LiteraLivre Vl. 5 - nº 29 – Set./Out. de 2021
Maria Clara Lima Recife/PE
A linha forte Num tempo não muito longínquo,
extremidade a outra do buraco. A
uma menina costureira descobriu uma
fome sumiu no instante em que ela
linha mágica. O carretel estava perdido
amarrou o nó. Ficou tão contente
no ateliê, no fundo de uma caixa de
com o resultado que foi alardear a
papelão abarrotada de lã e cashmere.
notícia para a tia, adormecida numa
Ela usou a linha para terminar o ponto
cadeira
cruzado
vizinho.
no
exigente.
suéter
Quando
de
um
tentou
freguês
refazer
de
balanço, Mas
no a
quarto mulher
a
cinquentenária gritou furiosa por ter
terceira volta, na intenção de que o
sido incomodada no meio de um
remate saísse perfeito, não conseguiu
sonho e expulsou a criança: menina
afrouxar a costura. A linha tinha se
feia,
agarrado na blusa com tanto ímpeto que
daqui, chispa. A garota retrocedeu,
a única maneira de arrancá-la dali era
cuidando
rasgando ao redor, cavando um buraco
barulho enquanto fechava a porta.
menina para
no tecido. Intrigada, a garota cortou
Como
outro bocado do fio e improvisou um
revolucionário,
alinhavo
costurar
no
primeiro
pano
que
mentirosa, fazer
um o
o
chispa mínimo
pensamento
veio
a
afeto:
o
ideia
de
devaneio
encontrou. De novo experimentou folgar
despretensioso — e se ela não fosse
a costura; de novo os pontos não
tão sozinha? — logo virou uma
desataram. O que a linha cerzia não
obsessão incontornável. A menina
tinha no mundo quem soltasse.
beijou a boneca de pano, a única
Ouvindo o grunhido que há uma
lembrança que a mãe tinha lhe
semana lhe escapava do estômago, a
deixado, e decidiu que, no peito
menina decidiu costurar a saciedade.
esquerdo do brinquedo, pregaria o
Levou
amor. Segurou a agulha com ternura
a
agulha
até
o
umbigo
e
atravessou um ponto invisível de uma
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