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GENTE DE GUERRA, FRONTEIRA E SERTÃO: Índios e Soldados na Capitania do Pará (Primeira Metade do Século XVIII)
interpretações dessa mobilidade. Seja pela fuga, conflitos, ataques ou alianças desenharam suas próprias redes de mobilidade, que conformaram, em grande medida, as relações no sertão. Por outro lado, essas não foram apenas as únicas vias pelas quais a Coroa portuguesa operacionalizou suas tropas militares. O que verificamos até aqui foi a relação com o sertão, o que representa apenas um aspecto da sistemática mobilização de gente para integrar a defesa da capitania. Conforme destacamos no início deste capítulo, o problema defensivo foi articulado pela Coroa como uma “solução” em muitas partes da conquista. Por essa razão, devemos compreender também a presença de outras redes que confluem para a composição de tropas na Amazônia colonial.535
2. Redes de mobilização de soldados para defesa do Pará Para os não índios, a ação do recrutamento estava pautada nas prerrogativas dos regimentos militares. Para a primeira metade do século XVIII, os principais documentos que norteiam a ação são os regimentos dos governadores, o regimento de fronteiras de 1645. Para a segunda metade desse século, está norteado pelas disposições presentes no Alvará de 1764. Todavia, as exíguas tropas militares com que contavam os governadores na conquista tornaram o recrutamento uma ação indiscriminada, em muitos casos determinada mais pelas necessidades locais de defesa do que pela adequação a normativas legais. Um dos primeiros canais de entrada de militares nas conquistas constituía-se das levas de soldados que do reino eram destacados a acompanhar os governadores. Eram, em geral, números muito reduzidos e insignificantes se comparados aos desafios exigidos pela colonização. Em 1729, Alexandre de Sousa Freire reclamava que dos 200 soldados que havia mais de onze anos o rei concedia para servir no Estado do Maranhão, só haviam vindo 60 que ele trouxera em sua companhia. Dos quais já havia “fugido a maior parte”.536 Durante toda primeira metade do século XVIII, nunca foi destacado para o Estado uma companhia regular completa que, pelo regimento, constituía-se 535 A coleta de fonte tem apontado para uma possível diferença entre espaços do sertão do Pará e Maranhão vinculados à gerência missionária. Talvez em espaço onde a interferência missionária é menor, a negociação direta com os grupos indígenas seja mais significativa. Todavia, ainda é cedo para conformar essas diferenças. Para compreender melhor essas questões, é necessário novo investimento de pesquisa.
536 Carta do governador Alexandre de Sousa Freire para o rei. Belém, 3 de outubro de 1729. AHU, Avulsos Pará, caixa 11, doc. 1043.