Revue cultive n° 16

Page 158

Lenita Stark,

Grossa/PR/Brasil.

brasileira, mora em Ponta

Minha infância foi negada por uma violência doméstica. Feminicídio. Meu pai assassinou minha mãe quando eu tinha 3 anos, e minha irmã 6 anos. Fomos criadas pelos nossos avós maternos. Eles já tinham bastante idade, eram analfabetos e já haviam criado 15 filhos; desses, poucos sobreviveram devido às moléstias da época, que não foram poucas: febre amarela, gripe espanhola, entre outras. Minha mãe era uma linda mulher, fina, educada e inteligente. Era professora, a única filha dos meus avós que estudou. Ela era muito querida por seus alunos, amigos e conhecidos. Eu não fiquei com lembranças dela, pois eu era muito criança. A minha irmã, como tinha mais idade, descrevia para mim como era nossa mãe e, desse modo, construí a memória não gravada, mapeei um território vivido, embora esquecido. Depois da trágica tarde em que nossa mãe partiu, começou nossa “outra vida”: de muita ausência, dores e falta de afeto! As carências afetivas eram tantas que qualquer brincadeira que nos fizesse sorrir era uma felicidade imensa - invadia nossa alma fragilizada. Minha avó era muito amorosa e atenciosa conosco, porém, nosso avô era enérgico com a nossa educação, tratava-nos conforme os costumes que educara seus filhos. A época era outra, outra geração, mas ele não acompanhou a evolução do tempo. Autoritário e severo - assim, ele transmitia os ensinamentos para uma boa conduta, a metodologia funcionava através do medo e 158

Revue Cultive - Genève

da intimidação. Por qualquer indisciplina nossa, apanhávamos muito. Os castigos eram frequentes. No período fora da escola, nossa alegria era as brincadeiras de roda com as amigas da vizinhança, sempre no quintal da casa. Nosso avô não nos deixava sair para longe. Nossas cantigas de roda eram cantos de esperança. Passeios eram só com nossos avós. A igreja era uma atividade quase diária - terços, catequeses e missas aos domingos. O padre era autoridade máxima da família. Vivemos uma infância de total incomunicabilidade - nada podíamos ler. Não tínhamos livros, apenas gibis e fotonovelas que emprestávamos das amiguinhas, sempre às escondidas. E quando meu avô encontrava, rasgava e jogava fora, dizia que eram coisas do demônio - ele não sabia ler e aquelas figuras que via eram muito estranhas: Zorro, Mandrake, Irmãos Metralhas e outras figuras de histórias em quadrinhos da época. E as fotonovelas tinham fotos de cenas de beijos… aquilo era obsceno, para ele era pornografia da época. Nossas leituras eram apenas os livros didáticos, a bíblia, o catecismo e as cartas recebidas dos parentes distantes. Naquela época, o conceito de livro didático era outro, não havia dinâmica nas leituras. Apenas a cartilha era ilustrada. Não tínhamos televisão, nenhuma fonte informativa: escrita, falada ou figurada. Havia um Rádio Semp na nossa casa, porém, não tínhamos permissão para ligar, pois poderíamos “rebentar” a correia do “aparelho”- dizia meu avô. Assim nós crescemos, num “mundo quintal’. Nossa


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