O Gênio do Cristianismo
Santo Ambrósio, sem exércitos, sem legiões, venceram tiranos, domesticaram leões, arrefeceram as lavaredas, e embotaram as espadas?”58 É de si tão formidável a fé, que, assestada a fins perversos, aniquilaria o universo. Um homem, intimamente convencido, subjugando a sua à razão alheia, tudo executa. Isso prova que as mais eminentes virtudes, separadas de Deus, tidas somente em conta de conveniências morais, orçam quase pela extrema dos vícios. Se os filósofos tivessem ponderado nisto, não se dariam tanto afã em demarcar as balizas do bem e do mal. O cristianismo não careceu, como Aristóteles, de inventar uma escala, para nela graduar engenhosamente uma virtude entre dois vícios; cortou a dificuldade com mão segura, mostrando-nos que as virtudes só são virtudes quando refluem para a sua divina origem. Convencer-nos-emos desta verdade, se aplicarmos a fé às ocupações da vida, mas empregando-a por intercessão das idéias religiosas. Da fé vão nascer as virtudes sociais, pois que o dogma que nos manda crer em um Deus justiceiro, é o mais forte sustentáculo da política e da moral, por assentimento unânime dos sábios. Enfim, se empregardes a fé no seu genuíno exercício,59 se a referirdes inteiramente ao Criador, se a tomais como olhos da inteligência para enxergardes as maravilhas da cidade santa e o império celeste, se a tomardes como enlevo para superardes as penas desta vida, reconhecereis que os livros santos não exaltaram demais esta virtude, quando falaram dos prodígios que por ela podem operar-se. Fé celestial! Fé consoladora! Fazes mais que transportar montanhas: ergues os pesos opressores que afogam o coração humano!
III Da Esperança e Caridade A esperança, segunda virtude teologal, tem quase a mesma força da fé: a vontade gera a força. Alcança quem ardentemente deseja. “Buscai” — diz Jesus Cristo — “e achareis; batei, e abrir-se-vos-á”. Pitágoras, no mesmo sentido, dizia: O poder está ao pé da necessidade; porque necessidade supõe privação, e a privação trava-se de mãos com o desejo. Gerador do poder, o desejo ou a esperança é um verdadeiro gênio; ninguém nos perdoaria que de fé derivássemos fogo, nem fogo no singular teria já a mesma força.” [N.T.]. 58 Ambros., De Offic., cap. XXXV. 59 Vede a nota 4.ª, no fim.
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