História da Filosofia V3 Giovanni Reale

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Por um lado, Galileu teoriza a demarcaqiio entre proposiqdes cientificas e proposiqdes de fC, reclamando a autonomia dos conhecimentos cientificos, que siio comprovados e avaliados por meio da aparelhagem constituida pelas regras do mitodo experimental ("sensatas experiincias" e "demonstraq6es certas"). Mas, por outro lado, essa autonomia das ciincias em relaqiio as Sagradas Escrituras encontra sua justificaqiio no principio (que, em sua carta a senhora Cristina de Lorena, em 1615, Galileu diz ter ouvido do cardeal BarBnio) de que "a intenqiio do Espirito Santo i a de nos ensinar como se vai ao cCu e niio como uai o cCu". Apoiando-se em s a n t o Agostinho ( I n Genesim ad litteram, lib. 11, c. 9), Galileu afirma que "niio somente os autores das Sagradas Escrituras niio pretenderam nos ensinar a constituiqiio e os movimentos dos cCus e das estrelas, com suas figuras, grandezas e disthcias, mas tambim, estudando-se bem, embora todas essas coisas fossem conhecidissimas deles, vi-se que eles se abstiveram disso". Diz Galileu que Deus nos deu sentidos, discurso e intelecto: C por meio deles que podemos chegar aquelas "conclusdes naturais" que podem ser obtidas "pelas sensatas experiCncias ou pelas necessarias demonstraqdes". A Escritura niio 6 u m tratado de astronomia, tanto que, "se os escritores sagrados houvessem pensado em persuadir o povo das disposiqdes e dos movimentos dos corpos celestes e se, conseqiientemente, nos devZssemos ainda ter essa informaqiio das Sagradas Escrituras, entiio, a meu ver, eles niio teriam tratado tiio pouco do assunto, quase nada em comparaqiio com as infinitas e admiraveis conclusdes contidas e demonstradas em tal ciincia". Com efeito, nas Escrituras niio encontramos nem mesmo nomeados os planetas, exceto o sol e a h a , e somente uma ou duas vezes, sob o nome de Lucifer, o planeta VCnus".

Em suma: niio i intenqiio da Sagrada Escritura "nos ensinar se o ciu se move ou esta firme, nem se sua figura C em forma de esfera, de disco ou estendida num plano, nem se a terra esta contida em seu centro ou de um lado". Por isso, "tambim niio tera tido nem mesmo a intenqiio de nos tornar certos de outras conclusdes do mesmo ginero, relacionadas com as que agora referimos, sem cuja determinaqiio niio se pode asseverar esta ou aquela posiqiio, como seja a determinaqiio do movimento ou da quietude da terra e do sol".

Conseqiientemente, niio sendo funqiio da Escritura determinar "a constituiqiio e os movimentos dos cCus e das estrelas", Galileu chega a afirmar: "Parece-me que, nas d i s ~ u t a ssobre problemas naturais, niio se deveria comeqar pela autoridade de passagens das Escrituras, mas sim pelas sensatas experiincias e pelas demonstraqdes necessarias: pois, procedendo do verbo divino a Escritura sagrada e igualmente a natureza, aquela como ditada pelo Espirito Santo e esta como observantissima executora das ordens de Deus; e mais, convindo as Escrituras, para acomodar-se a o entendimento universal, dizer muitas coisas diversas da verdade absoluta, em aspecto e quanto ao cru sipificado das palavras; mas, ao contrario, sendo a natureza inexoravel e imutivel e nunca niio-transcendente aos termos das leis que Ihe 60impostas, como a de que suas rec6nditas razdes e modos de operar estiio ou niio expostos capacidade dos homens; parece entiio que a quest30 dos efeitos naturais que a sensata expericncia nos coloca diante dos olhos ou as demonstraqdes necessarias concluem, niio deva ser, por nenhuma raziio, posta em duvida, menos ainda condenada, por passagens da Escritura que apresentassem aparincia diversa nas palavras, pois nem toda palavra da Escritura esta ligada a obrigaqdes tiio severas


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