M A RC OS C OSTA F IL HO (ORG.)
UM ENCONTRO NO DESENCONTRO DO TEMPO Minha irmã e eu folheávamos aquele antigo álbum de fotografias, já com as páginas amareladas e danificadas. No entanto, as fotografias estavam em bom estado e nítidas em seus delicados matizes do branco ao negro. Havia registros de aniversários, casamentos, almoços. E havia fotografias também do cotidiano, de pessoas em jardins e pátios, de jovens namorados com olhares discretos e tímidos, mas que denunciavam seus sentimentos, e de crianças brincando ou, simplesmente, graciosamente posando. Em uma destas fotografias havia quatro meninas, em poses típicas de crianças de algumas décadas atrás, com vestidos impecáveis e graciosos. Elas estavam em um pátio delimitado por paredes laterais em madeira e por um muro ao fundo coberto por vegetação. Era possível observar também um pequeno jardim, próximo ao muro, contendo rosas e flores. Destacava-se no interior do pátio um solitário pé de romã, ao lado do qual elas estavam posando. Elas miravam a câmera com expressões contidas e sorrisos tênues. Mostravam-se muitíssimo “comportadas”, termo este próprio da época. Uma daquelas meninas nós reconhecemos de imediato, pois ela era inconfundível. Seus olhos levemente “puxados”, sua pele morena e seus cabelos escuros, que se estendiam até os ombros, salientavam traços conhecidos. Seu vestido parecia ser creme e tinha algumas rendas adornando as mangas. Ela vestia pequenas meias e seus sapatos eram afivelados. Um delicado cinto emoldurava sua cintura. Seu sorriso estava um pouco mais contido que os das outras meninas, mas seu olhar era vívido, curioso, expressivo. Minha irmã e eu conversávamos e nos deleitávamos com aquela foto em especial. Era lindo ver aquela menina em sua tenra idade, provavelmente entre dez e doze anos. Foi-nos uma grata surpresa termos encontrado aquela fotografia. No entanto, em um movimento que nos surpreendeu, ela começou a mover-se em direção à câmera e, incrivelmente, surgiu diante de nós. E toda aquela ambiência, que imaginávamos estar vibrando no pátio, a acompanhou e inundou a nossa sala. Passamos a sentir as fragrâncias daquelas rosas e flores e ouvíamos pássaros cantando. Uma brisa de verão começou a fluir acariciando os nossos corações, ainda que estivéssemos no final do outono. 170