LUCIENE CARLA CORRÊA FRANCELINO - Cachoeiro De Itapemirim, ES Professora O MEU TEMPO SÃO OS OUTROS Meu filho de 11 anos me pediu um relógio de presente no início do ano. Achei aquele pedido tão engraçado, uma criança querendo um relógio. Mas antes mesmo que eu argumentasse algo ele se justificou: “preciso do relógio porque o meu tempo, são os outros”. Fiquei por alguns instantes matutando sobre aquela frase e não encontrando explicação lógica fui obrigada a perguntar: “como assim? ” E o guri abriu aquele sorriso esperto que só ele tem e respondeu que se guia observando as pessoas que passam: “Primeiro passa a mãe do Alan, sempre cumprimentando todo mundo, aí eu sei que são mais ou menos sete e quinze. Depois é a vez da menina que tem uma motocicleta vermelha, que é da igreja do meu primo, ela passa após uns quinze minutos. E quando está quase na hora do meu técnico passar, recolhendo a gente para o treino, chega um homem deficiente que tem um sorriso bom, ele vem todos os dias de carro e fica na porta da padaria conversando, então eu sei que já está na hora, são oito horas em ponto”. Nos dias em que extraordinariamente esse menino se atrasa para o treino, o que quase nunca acontece. Isso porque tudo fica milimetricamente arrumado dois dias antes numa mochila em cima do sofá. Mas quando acontece, ele percebe que a mãe do Alan já passou, não vê nem a fumacinha da motocicleta vermelha e o moço que conversa na porta da padaria já está se despedindo do pessoal. Quando ele me pediu o relógio achei um pedido tão simples, afinal há tantos modelos em oferta a preços módicos no mercado informal. Mas depois entendi que esse presente podia custar um preço muito alto. Afinal, ele deixaria de enxergar muita coisa ao redor para se guiar por ponteiros ou números, sem alegria, sem emoção e sem vida. Numa sociedade em que tudo rouba o nosso tempo, em que não responder imediatamente a uma mensagem no WhatsApp pode significar que o romance está esfriando ou que seu amigo não é tão amigo assim.... Alguém te dizer que o seu tempo é guiado observando pessoas, olhares e o modo como elas se relacionam com o mundo ao redor, pode ser raro. Esse é o lado poético da vida e não quero que esse menino esperto perca isso tão cedo. Por isso decidi que vou esperar ele pedir de novo, vou deixar que observe mais coisas nesse ano que se inicia. Talvez descubra flores pelo caminho, alguém que precisa de ajuda ou resolva conversar um pouco com o homem que fica na porta da padaria. A vida passa tão depressa que as vezes nem percebemos quanta poesia está ao nosso redor.
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