LiteraLivre Vl. 4 - nº 24 – Nov./Dez. de 2020
Amélia Luz Mariana/MG
História De Vida – O Poder da Palavra Nasci com o mundo no “front” e embora meus pais e avós fossem proprietários de terras sofríamos economicamente as consequências drásticas da 2ª Guerra Mundial. Na zona rural vivi minha infância e na minha casa não havia um livro sequer. Minha irmã quatro anos mais velha que eu fora para a cidade aprender as primeiras letras no grupo escolar. Sozinha, ficava no meu mundo esperando que ela voltasse para compartilhar com ela do seu material escolar. Encontrei-me com a sua primeira cartilha, a Cartilha do Povo, aquela que trazia na capa o desenho de uma mão e em cada dedo uma das vogais descobrindo os primeiros símbolos mágicos. Mais tarde no segundo ano escolar ela ganhou um livro chamado Terra Querida, decorei até o autor, Theobaldo Miranda Santos. Gostava dele e fingia ler todas as lições. Ficava esperando ansiosa que ela chegasse da escola e trouxesse para mim um pão doce salpicado de açúcar cristal, que eu chamava de pão-de-açúcar e o livro, causa maior da minha ansiedade. Quando ela chegava ia ajudar minha mãe nos afazeres domésticos e eu me aproveitava disso para viajar na imaginação, com seu livro, é claro. Fingia ler todas as histórias, quando chegava à última página, no compêndio de Ciências Naturais havia o desenho do esqueleto humano que eu detestava por
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representar a “caveira”, que representava a morte e me fazia tremer de medo de assombrações. Então, cada vez que folheava o livro levava um susto com a “caveira” e acabei achando, ou julgando achar, uma solução para o caso. Fui escondida até o fogão a lenha da minha mamãe e peguei um carvão e com ele rabisquei toda a caveira. Pensei aliviada que agora eu poderia “ler” o livro à vontade sem deparar com a apavorante “caveira”. Minha alegria durou até minha irmã descobrir o que eu havia feito e depois disso minha mãe me repreendeu muito dizendo. – Olha, menina, de hoje em diante você está proibida de pôr as mãos no livro da sua irmã. Vou deixá-lo sempre em cima do guardaroupa onde você não o alcançará nunca! Foi uma tragédia para mim. Entristeci e na minha solidão eu sentava no degrau e ficava desejando o livro tão sonhado, pensando: – Ah! Seria melhor tomar o susto com a “caveira” do que ficar sem o livro dela. Era um caso complicado de paixão por letras, embora tão pequena e indefesa. O tempo passou e outro fato me aconteceu de interessante. Meus primos moravam “na rua” e levaram pra mim um gibi em quadrinhos com histórias do faroeste americano. Fiquei imensamente alegre e voltei às minhas atividades de “leitura”. Fingia ler quadrinhos por