LiteraLivre Vl. 4 - nº 24 – Nov./Dez. de 2020
Rosa Acassia Luizari Rio Claro/SP
Solidão coletiva Todas as noites eu chorava. Meus pensamentos organizados em um corpo estático, frio. As inúmeras leituras de teses e antíteses não foram suficientes para resolver os problemas com os quais eu me deparei ao longo da complexa jornada que durou muito tempo, mas acabou. Meu algoz, invisível, tornou mais difícil a mudança daquela situação de perdas em diferentes nuances, mas eu insistia em sobreviver. Tomei medidas emergenciais para enfrentar as dificuldades cotidianas. Mesmo assim, quando eu menos esperava, minha vida mudou. Fiquei quase sozinha. Meus sonhos foram forçosamente adulterados. Sentia-me em um processo de solidão coletiva. Ela chegou aos poucos. Veio com ares de liberdade exacerbada e tomou de empréstimo a voz regada ao vinho seco há muito guardado em um dos incômodos da minha casa e comprado na estabilidade a mim concedida pelo sistema de produção de trabalho no qual me encaixo quase que perfeitamente. Minha voz foi calada e ficou em completo isolamento. A experiência a que me vi forçada a cumprir levou-me a pensar no outro, imperativo ético adormecido em meus livros de filosofia acumulados na estante. O algoz ocupou todos os espaços da minha mente e da folha de papel. Intimidou o desejo de exonerar cada superficialidade do imprevisível fato a revestir os meus dias. Agora que o pior passou e a morte afastouse temporariamente de meu eu-sujeito,
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arrisco-me a afirmar que é chegado o tempo de dizer não a análises superficiais do outro, da página do texto e de considerar a subhumanidade a dominar o homem em tempos que parecem exigir profunda transformação ética, sociopolítica e científica. Em dias desafiadores como os que enfrentei, percebi a importância de haver mais autenticidade nas relações humanas e no modo como se configura a ideia de Deus. Importa não só a ideia, mas a decisão de como direcionar a fé sem amarras a qualquer tipo de religiosidade mal assimilada. Vejo-me como um sujeito pensante cuja alma está profundamente imbricada com minha materialidade e isso implica assumir a existência de Deus em meu processo de construção mental e material. Confesso que a situação deveras complexa com que me deparei à época da pandemia do coronavírus levou-me a pensar que recorremos a Deus ora como antídoto a todo mal ora para desencargo de consciência quanto à autorresponsabilidade de contribuir para aniquilar o inimigo comum. Ao pensar na pandemia do coronavírus como subprojeto das ações humanas, fui escrevendo meu diário, e nele discorria a respeito da importância de Deus em nossas vidas e da minha fé Nele para superar toda a complexidade daquela situação que afetou o mundo inteiro. Em meio ao caos instalado no