Naomi Comte Me chamam Naomi, mas nem me Conte. Nasci na fronteira, lá me criei, e tarde um pouco vim ver o tão falado mar do Rio de Janeiro, não voltei. Entre letras e números passo o meu tempo, um livro já publiquei, sobre mulheres lésbicas muitas, de todas as classes, de todas as cores. Admiradora, entre tantos, de Cristina Peri Rossi e João Gilberto Noll.
Dos infortúnios
E
squece minha última mensagem, minhas flores, meus telefonemas, as palavras mal escritas, todas as letras do meu nome, era mesmo tudo confusão, eu nem sei porque insisti com você, afinal você estava no seu canto, a salvo do mundo com um marido do lado e três filhos pra criar, e depois aquele beijo, o motel, aconteceu porque tinha que acontecer, embora você tenha essa insistência infantil em dizer que não é gay, que você não gosta de mulher, em rotular tudo, rótulo cai bem em garrafa, discurso vagabundo esse, e de vagabunda me basto, fico eu aqui me masturbando com você na minha cabeça, no meu chuveiro, atrás da porta e você aí deitadinha com o maridão, ameba inóspita, é a merda, a mais pura merda isso tudo, eu dando a bunda e sangrando sozinha. E a carta pelo correio, foi covardia, pura covardia, linda covardia de tão bem escrita, todas as vírgulas, pontos, letras e palavras dispostas ao acaso, um desarrumado todo arrumado que aumentou meu frio na barriga, minha vontade, meu desejo e saí pra rua nessa noite, sem eira nem beira, caçando mesmo, te caçando em outras, bicho machucado na noite, e bebi todas as vontades, as faltas, tudo que não tive, e te bebi amarga também, e arrebentei a porta da tua casa, e te mostrei o caminho da rua, as avenidas e suas bifurcações, e meti a língua na tua boca casta, no teu peito morto de tanto descaso, chafurdei contigo uma noite inteira e acordei ressaca.
46 | Poesia para amar de toda forma