Brasileiro

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BRASILEIRO

José Brites-Neto

1ª Edição

Câmara Brasileira de Jovens Escritores


Copyright©José Brites-Neto

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Janeiro de 2018

Primeira Edição

Conselho Editorial Presidente: Glaucia Helena Editor: Georges Martins Coordenação editorial: Luiz Carlos Martins Editor de Arte: Alexandre Campos Produção gráfica: Fernando Dutra Comissão de Avaliação: Leo Martins, Leonardo Ach, Milena Patrícia, Fernando Dutra, Vânia Ferreira, Fernanda Redon, Rodrigo Tedesco, Bruna Gala, Arthur Henrique Santos Foto de capa: Praia de Itaipuaçú, Maricá/RJ.

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio e para qualquer fim, sem a autorização prévia, por escrito, do autor. Obra protegida pela Lei de Direitos Autorais


José Brites-Neto

BRASILEIRO

Janeiro de 2018

Rio de Janeiro - Brasil



“Os brasileiros são, todos, estrangeiros na sua terra, Que não aprenderam a explorar sem destruir, E que têm devastado, com um descuido, De que as afirmações dos meus trabalhos Dão ainda um pálido reflexo.” Alberto Torres, 1915



SUMÁRIO

BRASILIDADES BRASILEIRO ................................................................................................. 11 MEU NOME É JOSÉ ..................................................................................... 13 CORES DA PÁTRIA ....................................................................................... 14 CONFLITOS DA TERRA ............................................................................... 16 IMPERADORES DA TIRANIA ....................................................................... 17 PRIMAVERAS DE FOGO ............................................................................... 18 ABRIL ESCARLATE ..................................................................................... 19 LENDÁRIO GUERREIRO ............................................................................ 22 IMPÁVIDO COLOSSO ................................................................................. 23 AGUILHÕES DA TERRA MATER ............................................................... 24 REVOLUÇÃO ............................................................................................... 25 ESTROFES ANUNCIADAS ............................................................................ 27 SUMO CAVALEIRO DO APOCALIPSE ........................................................ 28 MORTE DAS VALQUÍRIAS .......................................................................... 29 ESMAGADORES ........................................................................................... 30 OVERWHELMING ....................................................................................... 32 GUERREIROS DA HUMILDADE ................................................................. 34 NÃO CHORES POR MIM! ............................................................................ 35 RIO DE CALAMIDADE ................................................................................ 36 FILHO DE UMA FRUTA PODRE ................................................................. 37 DESPERTAR ................................................................................................. 39 EU QUERO SER FELIZ ................................................................................. 40 BUNKER ....................................................................................................... 41 NÔMADES DE PENSAMENTO ................................................................... 43 BOCETA DE PANDORA .............................................................................. 45 ANIMAL BRETÃO ....................................................................................... 46 UMA NOITE, DOIS CAMINHOS .................................................................. 47 CICLO ........................................................................................................... 50 RASTREANDO PASSOS ............................................................................... 52 CHUVA SERÔDIA ........................................................................................ 53 SUPLÍCIO DE TÂNTALO ............................................................................ 54 ÁGUA ARDENTE ......................................................................................... 55 ANARQUISTA ............................................................................................... 57 SENTIMENTOS CÍCLICOS .......................................................................... 60 CABELOS PRATEADOS ............................................................................... 62 OLHOS DE PIEDADE ................................................................................... 64 SER PAI ......................................................................................................... 66


PALAVRAS .................................................................................................... 68 PENSANDO BEM ......................................................................................... 69 PORQUE SOU FELIZ ................................................................................... 70 INVOLUÇÃO DA ESPÉCIE ........................................................................... 72 APOPTOSE ................................................................................................... 73 ANTROPOCENO .......................................................................................... 75 PANGEIA ...................................................................................................... 76 FORMIGUINHAS SEM AMANHÃ ............................................................... 78 NOSSOS JOVENS .......................................................................................... 80 ALTRUÍSMO HERÓICO ............................................................................... 81 ENCONTRO DOS POETAS NO CÉU .......................................................... 83 UM ADEUS À POESIA ................................................................................. 85 LÁGRIMAS ................................................................................................... 87 A VIDA EM VERBOS .................................................................................... 88 O VALOR DO SILÊNCIO .............................................................................. 90 PAIXÃO AMAZÔNICA MATER AMAZÔNIA .................................................................................... 95 VITÓRIA RÉGIA ........................................................................................... 96 ONÇA PINTADA .......................................................................................... 97 PALMAS DE MINHA TERRA ....................................................................... 98 CLAMOR DA FLORESTA ............................................................................. 99 LENDAS SEM ESCOLA ................................................................................ 102 ESPERANÇA CABOCLA ............................................................................. 104 CANTO DO UIRAPURU ............................................................................ 106 NAÇÃO PARDAVASCA ................................................................................ 108 ESTRONDO DAS ÁGUAS ........................................................................... 109 CARTA AO POVO RIO NEGREIRO ............................................................ 110 GAIA ............................................................................................................ 111 PLANETA TERRA, ME DESCULPE! ........................................................... 114 EPÍLOGO BRASIL, TERRA DE FANTASIAS OU PARAÍSO DE DEUS? .................................................................................... 119


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BRASILIDADES “Na fatigante jornada da vida, Mantenha-se em paz com sua própria alma. Mantenha boas relações com todas as pessoas. Fale a sua verdade mansa e claramente. E ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes. Eles também têm a sua própria história. Muita gente luta por altos ideais. Em toda parte, a vida está cheia de heroísmos.”

Extraído de Desiderato (Antiga inscrição, datada de 1684, descoberta em uma igreja de Baltimore, Estados Unidos).

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BRASILEIRO Eu não sou paulista, Da resistência pujante, De uma força altruísta, Que nasceu bandeirante. Eu não sou carioca, Da beleza solsticial, Cuja alma invoca, Um alegre carnaval. Eu não sou mineiro, Da preciosa pedra, Do perfil matreiro, Que nunca se entrega. Eu não sou gaúcho, Dos pampas celeiros, Que sacrificou seu tudo, Por um ideal guerreiro. Eu não sou nordestino, Do trabalho sofrido, Suor de homem e sorriso menino, Sobrevivendo na seca com seu tino. 11


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Eu não sou do Planalto Central, Da riqueza perdida no pasto, Da terra do Pantanal, Cuja beleza é seu lastro. Eu não sou da terra roxa, Do infinito cafezal, Minha alma não é coxa, Minha beleza sem igual. Eu não sou nortista, Dos verdes bosques de vida, Como uma raça alquimista, No silêncio da Amazônia perdida. Eu não sou imigrante, Nas raízes profundas do Sul, Do mundo trazido distante, Miscigenado na terra com sangue azul. A minha pele não tem cor, O meu sangue é companheiro, Guardo no meu esplendor, O orgulho de ser brasileiro.

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MEU NOME É JOSÉ Não sou homem de cartas marcadas, Não uso fardas, nem simulo farsas, Se pegar na enxada for meu destino, Farei deste chão minha longa estrada, Mas desde já lhe esclareço nesta jornada, Que a caneta é meu lugar de acolhida, Não adorno cabrestos, nem uso rédeas frias, Não vacilo na lida, nem tenho medo na vida, Meu sangue é matreiro, não destilo venenos, O vento assovia meu nome, de longe e de qualquer lugar, Durmo na cilada da noite, pois tenho onde morar, Todo dia me traz nova história, Então não venha me acordar, Pois quem sabe qualquer hora posso lhe mostrar, Todas as malditas farpas, que pude retirar, Como espinhos encravados, Devaneios de homens marcados, Pela sina de seus sobrenomes, Míticas de fogos-fátuos, Que não traduzem seu nome, E que em tortuosos caminhos, Quase sempre se escondem, Mas eu possuo meu nome, Minha vida é timbrada, sou homem, Não simulo farsas, nem uso fardas. Eu me chamo José. 13


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CORES DA PÁTRIA Vermelho não é o sangue que jorra em tuas artérias, Pois o teu coração não é alma, é só matéria. Venoso, estás, pelo entojo da pobreza, Roxo como hematomas de uma estúpida prepotência. Que nutre cartuchos mortíferos nas favelas, Entremeados pelo choro de um povo que vai às capelas, Ou que assiste passivo, o teatro da vida nas novelas. Embevecido pelos males residentes na ignorância, De ver o inútil morrer pelas ruas, de tuas crianças, Sem escola, sem brincadeiras, sem infância. Verde era o enredo do teu patrimônio, Que entregas em silêncio sem parcimônia. Azul era o céu da tua esperança, Era o mar da tua abundância, Hoje não passa de uma cinzenta lembrança. Amarelo era o brilho dourado de um largo sorriso, Que com o tempo ficou cariado por tanto vício.

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Vício de uma maldade que corrompe a luz da inocência, E mancha o teu branco de paz com a cor da violência. Vermelho será o destino desta pátria, Que não quer abrir o seu próprio claviculário, Para entregar as chaves ao real mandatário, Ao Povo Brasileiro em seu complacente calvário!

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CONFLITOS DA TERRA Terra expatriada e corrompida, Mãe outrora zelosa e gentil, Derrama o viço arterial deste venoso coração varonil, Tuas lágrimas foram embalsamadas pelas sevícias do poder, Posto que teu peito soluça e teu leito suplica de tanto querer. Consola tua criança que no berço de fome já chora, Que nas esquinas da vida respiram devaneios de cola, Como indigentes suicidas que nos torturam pedindo esmola, E jamais saberão como cidadãos o que é ir para escola. Ensina este menino a andar de cabeça e fronte erguidas, Que só assim não se desviará de seu caminho de vida, Liberta-nos desta peleja sudorífica de um trabalho que só escraviza, E que faz do homem um eterno capacho deste ritual capitalista. Acorda majestade de poder e vê se te sensibilizas, Pois não podes dormir para sempre sob alguém que só mortifica, A alma cortês deste povo inocente merece a tua própria vista, Voltada para os ideais de liberdade que nos honra e vivifica. Nossos pais mortos ficaram por tantos rábulas e embusteiros, De discursos e planos vazios, com bolsos aventurados em dinheiro, Faz dos teus simples filhos, mais que complacentes companheiros, Na vida de teus seios, faz-nos Homens Guerreiros! 16


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IMPERADORES DA TIRANIA Eis que olham para os nossos fartos quintais, Como abutres gananciosos que sempre querem mais, Enfeitiçados pela exuberância de nossos eternos carnavais. Não possuem o dom nato de nossa inocente alegria, Seu enredo é um postulado de violência que só tripudia, Ignoram a simplicidade de nossa solene magia, Com seu medieval embuste de uma arrogante nobreza. Mas eis que se levantam as bandeiras africanas, Encurraladas por uma mísera fome, Ditada por mente global insana, Que ignora o sofrimento de um grito que reclama, Igualdade de direitos e por solidariedade clama. Agora é sua vez, celeiro majestade que se ufana, De ser tão grandioso em seu berço esplêndido, Que seja exemplar e soberana a sua rebeldia, Levanta a foice de justiça contra os Imperadores da tirania.

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PRIMAVERAS DE FOGO Vem cultivar o âmago de nossa esperança, Em solo seco e árido, planta a viçosa semente, Tardia é a chuva que não se aproxima, Cruel é o calor que resseca nossas mentes. Destila em puro ar, nosso torpe excremento, Dadivosa manhã de sutil e colorido intento, Umidifica tantos lábios amargurados pelo vento, Que arrasta do bom coração qualquer livre pensamento. Faça rebrilhar aos raios de um novo sol onisciente, Desejos de vida, sensações paridas, em úteros reticentes, Vislumbra no ego de cada ser vivente, Um resquício, uma sombra, de altruísmos complacentes. Mas como posso esperar, sem uma lágrima copiosa, Quando vejo este ressurgir como uma ameaça assombrosa? Frutos que restam de árvores mal adubadas e venenosas, De homens que sentem fome, em sua mesa anteposta. Almas de corações frios, arrogantes e impuros, Malnutridos pela ração de engodados pães duros, Quente é a falta de razão neste caminho escuro, De uma insólita expectação em Primaveras de Fogo. 18


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ABRIL ESCARLATE Somos devaneios de uma angustiosa razão, E com este fim, caminhamos com um insólito coração. Hipócritas ululantes, injustiçados esculpidos, Homens que não enxergam nem o próprio umbigo. Somos revolucionários de ideais recalcados, Desumanizados, fingimos ser solidários, Comensais ultrajantes de humildes ultrajados, Povo sem soberania, desempregados sem prévio aviso. Fome famigerada na caquexia que enriquece seu glutão inimigo, Bandeiras vermelhas sem azul constituem um mero espectro iludido, E jamais serão sustentadas por um verde-amarelo engrandecido. Porque será eternamente este gigante adormecido, Que nunca despertará, enquanto entorpecido, Pelo tráfico de influências de seus palácios de corrupção, Solo árido infértil para sementes de correção. Onde estou, onde está e onde estão? Aqueles que marcham em luta por um justo quinhão. Como obter esta paz social, pois seu conflito é um imposto em potencial? Onde hoje turvam na marginalidade da retidão, Os que como justamente retos, manipulam e maquiam esta podridão. 19


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O que é a esperança que venceu o medo, mas vendeu sua alma sem compaixão? Quem teme um inferno em abril, não deveria semear a indignação, Vaticinar seu povo em um lodo de amarguras e enganação. Se quem sabe faz a hora, não espera acontecer, Que sentido teremos nesse nosso viver? Se me amedronto diante ameaças dos abutres do poder. Quem antes, outrora vermelho, Agora manifesta um estranho temor, Dos luzeiros cintilantes de um vermelho sol nascente. Pois, vermelho não é uma comuna doutrinária, Vermelho não é uma bandeira societária, Vermelho não é um mero discurso canalha. Antes, vermelho provém de uma sanguinidade varonil, Não sendo um simples tormento de abril. Vermelho urgente de uma insolação frequente, Das mentes que marcham indenes e insolventes. Vermelho fruto da irritabilidade de uma convulsão social, Onde jazem fetos perdidos sem desfrutar seu calor maternal.

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Vermelho reverberado pelo grito insone de madrugadas sem teto. Vermelho que também pode ser uma forte expressão latente, Singular exclamatória de uma legião de homens retos, Como atalaias de uma justiça igualitária resplandecente. Então, antes de assimilar potencial ameaça de um abril escarlate, Porque não questionar este país de objetivo deserto, Que caminha com seus coágulos circulatórios para seu fatal enfarte?

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LENDÁRIO GUERREIRO Como valentes que desbravam aventureiros, Da incerteza e inesperado são companheiros, Com a coragem e bravura alvissareiros, No completar de sua missão são os primeiros. No limiar de cada batalha incansavelmente vivida, A morte e a derrota reverenciam a vitória na vida, Com seu semblante guerreiro que jamais se priva, De entregar sua alma com a fronte erguida. Valorosos soldados cujo enredo enterra, Momentos de felicidade que sua memória encerra, Pelo massacre brutal das mazelas de guerra, Surge um simples mortal que a pátria desterra. Com determinismo ardente na busca de um destino, Superando limites humanos sem cometer desatino, Na frieza de um coração que não é mais menino, As soluções cruentas são descerradas no limbo. Quando termina o conflito que seu esmero espera, A história se completa de forma tão simplória, Um anônimo herói voltando para sua terra, Trazendo no humilde peito a sua medalha de glória. 22


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IMPÁVIDO COLOSSO Desbravando as agruras de um tempo, Na polidez de um simples sentimento, Onde o canto de amor é um lamento, De uma aurora que jaz em sofrimento. Onde está a presença do humano? Esvaiu-se como um vento soprano, Na disputa marginal de um engano, Cujo escopo cruel é deveras insano. Olheiros de paisagens cotidianas, Tentando suplantar almas mundanas, No passatempo de espera epifania, Ludibriados pela soberba infâmia. Neste cenário que retrata o esboço, De tudo que é lançado ao poço, Da miséria, onde está servido o almoço, Desperta deste sono, ó Impávido Colosso!

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AGUILHÕES DA TERRA MATER Aguilhão da Terra Mater, onde paira teu coração, Caminhando solitário e perdido na escuridão? Traze justiça a teu povo, que traído pela corrupção, Não procura mais buscar o seu precioso quinhão. Povo guerreiro dos emboabas, onde está teu irmão? Derramado como sangue na terra, pela sórdida ambição! Que saudade dos heróis sem farda, que continham aflição, E sonhavam construir independente, este cobiçado rincão. Ressuscita o ideal nascido no coração do alferes, Que sucumbiu imponente a uma hipócrita e vil traição, Não esqueça seus planos, se liberdade queres, Pois os retalhos do seu corpo ainda pululam no chão. Acorda irmão brasileiro, se queres ser cidadão, Renova a tua esperança com uma brava intenção, Com tua força e coragem desperta, liberta tua razão, E transforma a pátria amada numa grande e feliz nação.

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REVOLUÇÃO Acorda Mãe Gentil em tua vil tempestade, Levanta de teu silêncio de majestade, Como pode ver teus filhos sem dignidade, Dominados por máscaras de pérfida igualdade? Teus filhos jazem nos campos sem batalha, Celeiros urbanos de desonra em sua mortalha, Liquidados na pobreza por uma cruel cizânia, Violentados por um poder de coação canalha. Levanta tua foice e derrama teu sangue, Se és patriota, o sal da tua terra lambe, Expulsa para o exílio, o idílio que te explora, Escrutina a vontade do povo que te adora. Dos teus alagados e mangues, já é chegada a hora, Pois que a tua carta magna, só dá direito à escória, Arregaça o brio de tuas mangas, e objetiva a glória, De fazer teu povo vencer e marcar nossa história. Chega de domínio fascista, desta suástica implícita, De homens que se dizem humanos, em seu discurso golpista, Enriquecem seus bolsos com planos e benesses egoístas, Esquecendo seus irmãos no lodo da miséria capitalista. 25


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Acorda Nação Brasileira, explode teu coração, Vamos calar nosso algoz e marchar contra a ilusão, Com punhos e dentes cerrados, vamos defender nosso pão, Em nome da Família Pátria, levantar nossa Revolução.

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ESTROFES ANUNCIADAS Amazônia, tu és o travesseiro deste gigante adormecido, Que de tanto dormir, já não ouve mais zumbir, A ameaça dissonante ao seu próprio ouvido. O que fazem com tanta riqueza, os teus pares, Estes pérfidos mensageiros do rei, em seus altares. Pululam travestidos de uma vil nobreza, Com barganhas traduzidas pela muita esperteza. Zombando dos velhos, famintos e doentes da pobreza, Enriquecem ambições como deuses em sua realeza. Se eu pudesse alcançar com minha voz o altar sagrado, Não haveria neste mundo qualquer magistrado, Que pudesse encobrir este nosso verdadeiro algoz. Em marcha solene, urja povão brasileiro, E liberta da escravidão, a mansidão que há em cada um de nós.

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SUMO CAVALEIRO DO APOCALIPSE Sumo Cavaleiro do trono celícola, Que urge dos céus ao campanário, Traze aos sedentários o veio de justiça, Pela paz do teu sacrifício vicário. Pela tua graça e divina onisciência, Esmiúça as agruras de nosso caminho, Irradia a luz de plena benevolência, E desata o nó de nosso pergaminho. Liberta a verdade que está ao homem oculta, E renova nossa alma tão impura e inculta, No teu saber onipotente de cetro celífluo, Julga nossas causas de perfil supérfluo. Descerra misericórdia neste cenário apocalíptico, Não derrama tua ira ao justo, senão ao ímpio, Sonda o coração de tudo que te evoca, Paira o teu Espírito por sobre uma Divina Rocha. Faze piedosa a vara que castiga o que suplica, Transformando este lago de enxofre que nos purifica, E sobre a ardência das labaredas deste fogo eterno, Derrama o sangue da tua Glória e livra-nos deste inferno. 28


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MORTE DAS VALQUÍRIAS Valquírias reluzentes de poder, Surgem como princesas altivas no amanhecer, Adormecem como rainhas sem prazer, Emoção que jaz perdida sem nascer. Recolhem os arautos das batalhas, Amontoados sem perdão e misericórdia, Doadores de vida nas mortalhas, Mortos sem honra e sem glória. Curvem-se diante da autoridade, Daquele que efervesceu na memória, Dos que pranteiam uma única vontade, De tocar as vestes da Vitória. Recolham os corpos de solidão e morte, Pois já foi lançada a sua sorte, Hoje renasceu das cinzas, O Real Estandarte, Um Sacrifício Vicário, Um Eterno Mártir!

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ESMAGADORES O sentido puro do amor está morto! Está morto? Então, não perturbe os meus sentimentos. Deixe-me sozinho no escuro da minha cadeia. Não venha ofuscar a minha luz. Deixe a minha liberdade em paz. Não há mais regras ou valores morais. Só doença social e tortura medieval. Seu poder é jogo sujo. Eu não sou seu escravo, nem capataz. Fique longe da minha felicidade. Mantenha-se afastado de meus planos. Destruidor de criaturas e vidas preciosas para a sua ganância. Matador selvagem e manipulador de indiferença. Charlatão corrupto de leis espúrias. Autoridades maquiavélicas ostentando riquezas. Seguidor atroz dos ímpios e do mal. Teatro de alegorias e ventríloquos. Afasta de mim este cálice de confusão e dissensão. Saia da minha presença com essas reverberações de desigualdades. Inepto, impróprio, decrépito, nefasto, sociopata, psicopata. Predominância do poder diabólico. Inimigos de todos nós! Esmagando o nosso bem-estar. Chamam-no Estado, Autoridade e Poder. 30


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E assim caminha a humanidade. Sua prosperidade? Besteira! O que os governos querem para seu futuro? Foda-se!

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OVERWHELMING The pure sense of love is dead! Is dead? So, not disturb my feelings. Leave me alone in the dark on my chain. Do not come to overshadow my light. Let my freedom in peace. No more rules or moral values. Only social sickness and medieval torture. His power is foul play. I am not your slave nor foreman. Stay away from my happiness. Keep away from my plans. Destroyer of creatures and precious lives for their greed. Wildest killer and indifference handler. Corrupt charlatan of spurious laws. Machiavellian authorities boasting richness. Atrocious follower of the wicked and evil. Theatre of allegories and ventriloquists. Take away from me your cup of confusion and dissension. Get out of my presence with these reverberations of inequalities. Inept, unfit, decrepit, nefarious, sociopath, psychopath. Dominance of diabolic power. Enemies of us all! Crushing our good living. They call you State, Authority and Power. 32


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And so goes humanity. Your prosperity? Bullshit! What governments want for their future? Fuck you!

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GUERREIROS DA HUMILDADE Mártires de seus próprios arbítrios e destinos, Este povo não tem vergonha de viver e chorar. Marcham cantando seus sôfregos e diuturnos hinos, Dia após dia, em caminhada incessante, sem blasfemar. Como águas serenas fluem sem ceder à ebulição, Perseverando na indiferença de um mandatário mundo cão, Não dormem, não comem, mas sempre sonharão, Pois suas consciências tranquilas firmam seus pés ao chão. Isentos da ganância e eloquência de seu mau patrão, Como homens predestinados a símbolos de resistência, De seus olhares simples e puros que ignoram a escuridão, Jorram lágrimas de mansidão que não pestanejam na inocência. Semeiam a brandura compassiva em seus cânticos de devoção, Nas noites frias, sem qualquer proteção e nenhum ombro amigo, Ao luar clarividente de madrugadas sem o calor do abrigo, De suas faces percorrem a sudorese de uma dura interjeição. Ao traduzir sua honesta e singela vontade de vivificação, Diante de autoridades supremas em poder e majestade, Enfrentam penúrias e encaram a crueldade de tanta rejeição, Com o sangue bravo e heroico de Guerreiros da Humildade. 34


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NÃO CHORES POR MIM! Querida Pátria, mãe de filhos amados, Iluminada por tantos anjos sagrados, Digo hoje, em meu coração consolado, A verdade de estar envergonhado. Na noite em que meu choro pranteastes, Em que meus filhos acalentastes, Com vossa mansidão e solidariedade. Meus mandatários em sua própria maldade, Vaticinaram em seu reino de perversidade, Ludibriaram meu povo sem sobriedade, Consagrando corruptores em imunidade. Seu exemplo de humanidade, É algo indecifrável em sua santidade, Fizestes nascer em nossa insanidade, Uma dura reflexão sobre vida e bondade. Que esta luz refletida por teu coração, Neste momento de sofrimento e triste emoção, Possa resgatar meus filhos que perdidos estão, Como brasileiros desamparados na escuridão.

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RIO DE CALAMIDADE Outrora valente e também pueril, Já foste querida e o coração do Brasil, Não foste capitania, nem hereditária, Como colônia, lide mandatária, Como governo geral, alma libertária, Foste exílio de reis em teu império, Foste gigante república varonil, Quebraste corrente de escravos, Conquistaste invasores e corsários, Teus fortes tremularam bandeiras, Foste índio, foste negro, foste branco, foste! Hoje me envergonho de teus pares, Não mais é vista como a princesinha dos mares, Não mais te protegem teus ricos altares, Tuas enseadas perderam todo azulear, Tuas florestas já não possuem o mesmo verdejar, Foste aprisionada por homens insensatos, Corja sórdida e hostil de seres baratos, Teu Cristo já não te olha de cima ou de baixo, Está perdida, está sozinha, abandonada, De cidade maravilhosa, agora calamitosa, Que maldita sentença odiosa, Mas que teu gigante de pedra nunca adormeça, Esmague pelas próprias mãos todo aquele que mereça, Pois ainda me resta uma única esperança, De ver teu povo reagir e lutar, Como um bom carioca! 36


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FILHO DE UMA FRUTA PODRE Desculpe pelo aparente palavrão, Mas não aguento mais tanta omissão, De seres em sua complacente visão, Caídos como frutas podres no chão. Faltou algum adubo serôdio irmão? Ou sua época de plantio foi tardia? Não seja alvo da praga da hipocrisia! A terra não tem culpa de sua covardia. Não tem herança de transgênico? E nem tão pouco cultivo hidropônico? Então não ceda a este poder irônico, Que ilude você em ritual platônico. Cuidado com a ceifa dos insalubres, Com imagem pura de nobres tóxicos, São travestidos por total domínio, Selecionados por duvidoso escrutínio. Sua resistência deve ser natural, Não seja contaminado por este mal, Erga-se do solo sendo marginal, Assume seu direito mesmo que abissal.

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Seja polpa de sabor sem igual, Cuidado com a mão de seu plantio, Que só alimenta o atravessador, Cuja propina é seu próprio senhor. Não seja fruto de qualquer propinação, Não seja semente em qualquer corrupção, Pois o poder agradece tal irrigação, Com a água repleta de tamanha dejeção. No rizoma de uma esperança nobre, Não deve sucumbir à mediocridade, Não seja o filho de uma fruta podre, Frutifique a árvore da humanidade.

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DESPERTAR Vestido de branco, soltando fogos e bebendo todo tipo de cachaça. Lá vai mais um figurante em meio a uma multidão. Multidão de transeuntes que nem sabem aonde estão. Aonde irão, aonde passarão, aonde ficarão. Só sabem mesmo que lá estão. Chega dessa mídia e seu recheio de presepadas. Vamos parar de uma vez esse ritual de palhaçadas. Acorde meu amigo e coloque seu pé na estrada. O que você precisa mesmo é de uma alma reconfigurada. Sopa de lentilhas para quem vive em obsessão. Pula-pula sete ondas para quem tem superstição. Flores jogadas ao mar para quem acredita em maldição. Chega de tanta sandice. Chega de tanta crendice. Chega de assombração. Afinal, quem foi que disse? Que neste circo da vida, com tantos palhaços em seu picadeiro. Vai mesmo lhe sobrar algum dinheiro. Investido em tanta abstração. Observe a abençoada Mãe Natureza. Preste mais atenção! Paz e Amor, com Espírito de Grandeza. Não seguem complacentes, nenhum princípio vendilhão. Viva a vida inteligente que está ao seu redor. Um mundo colorido, sem barulho estampido e sóbrio que só! Ao pleno alcance de sua razão. Então, Pare e Pense! Indivíduo sem noção. 39


José Brites-Neto

EU QUERO SER FELIZ No maremoto da eternidade, velejarei, Nas ondas eternas da saudade, surfarei, No território da sobriedade, habitarei. Entre sonhos e realidades, contemplarei. Concupiscência sem razão, como a bissetriz. Poder, sevícia e leviandade de quem nunca condiz. Juízo falso e mediocridade de uma meretriz. Eu quero ser feliz! Não escrevo por pura vaidade. Mas conjugo o verbo de uma duplicidade. Transcrevo versões de correntes verdades. De um povo perdido e tão infeliz. Este é o meu país. Este é o meu país.

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BUNKER Fico preso, escondido, angustiado. Reprimido, suprimido, amargurado. Minha existência, já não existe. Fui reconfigurado. Já não sou mais cidadão. Sou o obséquio de uma triste solidão. Sou o opróbrio do verso que não foi sentido. Sou a canção que nunca foi ouvida. A sílaba mal esculpida. Sou um autor sem criação. Sou apenas mais um que será esquecido. Em minha própria maldição de ser como espécie. Acabei com vidas e vivo sozinho na escuridão. Marcas, farpas, cicatrizes nulas. De indivíduos sem noção. Sem caminho, sem destino, sem curvas. Onde estou e onde todos estão? Sem todos, tolos, nada. Que grande presepada! Estou mudo e perdido na mesma estrada. Rumo a meu próprio mundo. A um universo sem nada. Destino sem qualquer jornada. Meu fim de inaudita morada. Sou apenas mais um corpo. 41


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Inerte, sem ar, sem respirar. Sufocado em silencioso silêncio. No subsolo da alma. No subterfúgio de um caixão. Sou apenas uma insólita virtude. Em um bunker de negação.

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NÔMADES DE PENSAMENTO Margeando ao longo de tão pouco intento, Flui como líquido precioso em desencanto, A originalidade do ser perdida em esperanto, Onde mais nenhuma linguagem pode ser pano de campo. Ventos doutrinários torpedeando seus próprios planos, Projetos nascidos e sepultados por ditames prolixos, Muitas palavras, muitos discursos, muitos sufixos, Esquecendo em sua gramática, o amor como prefixo. Linguagens enigmáticas, sombrias em suas promessas, Pois o poder coroou sua majestade, na sobejidão de sua teatral peça, Ordinárias ordens, subversivas em sua inconsequência, Onde estão os democratas em sua coerência? Ditadores malogrados por sua perfídia subjetiva, Travestidos em vítimas de sua sonhada carnificina, Hoje vomitam suas amarguras rancorosas, Ao invés de provar competência em verso e prosa.

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José Brites-Neto

Vingativos e revanchistas como todo porco fascista, Esquecem de seu povo, em troca de uma efêmera satisfação, De ter o Trono do Poder em seu Império de Constipação, Pois a diarreia gentílica que jaz na miséria de sua própria fome, Já não mais representa o seu glamoroso refrão. Como pode um peixe vivo, viver longe da água fria, Se uma lula atormentada nos remete à escuridão? Esses tais nômades de pensamento: Onde estão? Onde estão?

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BRASILEIRO

BOCETA DE PANDORA Supliquemos ao vaticínio de nosso amanhecer, Todas as loucuras e devaneios de uma fútil emoção, Obstruamos a maldição de embustear o enobrecer, Pervertido pelo incesto que nos corrompe o coração. Suscitemos toda bondade do partir e multiplicar o pão, Sem o bolor das intempéries que cultivam o poder, Qualificando espíritos sem ritos consentidos na escuridão, Que uma vil e anoréxica servidão nunca semeie o sofrer. Soltemos as amarras deste mundo subjugado a morrer, Pelas correntes de sevícias que atormentam toda razão, Fulguremos ao florão de uma dura e plena Terra Mater, Onde a esperança seja a marca de seu eterno brasão. Que nossa gênese seja sempre sólida em perdão, Marcas reticentes em cicatrizes deixadas de outrora, Restaurem bons princípios em uma nova direção, Ofuscando infestos propósitos desta Boceta de Pandora.

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José Brites-Neto

ANIMAL BRETÃO A minha carruagem é guiada por animal bretão; Forte e imponente, caminha sem restrição; De passos sempre calmos, segue em retidão; Em trote sedimentado, solo futuro, pisarão. Em caminhos de tormenta, sangue, suor e paixão; Restam frutuosas lembranças, em contemplação; Sobram tenras memórias de melodiosa canção; O tempo passa sem piedade e qualquer compaixão. Sigo o salvo caminho com o meu coração; Não permitirei que me aplaque esta vil solidão; Ainda que esta luz se apague, seguirei na escuridão; Pois a vida é paciência e os dias passarão; Mas a minha carruagem é guiada por animal bretão.

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BRASILEIRO

UMA NOITE, DOIS CAMINHOS (Uma tragédia Chapecoense)

Esta noite ficará na história, Já não sairá de qualquer memória, Duas perdas, duas medidas, Dois sentimentos, duas feridas, Uma noite, dois caminhos. Choramos como um povo, Ao ver caídos no chão, Brasileiros em um maldito avião, Como guerreiros em uma missão, Derrubados por egoísmo e ambição. Enraivecemos como um povo, Ao ver caídas no chão, A esperança e moral dos brasileiros, Traídos por tratantes e embusteiros, Que na madrugada de um plenário, Transformou uma nação em otários.

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José Brites-Neto

Emocionamos como um povo, Ao ver sentimentos despertados, Por um povo estrangeiro solidário, Nos ensinando a sair de um calvário, De uma tristeza intensa e absoluta, Mas que bela e exemplar conduta! Indignamos como um povo, Ao ver sentimentos desprezados, Por um povo alienígena e vil, Que em seu interesse mercantil, Fez da corrupção em ato sutil, Como traficantes de toda sorte de mal, A verdadeira alma do congresso nacional. Aprendemos com um povo carinhoso, Que não existem diferenças humanitárias, Quando a alma é sincera e solidária, Com clareza e paz de espírito, Confortaram nosso grito de tristeza, Colocaram o Brasil em seu colo de grandeza.

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BRASILEIRO

Desconfiamos como um povo, Ao perceber que somos mal representados, Por uma sórdida classe de ladrões, Que só votam e tomam uma decisão, De manter o vício da corrupção, Enchendo de retalhos a constituição. Sentimos vergonha como um povo, De não sermos nesta noite colombianos, Queríamos ser naquele estádio como um hermano, E confortar os brasileiros em suas tragédias, Aquecendo suas almas na madrugada fria, Abraçando como companheiros neste dia. Na tristeza das vidas humanas perdidas, Na indignação de desertos desatinos, Nesta dura noite de dois caminhos.

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José Brites-Neto

CICLO Procuro caminhar Em total isenção. Perguntas, dúvidas, Só me trazem solidão, Não quero perder, Minha indissolúvel razão. Na minha estrada, Sem qualquer abstração. Conto meus segundos, Com indignação. Dúvidas, perguntas, Indissolvível retidão. Caminhos seguintes, Em absoluta oração. Condutas e passos, Em constante meditação.

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BRASILEIRO

Pensamentos seguidos, Com total reflexão. Mais um ano expectado, Que logo começa. Vida em passo caminhado, Com larga pressa. Largas passadas, No tempo que se expressa. Logo retorno, E a vida recomeça.

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José Brites-Neto

RASTREANDO PASSOS Como pegadas na areia que com o movimento das ondas se dispersam, Como estrelas cadentes que na escuridão do universo se aquietam, Como as folhas de outono que sobejam ao vento e se invernam, Como o pulsar das canções que conduzem os que se amam, Como as sutilezas de todos aqueles que profanam, Como pássaros que quando livres planam, Como labaredas que se inflamam, Como seres que mamam, Como chamam? Como?

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BRASILEIRO

CHUVA SERÔDIA Regas a terra, precioso orvalho da manhã, Terra que te espera com a alma cortesã. Chuva serôdia que rega a terra trazendo vida, Jorras um manancial de esperanças em nossos corações. Doce e fértil semente do amanhã, Fazes vibrar nossa paixão como uma febre terçã. Neste mundo és a única verdade entre tantas paixões, Tua água cristalina dessedenta todas as tentações. Tua vinda esperada é por nós conhecida, Como um incógnito despertar de rios de águas vivas. Forjas em cada ser vivente uma alma criança, Pois semeastes entre nós o Renovo da eterna vida. Nutres, pois, cada espírito com tua justa medida, E fazes florir o amor neste eterno jardim de tua lida.

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José Brites-Neto

SUPLÍCIO DE TÂNTALO Como podes sufocar a Minha Paternidade, Rejeitar sem pudor o Bálsamo da Eternidade, Malograr o valor do sacrifício de Minha Vontade, Por um prazer obscuro de fútil obscenidade. Servo tão impuro e infesto de veleidades, Hoje jazes afogado em mares de perversidade, Tua sede não será saciada pelas ricas fontes da maldade, Neste coração violento onde circula o fluido da adversidade. Preço pago que fostes pelo Meu Sangue Calvário, Hoje estás entregue a um agiota como otário, Não alcanças mais a Minha Foz de Bondade, Nem ao menos provas os frutos de Minha Benignidade. Como um cárcere débil entregue à escuridão, Não entendes mais o que diz o Meu Precioso Sermão, Como uma presa perdida em um lamurioso pântano, Sois como almas esquecidas em seus suplícios de tântalo.

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BRASILEIRO

ÁGUA ARDENTE Minha girgolina feiticeira, Água-bruta do meu desatino, Guampa maldita e desalmada, Imaculada maria-branca monjopina. Engasga-gato do pobre cachorro-homem, Bagaceira, boresca e caiana, Calibrina cândida, minha cotreia, Aninha, dona-branca, moça-branca, Minha jura, não-sei-quê. Meu elixir, minha gramática, meu espírito, Patrícia perigosa, meu porongo, minha piloia, Pura, purinha, quebra-goela do reservado, Quebra-munheca do mal-amado, Remédio retrós de sete-virtudes. Três-martelos que castigam meu pensamento, Capote-de-pobre, meu cobertor de alegria, Assovio-de-cobra, viperina e venenosa, Águas-de-setembro que correm o ano todo, Arrebenta-peito que na tristeza é meu-consolo.

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José Brites-Neto

Abrideira dengosa de portas fechadas, Bicha danada das sorridentes prosas, Birita borbulhante que o pranto espalha, Azougue goró da expedita Januária. Sumo-da-cana com suor-de-alambique, Dindinha, sinhazinha, filha-de-senhor-de-engenho, Água-benta, água-de-briga, água-de-cana, Brasileira alma que ufana este povo silvícola, Que é pobre, que é caboclo, mas tem espírito nacionalista.

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BRASILEIRO

ANARQUISTA (Carta ao Gabriel, O Pensador) Anarquista, Anarquista! Esse governo é bandido. Um bandido comunista. Anarquista, Anarquista! Esse governo é ditadura. Sua bandeira é só tortura. Anarquista, Anarquista! Esse governo é absorvente. O seu mênstruo é fascista. Anarquista, Anarquista! Esse governo não é puro. É um engodo alquimista. Anarquista, Anarquista! Esse governo é estrelado. Por generais e marginais. Anarquista, Anarquista! Esse governo é de civis. Absolutistas tão hostis. 57


José Brites-Neto

Anarquista, Anarquista! Esse governo é de empresários. Que não limpam o próprio rabo. Anarquista, Anarquista! Esse governo é explorador. Massacra índio e professor. Anarquista, Anarquista! Esse governo é vendilhão. Esculacha a nação. Anarquista, Anarquista! Esse governo não tem juiz. É uma puta meretriz. Anarquista, Anarquista! Não seja um imbecil de direita. Nem um idiota comunista. Anarquista, Anarquista! Não seja um idiota de esquerda. Nem um imbecil fascista. Anarquista, Anarquista! Não seja mais um complacente infeliz. Preparem todos seus miseráveis fuzis. 58


BRASILEIRO

Chega de ser um povo indigente. Chega de ser um povo indiferente. Retirem o flúor da água das escolas. Crianças inertes sem dentes e sem mente. Parem de beber refrigerantes de cola. Parem de sofrer por uma mísera esmola. Pois já é chegada a hora!

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José Brites-Neto

SENTIMENTOS CÍCLICOS Vida que vi renascer, De uma fênix que despertou e retornou a viver. Viver ainda solitário e ressentido, Que no brilho de sua esperança, voltou a correr. Correr como uma criança em sua fantasia, Sem pressa pela manhã e com presente alegria. Alegria benfazeja que renovou meu espírito, E purificou minha alma em inocência e bondade. Bondade que brilhava no teu olhar, E reluzia em um sorriso de divina majestade. Majestade que culminou radiante, No doce encantar de teu semblante de sobriedade. Sobriedade quebrantada pela emoção, Que fez surgir em mim uma latente paixão. Paixão que fertilizou meu coração, E plantou a semeadura de nossa viçosa união. União que suplantou tantos desatinos, Mas que por força de um destino, Fez-me chorar como um menino. 60


BRASILEIRO

Menino que na tristeza deste desencanto, Deixou de correr e se recolheu a seu pranto, Em lágrimas e letargia. Letargia de não poder mais suportar, A constante insônia destas madrugadas frias. Frias de amor e sentimento, Pois já não posso mais sentir o teu precioso acalento. Acalento que nutria meu coração, Que agora suspira em silêncio, no escuro de minha solidão. Solidão reticente em agonia, Demarcada na memória pela felicidade de um importante dia. Dia em que a vi pela primeira vez, E que não esquecerei jamais, Mesmo que se apague a minha lucidez. Lucidez que se extinguirá latente, No dia em que o meu sol se fizer poente. Dia em que partirei em expectável jornada, Ao encontro da aurora perdida de minha vida.

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José Brites-Neto

CABELOS PRATEADOS Madrugada de expectativas, No silêncio de uma recepção, Pai e Avô esperam pela parida, De sua própria ressurreição. Logo segue um menino na vida, Sentindo a poeira sortida na estrada, Vai buscar com seu próprio tino, O destino de uma árdua jornada. Precisa morrer pela pátria, sem nenhuma razão? Não, logo me diz uma avoengueira compreensão, Basta viver nesta lida, com um bom coração, Assim meu avô ensinou, minha primeira lição. Com um olhar de laboriosa atenção, Sinto a força de meu pai, na palma de minha mão, Sei que fiz coisa errada, porque reclamar então? Com uma ditosa maestria, logo me conduz à razão. Pressinto minha hora de partir, mas como dizer então? As lágrimas de minha mãe são contidas pela precisão. Rumo como um nômade de esperanças, Tendo em minha aljava, uma triste solidão. 62


BRASILEIRO

Passa o tempo com a rapidez de meu pensamento, E logo vem a herança de um doce intento, Que acalento com uma extrema emoção. Meu filho nascido me olha, com olhos de interjeição. Como que num espelho refletindo meu passado, Que me urge nesta hora ser lembrado, Contemplo minhas marcas neste chão, Como que semente fértil, sou apenas mais um grão. São meus cabelos que vão ficando iguais, Embranquecidos pelo tempo e a razão, E não escondem meus olhos fitos ancestrais, No tempo que não volta mais. Onde vejo sorridentes, lado a lado, Com seus reflexos de cabelos prateados, Os semblantes de meu Avô e meu Pai.

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José Brites-Neto

OLHOS DE PIEDADE Ver a eternidade dos prantos, Dos choros que ecoam de tantos, Marcados pela tristeza de desencantos, Dos que vivem esquecidos a seus cantos. Ver o ranger de dentes tementes, De crianças que suplicam doentes, Enfermadas por uma miséria intransigente, Dos que tripudiam em seu perfil inconsequente. Ver as marcas de um povo defraudado. Em sua inocência, por um poder maculado, Neste antro de um planeta tão desolado, Pela ausente compaixão, urgente em todo lado. Ver as estrias demarcadas neste reduto cristão, Como uma sutil apunhalada em nosso próprio coração, Iniciativas derrogadas por falsos santos sem razão, Neste enredo sincopado estamos juntos e em solidão. Ver e nada fazer como sempre ficam e estão, Os que buscam ignorar e esconder a visão, Procurando somente estar aonde perdurarão, A cobiça e o bem-estar de uma saprófita redenção. 64


BRASILEIRO

Salve-se quem puder tem sido o brado, Daqueles que por Deus nunca serão lembrados, Por só terem em seu coração um simples dado, O bolso e a ambição como seus esculápios. Numa esculca mal assistida vivem insólitos, Os que querem traduzir sinais solidários, De uma linguagem cada vez mais mórbida, Onde a honesta visão é um conto anedotário. Ouve meu irmão esta nossa demulcente moção, Já que não pode ter mais nenhum senso de perdão, Acorda pois já tarda o dia desta verdade, Quando seu sangue verterá sob Olhos de Piedade.

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José Brites-Neto

SER PAI Ser Pai, não é padecer no paraíso, Também pudera, pois, esta honra é exclusiva da maternidade. Mas Ser Pai, pode ser o guardar segurança e abrigo, Para um paraíso de eternidade. Ser Pai, não é sentir contrações de dor para gerar um filho tão esperado, Mas pode ser o esforço permanente para impedir que seus filhos gerados, Assimilem o nefasto sentimento de que tudo está acabado. Ser Pai, não é uma exemplar manifestação de carinho e ternura tão evidentes, Mas pode ser o evidenciar de exemplos para um exercício, De caráter de amor condizente. Ser Pai, pode não ser estar sempre presente, Mas será sempre a presença constante nos momentos urgentes. Ser Pai, não é uma imagem rotineira de uma face onipresente, Mas é o rosto salvador que nos aparece quando estamos insolventes. Ser Pai, não é sorrir larga e abertamente, Mas dizer com sua própria sisudez, Que na vida a felicidade é emergente.

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BRASILEIRO

Ser Pai, não é viver de uma insólita e aparente bonança, Mas sim ensinar a seu sangue que a esperança, Sempre vive como uma eterna criança. Ser pai, não é falar palavras de amor com frivolidades, Mas sim traduzir sentimentos no verbo da verdade. Ser Pai, não é certamente padecer no paraíso, Mas este mesmo paraíso fica tão vazio, Quando o perdemos sem prévio aviso.

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José Brites-Neto

PALAVRAS Palavra ordeira, Palavra sensata, Palavra prudente, Foge daquele que adjetiva a vida com sua maldade, Junta-se àquele que se indigna em sua natureza indigente, Substancia as frases da mansidão e humildade. Usufruto complacente quando não se tem o que dizer, Raciocínio pragmático quando se diz sem sentir, Copiosa e fútil como sevícias de vaidades do ser, Harmoniosa como alicerce do que quer refletir. Como um dito inaudito de quem blasfema escuridão, Como um afago renitente em acordes de paixão, Como um fogo ardente em momentos de fúria sem razão, Como um perfume que inebria toda alma e coração. Seja no sentido inverso ou direto em seu objetivo, Proporcional aos sentimentos de razão e emoção, Como seria a vida sem este verbo contido? Quem não tem Palavra é como um saco sem pão.

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BRASILEIRO

PENSANDO BEM Estive pensando, e pensando bem.... O que seria das flores, em seu dia ruim? Sem seu perfume, seu néctar, seria o seu fim? Despedaçadas suas pétalas, desraigada em seu pudor, Desnuda e frágil flor! Sobrariam seus espinhos reticentes em sua dor? Amanhecida sob o sol cintilante, já sem sentir seu frescor, Nem o vento norte ameaça mais o seu afável esplendor! Estive pensando, e pensando bem.... Seria sua morte, a expectativa de seus pálidos desejos? Pois eis que sobranceira e subalterna, Oculta como o espírito vívido de uma alma decadente, Suas raízes hão de sustentar seu fôlego resplandecente, E sua seiva em seu floema, como um Rio de Águas Vivas, Enxugará da terra, suas lágrimas de lamentação, Transformando-as no bálsamo de sua ressurreição. Pensando bem.... Poderíamos pensar como uma flor e não como gente!

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José Brites-Neto

PORQUE SOU FELIZ Não tenho os bolsos abastados, Nem tão pouco benesses de magistrado, Meu tempo é consumido por poesias e pensamentos, E o trabalho é o meu maior acalento. Não tenho riquezas firmadas em patrimônio, Meus bens progridem em ritual parcimonioso, Guardadas no cofre de meus fundamentos, Tenho a honra e honestidade por meus testamentos. Não tenho mais meus filhos presentes, Migraram indiferentes ao colo de egoísmo materno, Mas mantiveram seu amor e saudade reticentes, Como uma recompensa bendita do Eterno. Então perguntam porque sou feliz e estou sorridente, Fácil é responder quando se tem Deus sempre presente, Não existem fórmulas para o amor que se compraz, Basta guardar Fé na Palavra do Príncipe da Paz.

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BRASILEIRO

HIDROFÓBICO Não gostas de água? Porque desperdiças? Haverá um dia que não conseguirás a engolir. Então estarás morto. E ela te abandonará. Sem piedade, mas de forma lenta. Para que todos os vermes possam te devorar. Como uma vingança evoluída. Por ter sido tão poluída. Logo ela irá te desidratar. Então não mais a possuirá. Serás pó e ela retornará ao pó da terra. Juntamente contigo, mas sem você. Para que outro também a desperdice. Neste verdadeiro ritual hidrofóbico. Até que tudo termine. E só sobrem Rios de Águas Vivas.

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José Brites-Neto

INVOLUÇÃO DA ESPÉCIE Como efeito de um mau hábito esculpido, Em variáveis correlações deste mundo perdido, Muitos atos sem caráter são por genes travestidos, Na arrogância fenotípica de um genótipo malnutrido. Genes que se movem, que se perdem, que se mordem, Nesta vida que se degenera com tanta falta de boa herança, Hereditariedade pulsante em lócus sem esperança, Onde estão os bons exemplos, nesta luta desde a infância? Convalescendo numa seleção frágil e inconsistente, Na persistência do mais apto, falta sempre o mais sorridente, Nas diferenças individuais, sobram sempre os mais eloquentes, Gerando nova espécie duvidosa, de insanos e indiferentes. Espécies mais ricas que variam mais frequentemente, Espécies mais pobres que vivem como sobras de gente, Efeitos do uso e desuso de gametas reticentes, Em ritual comensal, marginal e inconsequente. Outrora fomos bons, fomos livres, fomos sãos. Hoje, adeptos da variabilidade, vítimas deste mundo cão, Estamos fadados ao insucesso para criar bons cidadãos, Sem temor que a seleção natural culmine na nossa própria extinção! 72


BRASILEIRO

APOPTOSE Marco nos meus dias. A biometria de cada segundo. Computo no meu pensamento. Cada neurônio que perco. Minhas neuróglias blasfemam. O meu corpo entorpece. Com minhas catecolaminas plasmáticas. Adrenalina e dopamina. Somadas à serotonina. Minha monoamina mais safada. Manipuladora de meu ritmo circadiano. Meninas malvadas. Sádica fisiologia. Universo do meu dia a dia. De meu organicismo e homeostasia. Mitocôndrias geram minha energia. Em minha microscopia celular. Meus genes lutam em suas orgias. Que decifram meu enigma molecular. Onde dois ácidos nucleares. São autênticos escribas celulares. De meu genoma e minha vida. Em seu ciclo balzaquiano.

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José Brites-Neto

Hoje vivo nesta manhã. Mas o amanhã é meu mais puro engano. Como brincadeiras de infância. Meu substrato orgânico vai consumando. Sentindo a proximidade da morte. No passo a passo de cada apoptose. Demarcando o futuro de minha própria sorte.

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BRASILEIRO

ANTROPOCENO Mundo que não ausculta a ciência que prega, Tempo presente obtuso de seres complacentes, Religiões a cortar cabeças em uma fé perversa, Valores morais invertidos por comportamentos libertinos, Vidas que seguem ordinárias em qualquer subúrbio, Destruindo habitats em sequioso subterfúgio, Futuro que desvanece em esgoto e mar de lama, Oceanos dispneicos, sufocados como um mar moribundo, Partículas de microplásticos a castigar o seu fundo, Águas que transbordam de chuvas em caminhos entupidos, Pobre ou maldito homem que se afoga em sua própria culpa, Nada que disser nesta hora, terá qualquer lenidade, O solo de suas terras já não sustenta tamanha atrocidade, Que compacta, desflora, esfola e impermeabiliza, Impacto ambiental indecíduo que de profecias se eterniza, Nada aprendemos em nossa jornada pelo Holoceno, Embriagados em nossa arrogância sem qualquer consenso, Sinais alarmantes de um lixo canalha antropocêntrico, Desfigurando o planeta em um prelúdio comensal e marginal, Ditando normas e conceitos de nosso próprio apocalipse.

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José Brites-Neto

PANGEIA Abraçaste em teu colo pueril, A humanidade que um dia pariu. Foste mãe, não foste a bala de um fuzil, Não estabeleceste muros, nem qualquer ardil, Foste única, foste autêntica, foste sutil. Incontinente unificaste a terra, Incorporaste mares em teu labor, Mantiveste todos unidos em teu dispor. Não foste babel, nem diáspora, Nem Sodoma, nem Gomorra, Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, Foste uma alma protetora. Foste cenário para uma sólida união, Sem diferenças, sem discriminação. Ensinaste ao homem sua primeira lição, Que é impossível viver em solidão. Vaticinou tua terra imaculada, Não imaginaste ser vida separada. 76


BRASILEIRO

Sem culpa nesta angústia espraiada, Viu oceanos romper tua morada. Separando mundos em triste cilada, Com seus seres em total debandada. Vivemos agora todos moribundos, Pobres humanos, Almas penadas.

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José Brites-Neto

FORMIGUINHAS SEM AMANHÃ Futuro onde estarás, se não vemos agora onde estás? Seu lampejo de brilho nas escolas tem sido tão fugaz. Nenhuma esperança de aurora nos traz. Maltratadas nas esquinas da vida, Comendo migalhas como famintas formigas, Maltrapilhas em sua dura e cruel miséria, Sem alegrias, contidas numa alma tão séria. Mal ensinadas na escolha de um precoce trabalho, Como cartas avulsas e perdidas em um velho baralho. Nem a sorte, na arrogância deste teatro, Mudará seu destino de fogo-fátuo. Trabalha, pois, o inocente menino, Para poder reverter o prazer aos cassinos. Sem amor são treinados como hordas canalhas, Escravos urbanos de uma infernal senzala. Na rotina entorpecente de brincadeiras armadas, A escolha irreverente entre a cruz e a espada.

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BRASILEIRO

Sem inocência e entregues a uma imundície barata, Na penumbra aculturada de uma língua nefasta. Até quando nossas crianças perdurarão insurgentes? Sem ser cidadãos, sem pensar, sem seus dentes. Doentias e trêmulas em sua febre terçã, Formiguinhas débeis sem amor, atenção e amanhã.

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José Brites-Neto

NOSSOS JOVENS Tenho visto nossos jovens escreverem sobre a morte, Esquecendo que a vida não é um golpe de sorte, Tenho visto nossos jovens se entregarem à lascívia, Esquecendo que a vida não é um fruto da mídia. Tenho visto nossos jovens entregarem seu fôlego, Esquecendo que a vida não é um poço de lodo, Tenho visto nossos jovens destruírem sua razão, Esquecendo que a vida não é só ambição. Tenho visto nossos jovens caminharem em desatino, Esquecendo que a vida tem um Único Caminho, Tenho visto nossos jovens se perderem em ilusão, Esquecendo que na vida existe amor e paixão. Tenho visto nossos jovens abrirem tanta ferida, Esquecendo que na vida há um remédio que as cicatriza, Tenho visto nossos jovens peregrinarem solitários, Esquecendo que na vida o Espírito é gregário. Tenho visto nossos jovens deixando de viver, Esquecendo que após a morte não é a sorte que vai valer, Juventude transviada, não espere acontecer, O Caminho, a Verdade e a Vida, semeiam o seu florescer. 80


BRASILEIRO

ALTRUÍSMO HERÓICO O mundo ficou perdido em seu vazio de respostas, Como podemos conviver com atos de rostos sem mostras, Encurralados como cordeiros em uma matança anteposta? Perdemos nosso alvissareiro redentor de esperanças, Que mesmo na sua morte demonstrou com lisura sua bonança, Em um cenário assombroso de um dia lastimável de inferno, Nem mesmo sua dor momentânea relegou seu espírito paterno. Na escuridão dos escombros irracionalizados por almas desumanas, Sua sôfrega voz coroou com nobreza, seu extremo sentido de misericórdia, Diante de um total desatino de homens perdidos em sua própria discórdia, Apelou pela integridade de mantença de sua inacabada obra, Revestindo de carisma e humildade este seu pleno e último ato de glória. Sabedor que a humanidade trilha por caminhos sem paz latente, Maravilhou olhos frios e relapsos de tantas nações jacentes, Como os que o julgavam um mero charme diplomático aparente, Com exercícios de uma sabedoria indescritível e transparente. Hoje o mundo está mais triste, pois perdeu um guardião do bem viver, Não os truculentos belicistas travestidos de range-ranges de poder, Mas um infante pacifista armado pelo sorriso e pelo saber, Como um anjo verdadeiro, daqueles que Deus nos oferta sem merecer, E que maltratamos sem piedade em nossas sevícias de muito querer. 81


José Brites-Neto

Acordamos manchados pelo sangue demarcador de uma tragédia, Com projeções apocalípticas ocultas em embustes de comédia, Em nome de Deus, em luta pela liberdade, em busca do paraíso? Em defesa da globalização, em honra da democracia, em estranho juízo? Navegando por vinganças, pirateando vidas sem prévio aviso, Exterminando sua própria espécie como um torpe vício. E se não bastasse, ainda assassinamos nossos médicos comportamentais, Que tentam demonstrar com exemplos, no que uma boa alma se compraz, Em repudiar ganâncias expressas em um parlatório sequaz, Que não objetiva reais benefícios, humanitários e sociais. Ficamos sem crédito! Ficamos sem mérito! Ficamos sem voz! Atordoados por tal violência, torpedeados por uma covardia atroz, Restou-nos em poesia, saudar nosso herói e mártir diligente, Sérgio Vieira de Mello, o altruísmo heroico de um brado retumbante.

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BRASILEIRO

ENCONTRO DOS POETAS NO CÉU Parecia um sonho de uma criança entusiasta, Lembro-me que após uma madrugada nefasta, Acordei recostado a uma árvore fruteira, Estava escuro e frio e ao longe avistei uma fogueira. Caminhei alguns passos com uma leveza estranha, Uma forte emoção invadiu minhas entranhas, Chegando ao lugar meus olhos não puderam acreditar, Poetas famosos sentados ao largo, eu pude encontrar. Saudou-me tão logo um alegre Vinicius de Moraes, E a seu lado Drummond convidou-me a sentar, Em verso e prosa, cantava Renato Russo ao luar, E Augusto como um anjo triste, veio me perguntar; Como andava a Medicina, se ainda triste e sem lugar, Antes que pudesse responder, Nelson ousou polemizar, No votar sua dissensão, não permitiu unânime votação, E logo pude lembrar do seu espirituoso jargão. Gonçalves Dias contava horas para o amanhecer, Pois o canto triste das corujas inquietava seu prazer, Com uma saudosa lembrança de palmeiras e sabiás. Pude então entender sua paixão pela terra dos manás. 83


José Brites-Neto

João Cabral com peculiar retitude comentava logo atrás, Quem é este visitante e quão nova nos traz? Guimarães intrigado; não conheço este rapaz, Castro Alves intervindo; se brasileiro é capaz. Rubem Braga sempre sério, perguntou em baixa voz: Você conhece Vó Marina, que cedo chegou até nós? Não pude conter meu sorriso, e uma lágrima rolou após, Conheço bem sua alegria, que a todos deixou a sós. Logo ouço estridente um sotaque patrício, E um toque ao meu ombro com alegre viço, Virando meu corpo deixo-me em total assombro, Fernando Pessoa face a face, eu encontro. Nesta hora uma forte emoção me domina, E me vejo acordar sem querer desta cena, Não sem antes ouvir sua célebre frase que nos ensina, Que tudo na vida vale a pena, quando a alma não é pequena.

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BRASILEIRO

UM ADEUS À POESIA Rachel ainda está dormindo....... Como toda alma nobre passou de sua realidade para a eternidade, como quem caminha pelas nuvens do infinito. Quando ela acordar em algum lugar reservado aos nobres poetas, deixarei a minha singela homenagem aos seus olhos altivos que como poucos sabiam associar doçura, independência e liberdade.

A poesia não é um embaçar constante de letargias, Nem tampouco uma figura exposta por radiografias. Não possui a avidez composta por ironias, Nem perfaz uma maciez recomposta de cizânias. Não cede à sutileza imposta pela tirania, Nem representa sisudez teatral em uma alma ímpia. Rechaça toda empáfia consentida numa arrogância fria. Tem o rebuscar de tons áureos em silentes cinéreos, Flui como o sangue filtrado de puerpérios. Traduz uma nota singela escondida em reverbérios, Decifra o enigma sutil de tantos mistérios.

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José Brites-Neto

Coroa com real plenitude qualquer princípio estéril, Faz-nos sentir felicidade, ofuscada por mundos tão sérios. Como precipitado coito em latente venéreo, Em clímax de gozo revigorante é um real refrigério. Enaltece a crença por verdades, ante mentiras de tédio, Como um paraquedas de esperanças que ampara um sentido néscio. Pois quando tiver que partir de minha existência, Deixarei este adeus à minha poesia.

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BRASILEIRO

LÁGRIMAS As lágrimas não são os subterfúgios de nossa consciência. As lágrimas são o refrigério de nossa diligência. As lágrimas são o semblante demarcado de nossa infância. As lágrimas são o fruto complacente de nossas lembranças. As lágrimas são o torpor de um lastro decaído. As lágrimas são a doce emoção de um dia vivido. As lágrimas são o esboço de um sorriso esculpido. As lágrimas são o reflexo de um cisco ardido. As lágrimas são a angústia de um nexo perdido. As lágrimas são a ansiedade por um momento expedido. As lágrimas são o recompor de um ato desmedido. As lágrimas são o suor de um sufocar reprimido. As lágrimas são a tentação das chagas de um destino. As lágrimas são o agradecer de um coração menino. As lágrimas são salobras dádivas de uma paixão. As lágrimas são doces cobranças de uma emoção. As lágrimas caem perdidamente de nossos rostos. As lágrimas flutuam como aerossóis em nossos sopros. As lágrimas sobem como súplicas aos altares sagrados. As lágrimas corrompem nosso sentir amados. Existem lágrimas e lágrimas. De crocodilianas até ufanas, passando sempre pelas lágrimas humanas. Nossas lágrimas são eternas contemplações. Elas são o fluído transcendente de nossas relações. Verdadeira expressão da onipresença de Deus em nossos corações. 87


José Brites-Neto

A VIDA EM VERBOS Sair, Entrar, Penetrar, Juntar, Dividir, Proliferar, Crescer, Ouvir, Movimentar, Girar, Posicionar, Nascer, Viver, Sentir, Respirar, Chorar, Olhar, Sentir, Aconchegar, Dormir, Sentir, Acordar, Chorar, Amamentar, Aconchegar, Dormir, Crescer, Olhar, Sorrir, Adormecer, Chorar, Amamentar, Crescer, Adormecer, Acordar, Equilibrar, Cair, Chorar, Confortar, Aconchegar, Olhar, Sentir, Alimentar, Crescer, Equilibrar, Andar, Cair, Chorar, Olhar, Aconchegar, Sorrir, Crescer, Aprender, Sorrir, Entender, Sofrer, Adormecer, Acordar, Levantar, Andar, Pular, Saltar, Brincar, Correr, Sorrir, Chorar, Entender, Abraçar, Beijar, Acariciar, Bater, Apanhar, Chorar, Entender, Aprender, Caminhar, Cair, Levantar, Seguir, Aprender, Estudar, Crescer, Discutir, Apanhar, Aprender, Estudar, Continuar, Namorar, Decepcionar, Frustrar, Chorar, Beijar, Apaixonar, Sofrer, Divertir, Entristecer, Crescer, Aprender, Estudar, Formar, Trabalhar, Aprender, 88


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Casar, Filiar, Estudar, Trabalhar, Alegrar, Ensinar, Punir, Afagar, Arrepender, Abraçar, Acalentar, Dividir, Somar, Compartilhar, Receber, Amar, Continuar, Instruir, Admirar, Enaltecer, Orgulhar, Ensinar, Trabalhar, Cair, Levantar, Recuperar, Perder, Sofrer, Chorar, Perder, Sofrer, Chorar, Voltar, Continuar, Amar, Sentir, Chorar, Sentir, Adormecer, Pensar, Refletir, Continuar, Sorrir, Acompanhar, Admirar, Sobejar, Reconhecer, Continuar, Enfraquecer, Continuar, Adoecer, Continuar, Entristecer, Olhar, Ouvir, Continuar, Sentir, Apelar, Cair, Levantar, Abraçar, Chorar, Adormecer, Silenciar, Escurecer, Morrer, Sair, Entrar.

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O VALOR DO SILÊNCIO Ouvir o som do silêncio não é meramente um atributo de velhos chatos e esclerosados, mas uma última chance para indivíduos de nossa espécie ouvir mais do que simplesmente a arrogância de decibéis de nossas próprias vozes. Talvez pelo fato de, em nossa idade anciã, haver uma necessidade ímpar de ouvir mais e falar menos, demonstramos a importância disto com maior ênfase. Desde os remotos sons moleculares do prefácio celular de nossa embriogênese, no universo complacente e misterioso de nosso metabolismo celular, as conversações entre nossas mitocôndrias e nossos ácidos nucleicos, ditaram o marca-passo de nossa existência. Ainda no ventre materno, na constante absoluta de um silêncio pacificado e ritmado por sons padecidos em algum lugar de um imaginável paraíso, começamos a escutar o terrível som da humanidade como ameaças diuturnas à nossa própria sobrevivência. Acordamos então deste maravilhoso sonho, impostados por uma luz inóspita e sendo agredidos com tapas no início desta jornada de desafios e riscos incalculáveis. Deixamos de ouvir este som do acalento de outrora, mas a mesma voz aqui fora, ainda permanece a nos proteger por um tempo, e através dela e unicamente por ela, ainda nos é ensinado ouvir belos sons do que entendemos aos poucos ser a Natureza. Decerto que, logo depois ao longo do caminho, muitos se esquecerão de ouvir os belos sons de uma delas e alguns até ensurdecerão para as duas! Caminhamos mais uns passos e logo nos perdemos no subterfúgio de balbúrdias sonoras que curtimos ao extremo, seviciados por valores estranhos, mas entorpecidos de prazer e êxtases, como o som antagônico do natural e intrinsecamente travestido pelo vil metal. Perdemos literalmente o sentido de uma bela sonata e assumimos a necessidade de agredir nossos estribos e martelos timpânicos com o lixo comensal de hordas sonoras a envenenar nossas almas, associados a supostos remédios de uma alquimia orgânica rival de nossa homeostase, para nutrir os desejos existenciais de uma depressão colonizadora e dominante, em uma sociedade livre, mas decadente e infeliz. Engolimos saborosamente um som de liberdade, imposto por dogmas e ditames de logradores sem fim, em uma contextura explícita e orquestrada por estrondos e maleficentes rumores de poder. Consumimos assim, ao longo de nossa vitalidade, nosso tempo com vicissitudes nem sempre virtuosas e 90


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sendo sobrepujados por um festival de ondas sonoras dissímeis e dissonantes, cifradas ora de forma melodiosa ora de forma desafinada, e sendo forjadas no rigor do diapasão da história. Perdemos o argumento, perdemos o senso, mas não perdemos a oportunidade para termos um novo tempo para ouvir, sim, mesmo que seja em nossa senescência, pois ainda há tempo para ouvirmos o silêncio. Não o silêncio da morte, não o silêncio das falésias ou montanhas, não o Silêncio da Glória, seja lá como você o conceba em sua religião ou mesmo que não tenha uma, mas o silêncio da reflexão, o silêncio natural da existência, aquele que somente os animais sencientes sabem ouvir como seres privilegiados pela Alma de Gaia. Então, Pare e Ouça!

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PAIXÃO AMAZÔNICA “A vastidão do teu verde demonstra o poder, do equilíbrio e da paz, que o homem não quer entender”!

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MATER AMAZÔNIA Verde quinhão deste planeta estância, Esperança fértil de nossa sobrevivência, Teus mutiladores de vida jorram em abundância, Maltratando tua foz por uma maldita ganância. Complacente, aguardas uma definição, Resistindo à violência de tua penetração, Na virgindade de teu seio de equilíbrio e mansidão, Perdoas a ignorância de nossa falta de razão. Quantos genomas perpetuam a tua dignidade? Quantas vidas resistem a nossa perversidade? Como um tesouro aparente de divina eternidade, És o celeiro que demarca a nossa longevidade. Mãe Natureza, de nosso Pai Eterno e Criador, Cuida de teus filhos que só aprendem pela dor, Herança rebelde que não respeita, nem tem amor, Que agoniza em nossos dias, pelo seu próprio terror.

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VITÓRIA RÉGIA Flutuando no espelho de águas límpidas e cristalinas, Com a leveza de uma pluma perdida em alta floresta, Exuberante como o poder sensual de morenas meninas, Exalando um perfume que só seu calor, manifesta. Num emaranhado de cores de predominância verde, Emergente como uma rainha altiva em berço esplêndido, Com sua flor escarlate tão frondosa e atraente, Hipnotizando minha alma como um alvo lânguido. Um esconderijo sombrio de predadores em cena, Na espreita sutil de uma inocência perdida, Com uma beleza latente cujo sorriso acena, O golpe fatal culminante de uma letal investida. No harmonioso domínio do reino da floresta amazônica, Uma simplicidade majestosa de resistência férrea, O amor condizente e fugaz de uma paixão platônica, Como a marca registrada de uma vitória régia.

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ONÇA PINTADA Seguindo um instinto primitivo nesta floresta exuberante, Senti um olhar a me espreitar num ímpeto de predação, Como que estudado por um desejo ávido e distante, Me senti perturbado e movido por uma estranha atração. No adensar verdejante da escuridão à luz do dia, Um cheiro forte atraiu e distraiu minha atenção, Como que num impulso percebi a armadilha, De uma emboscada sutil de amor e paixão. No tremular da folhagem como um vulto que passa, Pressenti a proximidade de um sinal de extermínio, Atordoado e indefeso como a próxima caça, A saciar tua vontade de pleno poder e domínio. De um voo repentino apareces majestosa, Com um brilho no olhar que me imobiliza, Ouço o esturro de prazer de uma fêmea formosa, Como o prelúdio de amor que teu golpe eterniza.

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PALMAS DE MINHA TERRA Buriti doce palmeira, De amargo fruto e doce sabor, O teu vinho me embriaga, Como a morena fazendo amor. Açaí doce escarlate, És mais puro que a erva-mate, Tão forte como um rubro estandarte, Da pobreza és o vigor. Patauá de altiva magia, Frágil semente sem frescor, O teu bálsamo é alegria, O teu tempero é resplendor. Palmas de encanto da minha pátria, Verde e solene magia, que não tem fim, Do solo infértil, cresceis espraiada, Na Amazônia sois bosques, sois jardins.

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CLAMOR DA FLORESTA Como grumos de um ritual cataléptico, Que anuncia uma premeditada sina. De uma ambição capital e espoliante, Que urge como uma ameaça à natureza exuberante. Cujas trilhas e caminhos descansam encobertos, Preservando a riqueza de um lastro néscio. Aqui não tem lugar para teus pastos e emplastros, Homem sequioso e formador de desertos! Não deflores a virgem mata neófita, Ó filho, das trevas e de incesto objetivo. Pois tua mãe reclama a autoridade, De porvir em teu coração, menor maldade. Fazer nascer em ti, mais maturidade, Para que possas entender este manancial de vida. Que renegas como um filho desta pátria parido, Pois deste útero, não foste cuspido.

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Peço que ouças o esturro desta floresta ao teu ouvido, Com a solidez com que a pintada anuncia. Acho que o peixe-boi também se aproxima, Vem reclamar da tua tirania. Tantos sonetos neste cenário que agoniza, Enquanto tua alma pelo poder se privatiza. Sintas o cheiro de cio presente em tuas narinas, De vidas que querem permanecer em liberdade vívida. Permitas o cintilar desta aquarela pulsante, Entremeada nesta predominância verdejante. Por onde passeia brincante uma macacada infante, No estribilho do gorjear de uma passarada cantante. Como podes, homem, ser tão obtuso e renitente, Insensível indiferença a uma paisagem tão envolvente. Não te vendas à cobiça de um povo estrangeiro, Pois não há valia neste vil dinheiro. Sejas menos compassivo e hospitaleiro, Com quem quer te tornar num ardiloso espinheiro. 100


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Não firas a tua própria dignidade, E sejas nesta hora um brasileiro de verdade, Pois só assim poderás viver a minha eternidade. E quão bom que eu fosse tão eterna, Que não lograsse nunca, que ficasse tão deserta. Como um triste Saara, sem vida e sem qualquer fim, Que meu Deus nunca permita que tu, homem, me faças assim!

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LENDAS SEM ESCOLA Uirapuru cantou na mata ardente, Parece querer anunciar que está mais quente. Manati bubuiou para respirar, Conversa miúda com o boto cor de rosa, Tempo bom quando era possível tal prosa, Em que não havia homem a escutar. Pirarucu não salta mais nos remansos de agora, Que saudade da lança cabocla de outrora, Hoje tem rede no igapó a toda hora. Cadê a pintada a esturrar noite afora, Será que estou surdo ou ela foi-se embora? Mapinguari, curupira são lendas sem escola, Videogame, internet são ledices de agora. Cobra grande ficou encruada na memória, O que será deste povo sem as suas tantas histórias? Lamento triste ressecado por uma jequitiranaboia. Nem guariba, nem cuatá murmuram mais neste lugar, O jacaré saltou de banda e levou o matamatá. 102


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Nem piranha habita mais neste lago de fome, Ouço alguém perguntar: “Como era mesmo o seu nome”? Anavilhanas, pantanais, redutos que jazem solenes, Nos resta saber até quando suas almas ficaram perenes, Resistirão até quando a esta raça tão indene? São perguntas mal respondidas na memória reticente, De florestas derrubadas pela ambição de um mal inconsequente.

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ESPERANÇA CABOCLA Jupará galhofeiro menino, Aqui nesta mata está seu destino. Curumi arteiro mergulhando no igapó, Como um bicho-carpinteiro que em todos dá nó. Cunhantã de rebeldia tão preguiçosa, Só aqui neste lugar tem morena tão formosa. Bebem no leito amazônico, o caldo do tacacá, Pois saídos desta margem, não acharão em nenhum lugar. Comendo do açaí com farinha do Uarini, Um precioso tesouro que só conhecerão aqui. Cunhã-poranga despertando sua sensual magia, Só com carapanaúba para dar conta deste dia. Olha a lenda do boto menina! Embriagados pelo vinho do delicioso buriti, Mordiscando sorridentes maris e bacuris. Aqui não tem beberagem, só caldo de caridade, Cura tão enfermeira para qualquer tipo de maldade. 104


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Na seiva amargosa da lenha do amapá, Está a lei da sobrevivência que nunca faltará. Mangarataia limpando a voz do que quer gritar, Curupira tentando ao menos despistar, Mas só Deus Pai poderá nesta hora evitar, Que a minha Amazônia possa um dia se acabar!

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CANTO DO UIRAPURU Canta ó pássaro da esperança, Que o teu estribilho possa fazer ressonância, Nestes corações mutilados por tanta ganância, Renova o porvir vivo e loquaz desta real jactância. Canta ó pássaro da melodiosa paz, Quando ouvimos teu canto nossa alma se compraz, Nos sentimos mais perto de Deus e jamais, Renderemos nossos votos ao teu vil edaz. Canta ó pássaro da eternidade, Teu desejo será sempre a nossa vontade, Como um povo de silvícola nascedouro, Cuja biodiversidade é o nosso maior tesouro. Canta ó pássaro de triste lembrança, Como o marca-passo de uma sonora condolência, Teu aviso sibilante que nas matas condensa, Um alvará de liberdade que tua carne nunca intenta. Canta ó pássaro de incansável fôlego, Como um mártir diapasão de consonantes desafios, És um atalaia que suplanta o medíocre trôpego, Que das nossas florestas saqueou até seus próprios rios. 106


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Canta ó pássaro altivo e sobranceiro, Teu canto pode não ser ouvido o ano inteiro, Mas cada vez que ouvimos este teu gorjeio, Sentimos a verdadeira emoção do que é ser brasileiro.

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NAÇÃO PARDAVASCA Neófita manhã espraiada em céu anil, Chamam-te, Mãe Pátria, de Nação do Pau Brasil. Verdes matas semeiam teu colo, Em pleno fulgor varonil. As ondas de teu mar refletem o viço, De teu costado amorenado. A silhueta de teu corpo, É como uma poesia sublime e insofismável. Tuas planícies, teus planaltos, teu cerrado, São como um mundo perdido no eirado. Grande Povo, Grande Raça, Mãe Gentil, Nação Pardavasca, Meu Querido Brasil.

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ESTRONDO DAS ÁGUAS Como um trovão que já nasce quente, Como uma alma emergente, Como boca que devora, que deságua, Tu és água, tu és água, Açoite complacente com teu rio, Penetrante entrevero de extravio, Violenta placidez de um autocídio, Teu mar já não aguenta disposto frívolo, Vem te abrigar em teu sustento, Pois não pode suportar tanto dissenso, Da natureza que agoniza em teu ciclo, Enquanto o homem vive no seu meretrício, Tem biólogo correndo que nem louco, Na Amazônia todos são meros calouros, Surfista vem posar de equilibrista, Não dá moral para este povo narcisista, Não é só o indígena que te vê da oca, Pela internet, todos assistem agora, Corre matreira e liberta, minha valente pororoca.

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José Brites-Neto

CARTA AO POVO RIO NEGREIRO Em mim derramastes tua seiva de perfume brejeiro, Com a plenitude de teu seio de amor hospitaleiro. Tua empatia é para mim mais que um devaneio, Pois teus braços abertos me acalentaram como herdeiro. Desta tua alegria transbordante o ano inteiro, Sempre fui um eterno e apaixonado companheiro. Teu sorriso constante encantou minha alma, Conquistando minha vida com o silêncio da tua calma. Com o olhar onisciente de uma divina majestade, Fostes tu, a nascente e a foz de minha concupiscente vontade. Meus filhos que hoje estão em ti, verdadeiramente, presentes, São muito mais que nativos legítimos amazonenses. É, pois o meu sangue miscigenado com tua gente, Fazendo-me, renascido em gozo, pelo espírito de um povo refulgente.

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GAIA Teu destempero não é só calor, Clama que eu clame o teu clamor. Faça que eu sofra a tua punição, Não me deixe sem uma dura lição. Judio da tua carne sem piedade, Sufoco teu ar com minha existência, Uso toda minha perversidade, No abuso de tua paciência. Em meu objetivo de verdade, Não há suficiência, Não há sobriedade, Só existe inconsequência. Sou duro, sou mau, sou tirano, No trato da tua essência. Subterfúgios diversos, Sequestram o meu dia a dia. Enveneno teus lagos, rios e mares, Com meus detritos insofreáveis. Tua água me serve, Como caminhos de esgoto. Teu solo transformo, Em tremedal de lodo. Teu verde eu queimo, Transformo em cinzas. 111


José Brites-Neto

Teus seres desfruto, Como meras proteínas. Sou predador de toda tua excelência, Sou ditador de toda maledicência. És para mim o meu quintal, Que eu curto como um comensal. Não enxergo para onde vou, Pois nunca fui e nem sei aonde estou. Não olho para o céu e nem o horizonte, Meu foco não vai mais, Que um palmo de minha fronte. Sou absoluto e contumaz, Em ti minha alma nunca se apraz. Não ouço o estrondo de tua voz, Não percebo que estamos ficando a sóis. Abandonados tão logo estaremos, Mas nunca a ti sequer bendiremos. Teus dias vão ficando mais curtos, Mais quentes, mais surdos. Tuas noites estão ficando mais escuras, Sem brilho, sem lua. E logo chegará a hora, Em que irás embora. Embora de mim, de agora, de tudo. Então não haverá mais quem chora, Então não haverá mais perdão, Então não haverá mais lamento. 112


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Só uma inusitada e desprezível escuridão. O Sol se escondeu de vergonha. A Lua se recolheu em parcimônia. As estrelas deixaram de celebrar. O infinito se pôs em luto inaudito, Pois o planeta morreu. Gaia partiu. Ou pior, nunca existiu. Ou melhor, nunca esteve aqui. Não existe mais vida. Só o existe o homem. E para que?

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José Brites-Neto

PLANETA TERRA, ME DESCULPE! Desculpe meu lixo, meu estrume, Destruo praias, desgraço mares, Contamino rios como de costume, Defloro sem dolo matas ciliares. Olho florestas sem pudor, Trato com desmatamento, Dos solos, sou sequestrador, Saqueio sem qualquer lamento. Assassino inocente e compulsivo, Devoro vidas em carnificina, Consumidor atroz e obsessivo, De preparados em oficina. Animais temem minha presença, Plantas respiram somente à noite, Sucumbem em minha indiferença, Almas censuradas pelo meu açoite.

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Bebo em lúgubre castiçal, Água insalubre por fluoração, Caminho sedento em meu ritual, Amargurado e em total depressão. Minhas desculpas já tão tardias, Não justificam qualquer pesar, Meu mal gerou muitas sangrias, Que é impossível estancar. Pode não haver nesta estância, Sinceridade humana em se desculpar, Mas que venha em unissonância, Antes que o mundo possa acabar!

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EPÍLOGO

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BRASIL, TERRA DE FANTASIAS OU PARAÍSO DE DEUS?

Questionar a diversidade demarcada nessa imensidão continental, que abriga o mistério da miscigenação racial e cultural, natural e divinamente contrária a qualquer princípio de discriminação, é muito mais do que exercer uma intelectual interpretação de filosofias antropológicas ou teorias humanas sociológicas. O Brasil conquistado e mantido sob jugo colonial, ainda não se apossou das bênçãos decorrentes da obediência (Deuteronômio 28), que o Senhor Nosso Deus já dispensou para sua liberdade e independência. “Deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo”, o país ainda não despertou para a condição, ainda miserável, da maioria de seu povo, ludibriado sempre por lábios mentirosos e pela língua enganadora (Salmo 120.2) e pelo poder de estranhos cuja boca profere mentiras, e cuja direita é direita de falsidade (Salmo 144.11). Será este o resultado de um país que insiste em estar mergulhado em uma pobreza hedionda, em contraste a uma vasta riqueza natural, e cuja maior alegria de seu povo, ainda é acreditar que um dia, uma metamorfose verdadeira transformará o país numa potência igualitária de direitos humanos e de valorização integral e irrestrita da vida? O Brasil e seu povo, merecem muito mais que um falso espírito de alegria, fantasiosa e fugaz, proporcionada por engodos coloquiais de “carnavais, bois bumbas, micaretas e outros mais”, onde toda uma nação se entrega a um enredo pérfido, em que famílias são enganadas e corrompidas; e quando até o seu Congresso Nacional, entre tantos recessos, inúteis e oportunistas, para e interrompe discussões, de natureza urgente urgentíssima, sobre reformas sociais para o país. Esse país merece mais respeito, dedicação, amor, sinceridade e fidelidade dos filhos desta terra. 119


José Brites-Neto “Que nossos filhos sejam, na sua mocidade, como plantas viçosas, e nossas filhas, como pedras angulares, lavradas como colunas de palácio; que transbordem os nossos celeiros, atulhados de toda sorte de provisões; que os nossos rebanhos produzam a milhares e a dezenas de milhares, em nossos campos; que as nossas vacas andem pejadas, não lhes haja rotura, nem mau sucesso. Não haja gritos de lamento em nossas praças. Bem-aventurado o povo a quem assim sucede! Sim, Bem-aventurado é o povo cujo Deus é o Senhor”! (Salmo 144.12-15) Esse é o Brasil que o Senhor, Nosso Deus, espera de nós seus filhos, Povo Eleito, Raça Escolhida, Nação Santa, Sacerdócio Real, para que possa ser chamado verdadeiramente de Paraíso de Deus.

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Livro produzido pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores Rio de Janeiro - RJ - Brasil http://www.camarabrasileira.com.br E-mail: cbje@globo.com



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PAIXÃO AMAZÔNICA MATER AMAZÔNIA

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EPÍLOGO BRASIL, TERRA DE FANTASIAS OU PARAÍSO DE DEUS?

2min
pages 120-124

ESTRONDO DAS ÁGUAS

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CANTO DO UIRAPURU

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pages 107-108

LENDAS SEM ESCOLA

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pages 103-104

GAIA

1min
pages 112-114

ESPERANÇA CABOCLA

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pages 105-106

CLAMOR DA FLORESTA

1min
pages 100-102

PALMAS DE MINHA TERRA

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ONÇA PINTADA

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LÁGRIMAS

1min
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VITÓRIA RÉGIA

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ENCONTRO DOS POETAS NO CÉU

1min
pages 84-85

UM ADEUS À POESIA

1min
pages 86-87

ALTRUÍSMO HERÓICO

1min
pages 82-83

NOSSOS JOVENS

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FORMIGUINHAS SEM AMANHÃ

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pages 79-80

ANTROPOCENO

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PORQUE SOU FELIZ

1min
pages 71-72

APOPTOSE

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pages 74-75

INVOLUÇÃO DA ESPÉCIE

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PANGEIA

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pages 77-78

PENSANDO BEM

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PALAVRAS

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SER PAI

1min
pages 67-68

CABELOS PRATEADOS

1min
pages 63-64

SENTIMENTOS CÍCLICOS

1min
pages 61-62

SUPLÍCIO DE TÂNTALO

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OLHOS DE PIEDADE

1min
pages 65-66

ÁGUA ARDENTE

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pages 56-57

UMA NOITE, DOIS CAMINHOS

1min
pages 48-50

ANIMAL BRETÃO

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BUNKER

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BOCETA DE PANDORA

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NÔMADES DE PENSAMENTO

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EU QUERO SER FELIZ

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DESPERTAR

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FILHO DE UMA FRUTA PODRE

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RIO DE CALAMIDADE

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NÃO CHORES POR MIM

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GUERREIROS DA HUMILDADE

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ESMAGADORES

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OVERWHELMING

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REVOLUÇÃO

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ESTROFES ANUNCIADAS

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MORTE DAS VALQUÍRIAS

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SUMO CAVALEIRO DO APOCALIPSE

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AGUILHÕES DA TERRA MATER

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IMPÁVIDO COLOSSO

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ABRIL ESCARLATE

1min
pages 20-22

CORES DA PÁTRIA

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pages 15-16

CONFLITOS DA TERRA

1min
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PRIMAVERAS DE FOGO

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BRASILIDADES BRASILEIRO

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pages 12-13

IMPERADORES DA TIRANIA

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MEU NOME É JOSÉ

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LENDÁRIO GUERREIRO

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