LiteraLivre Vl. 4 - nº 24 – Nov./Dez. de 2020
Renato Bruno São Gonçalo/RJ
Encruzilhadas A mãe de Fernando completara 73 anos e, como era de costume, as pessoas passavam por lá, na casa dela, para saber se, naquela data, podiam ajudar em alguma coisa. Os mais chegados levavam até algum presente; outros ofereciam jabuticabas, já que sabiam que ela gostava de fazer licores e compotas. Aliás, muitos já ofereciam, com a esperança de poderem experimentar alguma coisa, durante a visita, e raramente saiam frustrados.
para tomar um café com a mãe, orientava Dona Mina a evitar sair já tarde da noite. Fernando, inclusive, vivia prometendo que, em breve, ela estaria em uma outra casa. Para ele, era só uma questão de tempo. Dona Mina, no entanto, sabia que isso era apenas reflexo do constrangimento do filho, que, quando estava casado e ganhando bem, deixou, muitas vezes, de ajudá-la por causa da mulher.
Portanto, Dona Mina, como era conhecida, não tinha nenhum problema com a vizinhança e até os meninos do movimento demonstravam ter um certo respeito, quando a viam passar na rua, já bem tarde da noite. Alguns tinham sido, inclusive, alunos dela. Por isso, se Dona Mina precisasse ir a algum lugar mais distante, não havia com que se preocupar. A hora em que voltava não era um problema, nem o fato de ter que ir ou voltar sozinha, morando naquele bairro.
– Mãe, eu tô falando senhora tem que sair daqui.
Contudo, quando completou 75 anos, Dona Mina já não vivia mais essa realidade. Os meninos, agora, eram outros. O movimento era outro. Os vizinhos, com os quais já tinha se acostumado a conversar, no portão de casa, ou tinham se mudado, com a ajuda dos próprios filhos, ou viviam uma rotina completamente diferente. Para alguns, a vida era apenas “casa, igreja; igreja, casa”, se dizendo até arrependidos do tempo que perderam no “mundão”. “Dia desses, o pastor perguntou se a senhora já aceitou Jesus... A senhora já aceitou Jesus, Dona Firmina?” Naquele lugar, portanto, Dona Mina já não fazia questão de algumas visitas, nem de certas jabuticabas. Por isso, Fernando, que, depois de divorciado, aparecia com mais frequência,
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sério.
A
– E eu vou pra onde, Fernando? Eu vou pra onde? – Eu já estou vendo uma casa. Não disse? Não é grande, como essa, mas é bem mais fácil de limpar. A senhora vai gostar. A senhora vai ver... – Fernando, prova essa compota. Vê se tá estragada... Os dois acabaram brigando feio, naquele dia, mas, uma semana depois, Fernando já estava pronto para fazer as pazes. Afinal, não convinha ficar alimentando rancores bobos, contra uma mãe que já tinha chegado àquela idade, sem nunca ter dado trabalho a ninguém. Portanto, para tentar agradar e desfazer a situação, Fernando ligou, avisando que, naquele dia, buscaria Dona Mina, lá no centro dela. A mãe frequentava esse centro de macumba, desde que ele era aluno, no curso de vigilante. E isso já tinha bastante tempo. O lugar ficava no Jardim Albuquerque, numa rua sem saída, logo no início do bairro. Era nos fundos da última casa, à direita. A rua era um trechinho sem asfalto, bem curto e em