sentido, Exu constitui a força nutriz e motriz e da longeva e plurifacetada trajetória de Abdias. Verificamos e confirmamos em nossa investigação o que tínhamos como hipótese: a presença de Exu se espraiou no conjunto da vida do místico-ativista (poesia, teatro, pintura, política etc). Por essa razão, podemos dizer que onde esteve Abdias lá estiveram os orixás, com especial destaque, Exu, o dinamizador – a divindade mais próxima dos humanos – o excelso patrono. Para demonstrarmos que tal vivência de enlace com o sagrado faz eco à trajetória da negra gente, no primeiro capítulo do trabalho abordamos práticas místicas em estado germinal na crudelíssima travessia atlântica. O primeiro capítulo intitulado “Deuses diaspóricos e a gênese de uma mística de protest-ação na encruzilhada atlântica” trouxe a compreensão segundo a qual seres humanos e divindades são, no pensar afro, realidades que não se dissociam. Trazendo memórias em seus corpos, a população negra respondeu de forma resiliente e inventiva às agruras infernais dos tumbeiros ensaiando já “em pleno mar” uma história de heroísmo a partir de peripécias culturais e religiosas. Numa leitura simbólica, captamos o Atlântico como encruzilhada, isto é, território de Exu; logo, lugar das possibilidades inventivas. No segundo capítulo, intitulado “Abdias Nascimento: biografia mística do herói de mil faces”, buscamos acessar, no limite de nossa tese, a biografia de Abdias sob o enfoque do sagrado. A partir do material colhido, verificamos o lugar central que a experiência religiosa ocupou na vida do intelectual e ativista negro, a ponto de sua biografia não se justificar fora dos referencias religiosos africanos e diaspóricos. Exu, de modo especial, exerceu, pelo que coletamos na pesquisa, papel indispensável na trajetória de do negro revoltado. Desse modo, constatamos que a trajetória heroica de Abdias foi nutrida, movida e significada pelo sagrado, nomeadamente Exu. Por essa razão, conforme comprovamos, seu heroísmo multifacetado não resultou de competências ou atributos