Selma Santiago Atriz, professora, produtora e gestora cultural, ex-diretora do Theatro José de Alencar.
De armário em armário
S
aí do armário, voltei pro armário, saí de novo e, agora, a caminho da prateleira, pulando de móvel em móvel, me sinto paradoxalmente imóvel no meio deste caminhão de mudanças que está minha vida. Será que ficarei na prateleira ou posso ser livro de cabeceira? Estarei ninando os sonhos antes que eles cheguem ou ficarei exposta às traças e à poeira do tempo, que vez ou outra pode ser removida para folhear algumas páginas? Sei que não sou nenhum García Marquez, Drummond, e quem me dera ser Fernando Pessoa, mas sei contar uns contos, brincar com as palavras, escrever em linha reta e ficar em pé sozinha, como todo bom livro deve ser. Não acredito ser uma daquelas revistas que entretém o leitor, que quando está entediado, quer passar o tempo com imagens e palavras que animam o espírito. Não, sei que sou um livro que merece ser lido, diariamente, ao lado da cama, que guarda o cheiro das mãos entre as páginas, que reconhece os olhos quando é aberto, que também dorme feliz quando sabe de sua importância. Sei, sim, que mereço leitora ou leitor mais fiel, que me leve na bagagem da viagem, que não me esqueça na estante da sala. Pois sou eu que, naquele banco do parque escuro, ilumino os pensamentos e substituo a solidão de minha leitora e de meu leitor amante, que no afã de descobrir-se, busca em mim o espelho de si. Sou sim, este livro, aberto e gasto, de páginas desbotadas alegremente e letras faladas como beijos trocados entre eu e os olhos que leem ,como num romance intenso enquanto lido, e eterno enquanto lembrado.
Coletivo Flids | 65