O ANVERSO VISÍVEL NO AVESSO ABSTRATO E POÉTICO DE RAFAEL OLIVEIRA FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Ilustração: capa do livro de Rafael Oliveira, 'O Avesso abstrato das coisas', ora comentado.
Um dos bons livros que li no clamor destes dias difíceis, foi ‘O Avesso abstrato das coisas’, do jovem poeta e brilhante médico Rafael Oliveira. Insaturável por pensar ter perdido algo de seu, no veio do poema, o que não é infrequente que o ache, vez que essa coisa é trazida dentro de si, em paráfrase ao que diz o notável mexicano Octávio Paz, prêmio Nobel de literatura de 1990, Rafael Oliveira, no domínio crescente dessa síntese, neste ‘O Avesso abstrato das coisas’, formata o livro como se fora um código de doenças, onde cada uma das enfermidades descritas, é diagnosticada com perfeição fisiológica, análoga à sua correspondente na simbologia poética. Vou ao encontro do poeta Rafael Oliveira em sua oficina de verbos, ou em seu consultório-ambulatorial, e encontro também o doutor Rafael Oliveira, que numa mais que necessária e providencial ‘Anamnese’, fazme entender, como se num canto de um mais-que-perfeito, o que talvez alguém lh’o dissera há pouco, ou eu mesmo, nem sei: “vivia como um adjetivo velho / morava ao lado de uns parênteses / guardava sempre umas reticências no bolso / delirava comum interjeição na madrugada/ queixava de dores em todas as partes/ esperava partir no barco da lua sem solidão.” E atônito, e atarantado diante daquelas palavras sintomáticas, mas saudáveis, não aguentei o ímpeto e lhe disse que um dos problemas de minha consulta era o meu peso, e precisava de ‘exercício poético’, apesar de minha alma ser leve na magia de suas sombras, e extensa como nos poema de Fernando Pessoa, para o poeta Rafael aconselhar-me: “ estica a ponta do dedo até tocar/ a menina que apanhava horizontes perdidos nos olhos.” E continuamos a consulta: O que faço para a ‘esteatose’, vez que tu sabes que não fico sem o vinho, porque sem o vinho serei órfão de minhas verdades e até de minhas vergonhas, como diria a nossa querida Cora Coralina; o poeta Rafael coçou a cabeça e como um bom abstêmio me disse: ”mal me quer a vida/ bem me quer a vodka /viver sem rumo leva a nada.” [Só que o poeta errou no gênero da bebida]. O ilustre professor de literatura, José Neres, meu ilustre confrade na Academia Maranhense de Letras, diz ao poeta Rafael Oliveira, nas orelhas deste ‘Avesso abstrato das coisas’ que “[...] é impossível não se emocionar com a leveza com que você trabalha os sintomas de males como o Parkinson e o Alzheimer. Cada uma de suas escolhas lexicais foram feitas sob medida para ensinar, emocionar e despertar em cada leitor uma incômoda sensação de estar sentindo na pele os diversos problemas aos quais estão expostos pelo simples motivo de estarmos vivos.” E só para lembrar o que José Neres afirma, ouçamos o poeta a diagnosticar em versos, esses achaques neurológicos. O Parkinson: “a palavra treme no papel / piora noutro verso/ ilegível poema”. E o Alzheimer: “esquecer a virgula depois da manhã/ a tarde perde o sentido/ o pôr do sol não cabe na memória.” Lá pelas páginas tantas peço-lhe conselhos pra estabilizar a ‘pressão alta’, já que vivo a brincar de ‘preto fugido’ com ela, e Rafael, o médico, responde pelo Rafael, o poeta: “ver o pôr do sol numa tarde qualquer/ evitar nuvens insubordinadas dentro dos olhos/ tomar uma cápsula de lua ao dormir.”