O Gênio do Cristianismo
O certo é que perante os fatos desfazem-se os sistemas. Está erma a Europa, porque o seu clero faz voto de celibato? Até os mosteiros favoneiam a sociedade, porque os religiosos, gastando nos terrenos próprios as suas rendas, derramam a abundância na cabana do pobre. Onde é que melhor trajados e sadios se vêem em França os camponeses, senão nos subúrbios de alguma abadia rica? Este é o efeito das grandes propriedades, que outra coisa não eram as abadias onde seus proprietários residiam. Longe nos levariam estas considerações, às quais voltaremos, quando falarmos em ordens monásticas. Diremos, porém, ainda que o clero favorecia a população, pregando concórdia e união entre os esposos, sustando a torrente da libertinagem, e dirigindo os raios da Igreja contra o sistema de diminuir a procriação, adotado nas cidades. Enfim, quase demonstrado nos parece que, num grande estado, são precisos homens, que segregados da outra gente, e revestidos de um augusto caráter, possam, sem filhos e sem esposa, sem peias do mundo, trabalhar para o progresso das luzes, perfeição da moral, e remédio de desgraçados. Que maravilhas, em relação a estes três fins, não fizeram na sociedade os nossos padres e religiosos! Dêem-lhes uma família, e o estudo e caridade, que eles consagravam à sua pátria, reverterão em proveito de parentes: e muito seria se não transformassem em vício o que fora virtude. Aqui está a nossa resposta aos moralistas acerca do celibato do clero. Vejamos se nos ocorre alguma resposta aos poetas: aqui havemos mister outras razões, outras autoridades, e outra linguagem.
IX Continuação do precedente: ordem Foi celibatário o maior número de sábios da antigüidade; é sabido em que apuro de honra tiveram a castidade os gimnosofistas, os brâmanes, e os druidas. Até os selvagens a tem na conta de celestial, sendo que os povos de todos os tempos e países pensaram acordes sobre a excelência da virgindade. Antigamente, os sacerdotes e sacerdotisas, que, no crer de então, praticavam de face com o divino, deviam viver em separado; a menor quebra de seus votos era terrivelmente castigada. O ofertório aos deuses só de novilhas puras se fazia. O selo da virgindade assinala o que há de mais donoso e sublime na mitologia: eram virgens Vênus, Urania e Minerva, deusas do engenho e da sabedoria; a amizade era uma adolescente; e a virgindade, simbolizada na lua, pudicamente misteriosa, se divagava pelas frescas amplidões da noite.
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