LiteraLivre Vl. 5 - nº 29 – Set./Out. de 2021
Reinaldo da Silva Fernandes Brumadinho/MG
Caixa de chocolates A ocasião era perfeita. Vinte e quatro de dezembro, economia pungente, o “american way of life” impregnado nas veias, loja grande, shopping grande, cidade grande. Escolheu as Americanas do BH Shopping. Não que tivesse preferência por ianques – que, a bem da verdade, nem sabia o que ou quem eram – mas porque ali estavam alguns de seus sonhos de consumo: um tênis da Nike, ipod da Apple e uma caixa de chocolates da Garoto. Sabia também que teria que segurar seu ímpeto: ou ficava com a Nike, ou ficava com a Apple ou ficava com a Garoto. Com os três não ia ter jeito. Saiu do Morro do Papagaio, rumou para a Nossa Senhora do Carmo, tomou o 8106, subiu em direção à BR 356. A tarde de sábado anunciava o confronto entre o camarão grelhado e o arroz com ovo; os apartamentos de três milhões do Belvedere e o barraco do beco 2; o exagero e a privação. Foi sozinho, para não levantar suspeitas. Como se fosse possível que um menino com pele da cor da sua não levantasse suspeitas. Ao passar pela entrada principal, olhou o crachá do segurança, cumprimentando: “Boa tarde, senhor Geraldo!”
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“Boa tarde, menino!”, respondeu o segurança entre surpreso e feliz. Não tinha posses mas era bom conhecedor da alma humana e aprendera a manejar bem as palavras. Uma trombadinha aqui, uma ali, foi enveredando pela loja. Seu destino: a seção de guloseimas. Decidira pelo chocolate. O ipod e o tênis ficariam para uma próxima oportunidade. ― Por favor, onde fica a seção de doces?, simpático para uma promotora de vendas. ― No fundo da loja, retribuiu da mesma forma. ― Muito obrigado, sorriu. Ali também a confusão reinava e a disputa pelas últimas caixas era acirrada. “Licença, por favor”, aqui; “Com licença”, ali, foi ganhando terreno. E garantiu a sua. Passou ao largo das intermináveis filas dos caixas e riu. Riso gostoso de malandro. Seguiu para a saída naturalmente, feito cidadão que cumpriu seu dever. Talvez não soubesse porque sua testa franziu levemente quando ouviu o: ― Biiiii! Biiiii! Biiiii!