CIRO LEANDRO COSTA DA FONSÊCA - Luís Gomes, RN Doutor em Letras, pesquisador das Literaturas Brasileira e Afro-brasileira, Poeta e escritor de literatura infanto-juvenil. O NASCIMENTO DE UMA NARRADORA NO VEIO DA VOZ-MEMÓRIA Na ciranda de pedra, a metáfora da vida e da vida que podemos criar. Vida que ganha relevo no poder do verbo falado e escrito. Vida que se constrói em ciclo, como uma ciranda, uma brincadeira de criança ao som de uma cantiga de roda que ritualiza a infância, acalanta a iniciação da vida, que muitas vezes já se inicia fechada. Porém, o florescer da escritora Lygia Fagundes Telles não se fechou numa ciranda, não se petrificou como os anões, muito menos se tornou imóvel como pedra. Sua inspiração para que viesse a se tornar a célebre escritora, a narradora dos problemas existenciais que marcou a segunda metade do século XX da Literatura Brasileira brotou no chão da infância, no berço narrativo da contação de histórias, quando seus ouvidos se aguçaram para ter o primeiro contato com a literatura. Os cálculos do futuro feitos por sua mãe não previram que a pequena Lygia marcaria época, que como o seu pai que não parava em casa, sua literatura correria não só o Brasil, mas o mundo. Suas malas de viagem se tornaram a bagagem de uma vida que começou a ser arrumada quando era pequena. Na infância, as presenças em casa da mãe, do pai, da tia e da sua pajem não lhe antecipariam a solidão humana tão presente em sua obra como representativa dos conflitos humanos. Mas, a sensibilidade e a curiosidade surgiram nesse momento em que a narrativa se funde com a sua história de vida. Sua mãe, ao fazer os cálculos do futuro, vivenciava um tipo peculiar de solidão, o que despertou na menina o interesse por esse tema tão humano. A menina Lygia foi embalada pela voz memória da sua pajem, Maricota, como outros escritores brasileiros e universais, o menino de engenho Zé Lins de Rego e sua velha Totonha, como o avô que transmitiu sua sabedoria ao menino Saramago. A narrativa de Maricota embalou a criança em que desabrocharia uma narradora, como escreveu Lygia na obra Invenção e Memória em seu conto “Que se chama solidão” ao narrar todo o convívio inicial com a literatura. A menina Lygia, presente na narradora do conto, começou a escrever mesmo antes de saber escrever. Sua escritura germinou pelo veio sedutor do conto oral. Sua inspiração floresceu à medida que a menina crescia embalada e acalentada pela voz de sua pajem. Ao mesmo tempo em que penteava a menina, Maricota lhe iniciava no universo da literatura até que chegassem os tempos de escola. O cotidiano da criança se revestia de encanto e a sua primeira escola narrativa foi casa da infância, chão da memória, como descreve no livro já citado. A escravidão era um tema silenciado por Maricota que era preta e magra com os cabelos repartidos em trancinhas com fitas amarradas nas pontas de cada uma, traço parecido com o que era característico das suas ancestrais, os cabelos divididos em duas metades para suportar potes e trouxas de roupas levadas na cabeça. Devido a esse passado duro, a pajem quando se irritava com 76