Émerson Maranhão Jornalista e realizador audiovisual. Alagoano, radicado há mais de duas décadas em Fortaleza, diretor de filmes como “Aqueles Dois”, Émerson Maranhão foi pioneiro no colunismo LGBTQIA+ no Nordeste e, atuando em diversas áreas do jornalismo, tem em seu currículo alguns dos prêmios mais importantes da imprensa brasileira.
Amizade Para Boy
J
á deveria ter percebido. Certa cumplicidade de olhares, telefonemas inesperados no meio da noite, pequenos agrados deixados na portaria da empresa. Haviam se conhecido há coisa de dez, 15 dias, não mais, numa sala de bate-papo de pegação. Desde então, foram cinco encontros. Conversa jogada fora na Beira-Mar, sessão de cinema no shopping, horário de almoço compartilhado num restaurante no Centro. Pode-se dizer que tudo transcorria com a devida tranquilidade. Até que numa tarde, ao retornar da visita a um cliente, encontrou o pacote em cima de sua mesa. “Deixaram aí pra você”. Abriu com cuidado a embalagem em papel de presente e encontrou um cartão, sobre a caixa de bombons sortidos. “Não posso mais adiar, nem esconder o que estou sentindo. Quero namorar com você”. Não precisou ler a assinatura para saber de quem se tratava. Jogou tudo no lixo. Cartão, chocolate, envelope. E saiu para tomar um ar, irritado. Com a cafonice incontida do texto, com o mimo, com a coisa em si. “Namoro. Essa é boa!”. Não que nunca tivesse pensado em ter um relacionamento sério. Mas isso foi há muito tempo, já passara da idade para essas tolices. Além do mais, a coisa ali, palpável, concreta, à sua frente, causava-lhe pânico. Ligou e marcou um encontro, o sexto, para o fim da tarde, depois do expediente. Decidido, foi direto ao ponto. “Você perdeu o juízo, só pode! Me esqueça. Nunca mais me telefone, nem me procure”. Levantou-se da mesa e foi embora, sem olhar para trás. 32 | Poesia para amar de toda forma