LiteraLivre Vl. 5 - nº 29 – Set./Out. de 2021
Kleber Lima Fortaleza/CE
As primeiras dores Estou batendo minha cabeça contra a parede. O sangue já deve ter tomado boa parte do rosto, descido pelos ombros e arruinado toda a estampa da camisa. Adquiri este hábito horrível. Acontece que todas as vezes que o faço, é justamente isso que busco: abrir minha cabeça, deixar que algo lá dentro escape, se derrame. Na maioria das vezes, é claro, a cabeça bate forte demais. As escoriações à mostra logo denunciam alguma involuntária desatenção, pois ninguém acreditaria que você chocou deliberadamente a cabeça tentando, com algum desespero, esquecer algo, apagar um pensamento, uma imagem. Afinal, e isso é bemsabido, às vezes não se quer pensar em muita coisa, procura-se a chamada leveza, mas como entupido os habituais corredores de onde surgem essas imagens, você não pode escoá-las. Todas ficam retidas. O pior não é isso. O pior é que elas atraem associações irracionais e perigosas. Cruzam-se, criam pontes entre si, à revelia mesmo da minha sanidade, e fazem-me pisar em paisagens rarefeitas, de figuras inumanas, onde tudo se desfigura e onde os seres se comunicam através de peripécias silenciosas. Fico com esse trânsito na cabeça, congestionado. Minha mãe é a que mais se preocupa, naturalmente. Minha sorte é que a porta do quarto tem chave, assim me tranco e permaneço o tempo que for preciso, lançando sorte de toda minha habilidade de me camuflar quando tenho que ir até outro cômodo da casa, até o inchaço diminuir ou desaparecer. Acontece que já não suporto mais isto. Desta vez bati forte a cabeça, forte demais. Imediatamente fiquei tonto. Tudo ao redor se tornou uma grande vertigem. Contudo, enfim, sinto um alívio. Sabe aquele momento em que você sente as ideias fluírem? Que lucidez há neste fechar de olhos!
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