LiteraLivre Vl. 5 - nº 29 – Set./Out. de 2021
Aline Ferreira do Carmo Mogi das Cruzes/SP
Mizu Tudo começou despretensiosamente. Na época Karen e Wagner eram recémcasados A garota ainda possuía um sorriso ingênuo e o rapaz aquele andar de menino que cresceu demais. Ambos eram empregados secundários da VisualTec, empresa que produzia animações holográficas realistas modificando partes do corpo. Essa técnica foi pioneira na forma de se mudar o corpo, não o mudando em nada. Isso eliminou rapidamente a demanda por cirurgias plásticas, agora consideradas intervenções de alto risco e desnecessárias. Com os aparelhos da VisualTec uma pessoa era capaz de demonstrar aos outros variadas formas corporais todos os dias, facilitando a adaptação aos padrões de beleza modificados quase semanalmente pelas redes sociais. Desta forma reproduzindo um filtro para fotos popular no momento, Karen e Wagner andavam pelo shopping parecendo porquinhos azuis. Já formavam um casal há 2 anos e eram poligâmicos, algo completamente fora de moda. Mas isso é o que os havia aproximado, a paixão pelo passado. Isso nunca interferia na forma como se comportavam socialmente, mas era um sentimento com morada num endereço fixo, com número de apartamento e conta de luz. Dentro de casa os dois se permitiam as fantasias mais obscuras, como um beijo na mão e votos de fidelidade. Em sua caminhada observavam uma série de produtos chamativos: inteligências artificiais, chips de projeção cibernética e pacotes de viagem para a Lua. Tudo com uma cara de falsa novidade, de iguaria reciclada. Mas a surpresa apareceu justamente numa loja de usados. Mizu se encontrava deitado num canto, com os olhos fechados, dormindo o sono mais profundo. Sua etiqueta descrevia uma vida num museu: Robô de companhia. Prepara comida do zero. Limpa a casa. Interage de forma afetiva. Promoção.
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