MAGO MARGINAL
A MALDICÇÃO DO MAGO MARGINAL
São Paulo
Casa de Ferreiro
A Maldicção do mago marginal
© Glauco Mattoso, 2023
Revisão
Lucio Medeiros
Projeto gráfico
Lucio Medeiros
Capa
Concepção: Glauco Mattoso
Execução: Lucio Medeiros
FICHA CATALOGRÁFICA
Mattoso, Glauco
A MALDICÇÃO DO MAGO MARGINAL/Glauco Mattoso
São Paulo: Casa de Ferreiro, 2023
224p., 21 x 21cm
1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.
CDD: B896.1 - Poesia
NOTA INTRODUCTORIA
Aos que me chamam de poeta “marginal”, “maldicto” ou “postmoderno”, respondo que prefiro o rotulo de “postmaldicto”. Mas à fama de br uxo calo e consinto. Nada commento, tampouco, quando me attribuem predicados demoniacos. Appenas admitto influencias kardecistas e exsistencialistas, implicitas na “missão” do cego sadomasochista, fetichista, sonnettista, desilluminista e deshumanista.
Neste livro se synthetizam os ingredientes que alimentam a lenda duma persona litteraria, ou “eu lyrico”. Originalmente publicada em 2007 pelo sello Demonio Negro de Vanderley Mendonça, em tiragem de bibliophilo, a collectanea foi posteriormente ampliada para postagem na nuvem e, nesta versão, accrescida de dissonnettos ineditos. Todo o contehudo, por signal, é composto de dissonnettos, reestrophação do sonnetto em quattro quartettos, com ou sem entrelinhas.
Thematicas sobrenaturaes e satanistas não haveriam de faltar numa selecção attinente à saga do cego estigmatizado, alem ou aquem. O accrescimo de dissonnettos mais recentes preserva essa optica do “bardo bastardo” e do “deficiente clarividente”. Outros livros exploram themas affins, como RHYMAS DE HORROR, INSPIRITISMO e TESTAMENTO SATANISTA.
OBJECTIVO ADJECTIVO [4131]
Chamaram-me de tanta coisa, até maldicto e marginal, que “postmaldicto” não basta a um postmoderno e ja nem cito tal rotulo, sinão me falta um “pré”. Sou meio “barrockista” porque fé professo no barroco e noutro mytho, o contracultural. Jamais ommitto que sou “pornosiano” e affeito ao pé. Mas “desilluminista” tambem não explica esta cegueira, como nem por ser “deshumanista” encarno o Cão. Talvez “zen-desbuddhista” sirva bem. De rotulos jamais será questão. “Anarchomasochista” bem tambem me serve... Outros, por certo, servirão, si escuta a mente cega a voz do Alem.
QUEM DIABO É DEUS? [0003]
é deus antimateria? não. tambem não é deus antichristo. não é chaos nem kosmo. é deus magnifico entre os maus? magnetico entre os bellos? deus é quem? do povo a voz? do papa a paz? alguem tem delle nojo ou odio? quaes os graus possiveis que mensuram alguns paus divinos e alguns cus terrenos? hem? podia ser deus tudo, ser podia sapão no seu brejinho ou ser sapinho, perdido pelo meio do caminho, alli no seu brejão, por um só dia. quizesse, e deus seria. mas, mesquinho, birrento (omnipresente, essa mania), prefere nem siquer ser quem me enfia na cara o pé, na bocca o pau: neguinho.
DISSONNETTO MAGICO [0090]
Os bruxos, como eu, soffrem, e bastante, pois o onus do esoterico é um estigma, assim como o poeta é preso à rhyma e o peregrino tem destino errante. Compendios pegam pó na minha estante. Papyros emboloram logo accyma. Caminhos, de Sodoma a Hiroshima, esperam pelo pé do caminhante. Mas ja não posso ver tanto mysterio. Meus olhos se appagaram duma vez, punidos pela sadica torquez. O mago agora é cego, triste e serio. Um unico lazer será, talvez, abrir a cella deste monasterio ao mundo futil, torpe e deleterio para lamber o pé de um de vocês.
DISSONNETTO HYGIENICO [0143]
Si, anal, um orificio é um olho cego, que pisca e vae fazendo vista grossa a tudo que entra e sae, que entalla ou roça, trez vezes cego sou. Que cruz carrego! Porem não pela mão me prende o prego, mas pela lingua suja, que hoje coça o cu dos outros, feito um limpa-fossa, e as pregas, como esponja escrota, exfrego. O “beijo negro” é um ultimo degrau desta degradação em que mergulho, maior humilhação que chupar pau. Vestigios com a lingua alli vasculho, em busca dalgo analogo ao cacau. Subjeito-me com nausea, com engulho, ao paladar fecal e ao cheiro mau e, juncto com a merda, engulo o orgulho.
DISSONNETTO DEMONOLOGICO [0175]
Alguem tem dom de pôr o crente em panico. É o Anjo Mau; é o Bode; é o Belzebuth; É o Lucifer; é o Principe; é o Exu...
Como denominar o Ente Satanico?
Diversos gestos teem poder xamanico.
Diversas liturgias são tabu. Mas no Sabbath se beija bem no cu, que é o poncto donde sae o odor titanico.
Fazendo a algum bom senso ouvido mouco, as bruxas ao inferno vão de Dante.
Do “beijo negro” ja fallei ha pouco, um acto que envilesce o executante, mas deixa quem o ganha quasi louco. A propria fellação, sempre excitante, capaz de provocar gemido rouco, não é, para Satan, tão importante...
DISSONNETTO THEOLOGICO [0176]
Si exsiste Deus, de onde é que vem o mal? Si não exsiste, de onde vem o bem?
Resposta: exsiste o Demo, e Deus tambem, e aqui reside o poncto principal.
Divide-se o poder de egual p’ra egual e omnipotente ja não é ninguem.
Colloca-se o dilemma: orar a quem?
Quem vae nos proteger do seu rival?
O jeito é accender vella para os dois, uma p’ra cada um, sinão dá briga, e piccuinha a gente não instiga.
O resto a gente deixa p’ra depois.
Na hora do suspiro, é fazer figa, orando sem dar nome, em vão, aos bois, p’ra que o placar nos seja dois a dois e que ninguem de fora faça intriga.
CONTO PACTUADO [0480]
Um bruxo, recemvindo de Turim, me trouxe este enveloppe, que ‘inda guardo fechado, e ja me sinto um felizardo por ter Satan mandado a charta a MIM! Agora posso abril-o, porque vim a ser galardoado como bardo e o texto que preenche o papel pardo em versos dicta as regras do festim!
Emfim sou o maior poeta vivo!
Si caro foi o preço, paciencia!
Nos obitos famosos incentivo eu acho! Consciencia? Se dispense-a!
De todos os remorsos eu me exquivo!
Só falta eternizar a precedencia: Si algum novo desponcta no meu crivo, Satan fará que morra com urgencia!
DISSONNETTO CADAVERIDICO [0514]
Aqui jaz um zumbi que, com veneno, espada, faca, forca ou guilhotina, a turba em furia cuida que extermina, mas volta a si e respira a pulmão pleno. À morte não serei eu que o condemno, mas dizem que elle proprio se incrimina, fingindo aguda a dor mais pequenina, tornando enorme o gozo mais pequeno.
Na lapide inscreveram um poema: “Não creia no sorriso da caveira!
Duvide da visão mais verdadeira!
Visões phantasmagoricas não tema!”
Da tumba o zumbi zomba e, mal se exgueira, de novo seu despojo a turba crema e um novo midiatico dá thema.
Maior poeta vivo? Crê quem queira!
DISSONNETTO ACCAREADO [0567]
Peor será ser cego ou invisivel? Não sabe o cego quando alguem o espia e estoutro é gatto pardo em pleno dia: ignoto, nem é lindo, nem horrivel. Ao cego, a luz é negra; o escuro, niveo.
Ao ser phantasmagorico, a agonia é ver que pode entrar na cova fria e della sahir sem que um olho crive-o. Phantasmas e zumbis a mim eu sommo, mas somos todos sobrenaturaes.
Por isso os invisiveis vagam como somnambulos, capazes de actos taes de cuja culpa exima-se o mordomo: Esperam que, num flagra, algum ser mais extranho que elles mesmos, seja um gnomo ou seja um cego, os veja como eguaes.
DISSONNETTO DA BANALIDADE [0770]
Um dia, perguntaram ao poeta como é que, de improviso, elle commenta o cheiro da sujeira mais nojenta e um ar que, perfumado, desinfecta. “Contraste entre a sargeta, tão abjecta, e a pia do hospital (outra se adventa: a sacra, baptismal) não representa la muita coisa!”, accode o bardo, e objecta:
“Com tudo se accostuma. O que me expanta é o pasmo das pessoas ante a puta e a fria indifferença ante uma sancta, havendo differenças quem discuta.
Ao vate é natural tudo o que canta. Banal me sae o verso quando lucta com tanta intolerancia, e se allevanta quando um benevolente o lê e me escuta.”
DISSONNETTO DIFFERENCIAL [0862]
Em ouro, pratta ou bronze todo athleta quer ver-se medalhado. O brazileiro está mui raramente no primeiro logar, mas marca olympica ‘inda é meta. Num campo nosso craque se projecta
-- a bolla -- mas no estadio verdadeiro
-- o grego -- faz papel piffio e fuleiro o medico, o gymnasta, e até o poeta. Em medicina, a poncta é só da faca. Na quadra, o podio bem de longe é visto. Vanguarda, em poesia, é pedra ou caca. Algum genio que surge é como um kysto, mas palmas todos battem ao babaca. Excepto um accidente ou imprevisto, ninguem no pantheão seu nome emplaca nem Glauco ou Piva algum será bemquisto.
DISSONNETTO IMPARCIAL [0867]
Alguem disse dum livro: “por seu nivel, não pode simplesmente ser deixado de lado; deve ser arremessado com toda a força, o mais longe possivel...” Me livre Zeus que ao meu esse alguem crive-o de criticas tão asperas! Mas dado que tenho um preconceito assemelhado accerca de obra alheia, sinto allivio.
“Não li e não gostei!”, diria o Oswaldo, mas quero ser mais justo e pelo menos olhar e na leitura ter respaldo, embora deschartando uns vãos venenos.
Até que positivo foi o saldo.
Si “ver com olhos livres” aos pequenos dá chance, minha pelle salvo e excaldo pois sou dez, comparado aos mais amenos.
DISSONNETTO DOCUMENTAL [0868]
O pé do curupyra tem o dedo voltado para traz e o calcanhar à frente: si distancia quer ganhar, montado num porcão chega mais cedo. Commette o folklorista enganno ledo si aquelle com caypora mixturar: embora façam ambos bello par, disputam qual dos dois mette mais medo.
A mim o que interessa é o tal pé torto que bello aos mais esthetas, sei, não é e deve ser calloso, ter chulé, ou outros mais signaes de descomforto.
A quem não crê que exsista, sou até capaz de o pé lamber àquelle aborto, si não pelo tesão, só por desporto, e prova delle dar a um São Thomé.
DISSONNETTO PHILOSOPHAL [0871]
Transforma tudo em ouro, no que toca, o mago: inicialmente, fez successo lettrando uma canção que hoje nem peço que alguem me toque, tanto que se evoca! Depois elle bollou tal engenhoca demono-philosophica, que ingresso garante-lhe na casa cujo accesso é porta da immortal e astral malloca!
Só mesmo um charlatão bemsuccedido ou bruxo de verdade alcança tanto e em tantos idiomas tem vendido ganhando nisso sabe-se la quanto!
Não é nesse terreno que eu incido.
Não é de sua sorte que me expanto, mas sim de meu azar, ja que só lido com pedras: na cegueira é pratta o pranto.
DISSONNETTO ESPIRITUAL [0974]
Phantasmas são palpaveis, ao contrario daquillo que se escuta e que se vê no radio, no cinema ou na TV e contra as theorias do vigario. Sei disso porque os toco, em certo horario nocturno, quando toda gente crê que dormem os anjinhos, do bebê ao velho, mas meu somno está precario. São feitos de osso e carne; só não fallam e fogem ao contacto do meu dedo, mas ouço-lhes as junctas quando estallam. Que extranho, né, leitor? Que triste enredo! Dos mortos o fedor elles exhalam. Aggarram-me por traz, depois que o medo aos poucos vão perdendo; então me empalam, pois sou tambem humano e logo cedo.
DISSONNETTO PARANORMAL [0982]
Me chamam de “abnormal”, mas eu discordo do rotulo: somente porque adoro um pé de macho e verto em cada poro meu vicio, que ora em canticos recordo? Quem diz que de ruindade não engordo não viu minha barriga! Quando choro, a culpa é da cegueira, e só melhoro meu genio quando estou dum sonho a bordo! A fuga do quadrado não me obriga, mas chama-me em momentos imprevistos, comquanto libertar-me não consiga dos Draculas, dos Sades, dos Mephistos. Nas lettras não me enturmo. Odeio intriga! Não busco ter logar entre os bemquistos; exijo, todavia, que se diga não “ab”, mas “para”... ou rotulos mais mixtos!
DISSONNETTO ENXOVALHADO (2) [0991]
Si má reputação intimidasse algum ladrão politico ou seu vice, talvez um simples susto ja servisse p’ra dar uma licção em quem roubasse. Mas nada attemoriza aquella classe de gente, que ‘inda ri do que se disse de seus procedimentos, na crendice do povo associados à má face. Si um pacto com o Demo é o que lhes dá certeza de que impunes ficarão, paresce que vigora ha tempo, ja. Não falha a velha crença do povão, tampouco falha a velha fada má. Alguem dedura, mas, si ladra o cão, passeia a ladroeira e segue la pro quincto dos infernos de carrão!
DISSONNETTO EXCOLHAMBADO [0995]
Mais se desmoraliza, mais provoca o verso do pornographo que, alheio a toda restricção, diz nome feio de toda gente, em tudo quanto toca. Assumpto prohibido ou só fofoca, não ha thema que não seja subjeito a ter seu poncto fracco ou seu defeito exposto em calão sadico ou masoca. Poeta fescennino que se preza jamais desprezaria occasião de enxovalhar quem macta, rouba e lesa o bolso do povão e da nação. As coisas na ballança a gente pesa. Por isso é que o politico ao ladrão se eguala: si assassino é quem mais reza, mais sancto é quem verseja em palavrão!
DISSONNETTO ASSEMELHADO [0997]
Si tudo se paresce e nada muda, inutil a utopia! Que pretende o louco que verseja e não se rende à força que a razão confunda e illuda? Não é porque o poder lhe diz “Caluda!” que o verbo um bardo ao Demo doa ou vende! Poeta não é mago nem duende, mas tem um “que” de bruxo que lhe accuda! O que mais se approxima dum poeta do typo fescennino é só um menino, que tem indole candida e irrequieta, character de innocente e de ladino. Assim a minha lyra se interpreta: Comparo-me ao moleque; meu destino é ser meio exquescido, e é minha meta que poucos pensem como eu imagino.
DISSONNETTO AGUILHOADO [0998]
Aquillo que incommoda o detentor do mando é que contestem seu direito de tudo reverter em seu proveito e posse ter de quanto é de valor. Ao dictador ninguem pode se oppor, mas quando “democratico” é o subjeito e vê que seu discurso eu não acceito, reclama que sou critico e censor. Na practica, ninguem acceita nada que mexa em seu comforto ou no seu ego, que feche seu caixão com mais um prego e apponcte-lhe ter feito coisa errada. Mais duro ainda é quando um bardo cego commenta algo que attinge e desaggrada um mytho ou um mentor, a bruxa, a fada, que teem vicios eguaes aos que carrego.
DISSONNETTO RODADOR [1001]
Palindromo perfeito é o “oroboro”, a cobra que devora o proprio rabo. Com esse talisman começo e accabo um thema que dos bruxos é namoro. Porem, como sou falto de decoro e de ser pornographico me gabo, engulo meu caralho, até me enrabo e rindo dessa dor gozo meu choro. Assim sempre vivi, junctando extremos, insomne em todo leito onde me deito, tirando da agonia meu proveito, casando maus anjinhos com bons demos. Erotico e autophagico é o conceito, portanto, do “oroboro”: nomeemos seu cyclo de “infinito”. Eis como vemos a cobra do palindromo perfeito.
DISSONNETTO COMPENETRADO [1010]
Si exsiste o zen-buddhismo, tambem digo que exsista um zen-sadismo, e o zen-masoca seria, então, alguem que se colloca debaixo até dos pés dum inimigo. O sadico é instrumento do castigo que sobre este “maldicto” o Alem provoca. O algoz, pois, sem remorsos pode, em troca, sentir-se livre p’ra zoar commigo. Si cego estou, a culpa é mesmo minha e até quem me quer bem pode ser mau, folgando e rindo emquanto me expezinha, dizendo um “Eia!” appós dizer um “Uau!” Ouvindo-lhe expressão tão excarninha si o pé lhe massageio ou chupo o pau, reflicto que tal sorte a calhar vinha p’ra quem não foi poeta em alto grau.
DISSONNETTO RANCOROSO [1013]
Dei chances, mas daqui por deante adopto a drastica medida, e assim revido pedradas que ‘inda tenho recebido: fui muito boycottado; hoje boycotto. A premios nenhum jury me deu voto, malgrado algum valor reconhescido. Barrado por expor minha libido, não saio, entre os collegas, nem na photo. Agora, quem quizer me ler que leia num livro ou na columna da revista!
Ao vivo, mais ninguem me homenageia! Dos palcos o ceguinho puto dista!
A midia, revoltado, dispensei-a!
Palestra ja não dou, nem entrevista, e mesmo a lançamento de obra alheia quem pensa em convidar-me que desista!
DISSONNETTO DA MALDICÇÃO DO CEGO [1120]
Mais uma anthologia se publica e deixam-me de fora. Até de amigo recebo tal desfeita. Mas lhes digo: vingança é pratto frio, e a mesa é rica! Si o thema é a crueldade, a dura picca, ou tracta do homoerotico, é commigo. Em prosa ou poesia, não mendigo espaço: que me ommittam não se explica. Se cuidem, pois nem sempre sou de paz! Não brinquem com um cego rancoroso!
Não sabem do que um mystico é capaz! À toa não serei tão venenoso!
A praga vae alem da voz mordaz!
O cancer vai pegal-os! Quando o gozo que agora teem tornar-se dor, se faz justiça, e lembrarão Glauco Mattoso!
DISSONNETTO DO DESRESPEITADO EM PUBLICO [1167]
Me querem num evento; marcam hora; curriculo, erregê, photographia e até nota me cobram; todavia, ninguem me leva e traz nem assessora! Me pedem isso e aquillo, sem demora! Se exquescem de que um cego merescia mais consideração! Burocracia é para quem enxerga! Eu estou fora!
Não ha, neste paiz, nenhum respeito nem sopa ao escriptor deficiente!
Assim, novos convites não acceito!
Não vivo de plantão, eternamente disposto, para tudo quanto é pleito!
Não querem nos honrar: tractam a gente appenas como um numero, em proveito do circo onde o palhaço se appresente!
DISSONNETTO DO CORREIO TRANSCENDENTAL [1197]
O meu computador permitte, em meio a coisas materiaes, que exsista até o sobrenatural! Quem ja não é mais vivo tambem manda-me um “emeio”!
Verdade: era o recado, que releio, de alguem que ja morreu, e tenho fé que o cara era devoto de Thomé, por isso não zombei nem deletei-o.
Amigos me relatam coisa egual: mensagens recebidas dalgum plano que agora chamaremos “virtual” e chamo, por meu turno, de “inhumano”. Não ousam crer no sobrenatural?
Duvidem, si quizerem. Não me enganno: quem morre communica-se! É normal, portanto, que a informatica dê panno.
DISSONNETTO DA LICÇÃO DE MORTE [1198]
O teste é muito simples. Quando eu abro mensagem de algum morto, ao retornal-a, informa o provedor que aquella mala não chega por motivo bem maccabro: O “emeio” não exsiste! O descalabro se explica, pois o espirito nos falla de formas variadas, desde a valla pichada à cor da luz num candelabro. Questão só de entendermos o recado que o morto nos transmitte: elle quer paz, mas sente-se intranquillo em seu estado ethereo, immaterial, breve e fugaz. Não fico, neste caso, tão chocado, pois creio que o melhor que a gente faz é delle nos lembrarmos só do lado feliz, deixando o triste para traz.
DISSONNETTO DO DESPERDICIO DE MUNIÇÃO [1200]
O franco-attirador se posiciona e alveja quantas victimas puder, até que seja morto, si não der um tiro em sua propria cabeçona. Com mira telescopica, na zona de alcance nada excappa: homem, mulher, menina ou velha, todos e quaesquer viventes vão morrer, e um dedo acciona.
Bobagem! Fanatismo, odio, vingança ou acto de loucura, nada disso compensa o resultado que se alcança. Mais mystico é meu proprio compromisso. Ponhamos os poderes na ballança. Mais util e mais practico é o feitiço: si appenas mentalmente pragas lança, desforra o fracco, a quem me irmano e attiço!
DISSONNETTO DAS PEDRAS NO CAMINHO [1201]
Jogando dominó, da dupla sena me livro, mas a sorte me destina que leve tempo até da dupla quina livrar-me, e a ter mais pedras me condemna. Paresce a situação ser mais amena si a dupla quadra logo se elimina, mas volta a ser problema si, na exquina, me fecham e ha commigo uma dezena.
Até que emfim descharto o duplo terno! Um duplo duque ainda estou comprando, porem, e nunca excappo deste inferno! Aonde irei parar si às cegas ando?
Calhava ao cego um teste mais moderno! Só tenho branca, agora! Justo quando supponho estar battendo, entendo: eterno será meu jogo, e azar será quejando.
DISSONNETTO DA ASSOMBRAÇÃO CARENTE [1221]
Phantasmas apparescem quando menos se espera. Basta a gente estar a sós e ouvimos quando alguem chama por nós baixinho, sussurrando, em tons amenos. Depressa nos voltamos, e os pequenos ruidos logo cessam. Mas a voz que ha pouco nos chamava, triste e atroz, retorna e geme, em meio aos sons terrenos. Vem la do quarto, emquanto estou na salla, e, quando estou deitado, da cozinha.
Alem de me chamar, nada mais falla. Depois de ouvil-a, a gente ja adivinha por que, de dia, aquella voz se cala. Será que, si a pessoa está sozinha, ha sempre assombrações a appavoral-a?
Ou só si a solidão for como a minha?
DISSONNETTO DA IMMORTALIDADE MALCHEIROSA [1230]
Na Casa dos Quarenta, entre os que são, de facto, bons auctores, sempre occorre alguma distorção e, assim que morre o proximo “immortal”, ha votação. E quaes os candidatos? Um é tão famoso quanto mais meu sacco torre. Um outro foi politico, e concorre mais como “merdalhão” que “medalhão”. Nenhum como escriptor pode ser tido, mas querem, porque querem, a cadeira, mais rara que as que almeja algum partido na Camara, a appromptar a bandalheira. Na minha “Academia Brazileira” a vaga não disputo nem divido, pois é “dos Exquescidos” e nem cheira, nem fede, como fedo, quando lido.
DISSONNETTO DO VOLUNTARIO INCENDIARIO [1238]
Segundo contam, Lucifer obstenta, em vez da imagem propria do Diabo, com pello, garra, chifre, casco e rabo, disfarses de pessoa sancta e benta. Aquelle que mais facil innocenta os malintencionados e dá cabo de todas as suspeitas é o do brabo bombeiro, que um incendio appaga e enfrenta. Porem o Demo adora a labareda queimando e se allastrando sem controle: no fundo, quer que o fogo nunca ceda! A fim de que o sinistro não se isole e a victima dalli não se excafeda, com alcohol chama a chamma, que os engole! Si alguem sobreviver, faz cara azeda Satan e, ao saltitar, faz corpo molle.
DISSONNETTO DAS IMPRESSÕES DE VIAGEM [1240]
Voltou da Transylvania meu amigo contando maravilhas: que hospedado esteve num castello e, bem ao lado do quarto havia um typico jazigo! Procuro disfarsar, mas não consigo conter-me, e perguntei si elle accordado ficou durante a noite: para aggrado meu, elle viu o Dracula! “Oba!”, digo. “E então? Que accontesceu?” Elle me apponcta as marcas no pescoço e faz a figa.
Ahi fico ouriçado. “Não me diga que agora seu canino tem mais poncta!”
Allego ser do typo que não liga pro sobrenatural, mas será tonta a bruxa que endossar, pois me admedronta que olhar-me num espelho eu não consiga.
DISSONNETTO DO AVARENTO CASTIGADO [1244]
Gravura bem extranha foi aquella que lembro de ter visto num volume de textos sacros: pune-se o costume avaro do usurario na goela! Explico: ja no Inferno, dentro della um Demo bem caprino caga o estrume em forma de azeitona, e o réu que arrhume logar no bucho! A scena expanta e appella! Deitado, elle abre a bocca. O bode humano se aggacha a certa altura e lhe defeca, pingando, as gottas pretas de seu cano! No nitido desenho, nem cueca usava o condemnado, e um ar prophano de riso obstenta o bode a quem depreca! Eguaes scenas em verso sempre explano, sabendo haver leitor que se melleca.
DISSONNETTO DO RABO PRESO [1276]
Conversa grampeada, ao cellular do nobre deputado, mostra o quanto depende elle da acção dum pae-de-sancto, a cuja protecção quer appellar: “Querido, você tem que me adjudar!
Preciso dessa grana, cara!” E tanto insiste, que responde {Eu lhe garanto!} o bruxo do Congresso, ao desligar.
Consegue o que queria o deputado: caixinha gorda está, ja, recebida.
Embolsa a commissão, mas, em seguida, sentindo dor no cu, será internado. De cancer morrerá! Mais succedida foi minha maldicção! Ladrões, cuidado!
Dum cego tal rancor dá resultado!
Ganhar dinheiro sujo custa a vida!
DISSONNETTO DA CREATURA NOCTURNA [1279]
Agora que, debaixo da coberta, me encolho, volta o medo: sempre tive vontade de saber quem é que vive debaixo desta cama, occulto e allerta! Estando a luz accesa, ou si está aberta qualquer janella, o monstro que se exquive da forte claridade que, inclusive, cedinho dos maus sonhos me desperta! Mas quando a escuridão envolve tudo, lhe escuto os movimentos e o grunhido, presinto o corpo esqualido e pelludo! Orar a alguem do Alem então decido. Chamando um bom espirito, me escudo. Os dentes, a ranger, ja tendo ouvido, nem quero seu formato ponctiagudo sentir, para attestar que não duvido!
DISSONNETTO DO CHA SEM CEREMONIA [1299]
Em video registraram a lambança que fez um “immortal” da Academia na hora do chazinho: elle comia enchendo mais os dedos do que a pança! Brioches, brevidades... Não se cansa emquanto sua gula não sacia, farellos derramando da macia fatia que nos labios lhe ballança! Gagás, outros auctores tambem comem aos trancos e barrancos, num assommo, babando e lambuzando os beiços, como aquelle porcalhão, de lettras homem! Trajados de fardão, nem o rei Momo lhes rouba o carnaval! Como consomem! Que gula! Que banquete! Elles que tomem seu cha com bollo! O amargo pomo eu como!
DISSONNETTO DA CRISE DE VALORES [1301]
Quem vê que, mais e mais, se promiscue bandido com politico, dirá que tudo está perdido e que, assim, dá vergonha ser honesto, como Ruy. Ha crise de valores? Tambem fui temptado a concluir que, si gagá ficou a geração que escreveu ja bom livro, outra não ha que a substitue. Será? Não accredito! Embora agudo o grau de incompetencia appadrinhada, quem tem talento nunca fica mudo! Um dia, até darei muita risada! Razão isso dará a bastante estudo: Passada essa entresafra, a molecada verá que do azarão se salva tudo; do favorito não se salva nada!
DISSONNETTO DA ENTREVISTA PREVISTA [1312]
Ja fui entrevistado vezes tantas que perco a compta, e penso si seria melhor que eu, doradvante, em poesia responda ao que gargalham as gargantas: Perguntam-me que sopa tomo às jantas? Sonnettos ja fiz sobre o que vicia meu gosto e, si o assumpto é putaria, em verso conto como lambo as plantas. A tudo um dissonnetto prompto guardo que, rapido, responda. Si preciso, uns tantos novos a compor não tardo, que aos velhos jamais causam prejuizo. Num alvo sempre cabe mais um dardo. Com practica, sae quasi de improviso qualquer thema proposto a um cego bardo, si causa, no auctor, choro e, ao leitor, riso.
DISSONNETTO DO BRUXO DE LUXO [1343]
Àquelle consultorio, quando fores, verás que o adivinhão te põe a nu: olhando-te, elle saca tuas dores e diz, na tua cara, quem és tu! Chamado “professor dos professores”, prefere ser tractado por “guru”; mais habil do que magicos e actores, plantando bananeira elle dá o cu! Mais querem saber? Isto não lhes basta? Astrologo e vidente, na charteira de cada paciente tem certeira visão de quanto ganha e quanto gasta! Conhesce cada cofre, em cada pasta! Si chega alli um politico, o fakir converte e até convence o outro a convir que, em vez de fodedor, é pederasta!
DISSONNETTO DOS PARALLELOS, PARA LEL-OS [1358]
Disseram que meu nome corresponde, até pelas fataes iniciaes, à Gilka, que é Machado, e não esconde que ao caso do Gregorio deve mais. Querer que a semelhança se arredonde, tambem eu quereria! Mas eguaes em tudo vae a gente encontrar onde?
Não só nos nomes busco meus signaes! Luiz Delphino muito a ver commigo teria, pois tambem se disse amigo dos pés, seu peccadilho mais sincero, os quaes, ao meu jeitão, amo e venero. Em outro poncto irá se assemelhar a mim, ja que passamos do milhar na compta dos sonnettos... Que mais quero, si, um dia, nem sonhei sahir do zero?
DISSONNETTO DO CHA DE CADEIRA [1363]
A lenha, às vezes, desço, e com razão, na nossa Academia, mas não é por ella ser a casa dos que estão morrendo, mas não morrem... bons, até! Desdenho é dos penetras, que só dão “ibope” na politica e o bonné não pedem quando perdem eleição. Nos outros, como auctores, boto fé! Collegas, desde sempre, os considero, assim como qualquer homem lettrado, e tenho mesmo, para ser sincero, vontade de sentar delles ao lado.
Em termos de cha faço, caso eleito, questão de tudo estar do meu aggrado: geléa nas torradas eu acceito, alem do biscoitinho admanteigado!
DISSONNETTO DA FACHADA FECHADA [1367]
De dia, aquella casa ja me intriga, no fundo do jardim, sempre fechada. Disseram que quem vive alli se liga a coisas do outro mundo... Isso me aggrada! Fallei della a uma bruxa, minha amiga, e foi-me confirmado: essa morada, alem do solitario ser que abriga, recebe sempre alguem de madrugada. É muito extranho, mesmo, tanto affan. La não se accendem luzes, mas se escuta barulho de conversa e até de lucta e tudo fica quieto de manhan. Só sei que não será coisa christan. Talvez appenas sadomasochismo, mas, quando passo alli, commigo scismo que Sade tenha encontros com Satan.
DISSONNETTO DA VIAGEM NOITE ADDENTRO [1372]
Passava o trem nocturno pelo matto cerrado, quando teve que parar. Olhei pela janella e, estupefacto, notei que me fictava aquelle olhar! Brilhantes como brazas, dalgum gatto selvagem suppuz serem, mas o esgar humano que faziam deu-me exacto contorno desse rosto tumular!
Caveira! Uma caveira! Está me olhando daquelle mattagal! Como na tela do cine, ella sorriu! E justo quando ja vinha se chegando até a janella, o trem se movimenta! Essa nefasta imagem de eskeleto magricella, terrivel, lentamente, emfim se affasta do campo de visão, e excappo della!
DISSONNETTO DAS HERMAS PARAGENS [1374]
Jamais pude evitar: a idéa vinha assim que da janella, quer dum trem, dum omnibus ou carro, eu me detinha a olhar o que uma estrada ao lado tem. Só matto! Minha mente ja adivinha o que accontescerá de mau si alguem à noite alli der uma paradinha, sahindo do vehiculo... Horror, hem?
Por credulo paspalho não me tomem! Que bicho o pegará? Sabe-se la!
Talvez o curupyra, o boytatá, a mula sem cabeça, o lobishomem!
Alguns desses monstrengos gente comem?
Não quero nessa hypothese appostar, mas durmo e vejo, em sonho, o tal logar sinistro, onde as pessoas vivas somem.
DISSONNETTO DA AUTOSUFFICIENCIA SUSTENTADA [1400]
Noventa e nove até dois mil e trez: foi quando completei o meu milhar. Febril, no pique vejo-me, outra vez, buscando aquella marca duplicar. Si faço dez por dia, só num mez terei mais de trezentos! Me humilhar ja não almejo tanto, como fez aquella voz poetica pensar. Não ha por que encarar com azedume. Mais viva e libertada do premente desejo de expressar tudo que sente um cego, minha mente agora assume: Com tal recorde é bom que me accostume. Si tanto, no sonnetto, practiquei, por que não pretender ser delle um rei, alem da forma, em themas e em volume?
DISSONNETTO DA CONCLUSÃO OBVIA [1402]
Um critico francez foi bem succincto: “Si fosse o portuguez fallado aqui, você seria celebre e distincto, maior dos sonnettistas que ja li...” Por certo que orgulhoso ja me sinto. O titulo “maior” não é, por si, bem claro, porem: une o que requincto àquillo que advolumo, é o que entendi. Como diria alguem que é desaffecto, appenas quantidade não me faz melhor, mas, quando vejo ser capaz de nivel sustentar no que sonnetto, ahi paresce claro o que completo, não resta a menor duvida: si alguem meu merito não acha, elle é que tem a falha no seu nivel de intellecto.
DISSONNETTO DE QUEM FEDE MAIS [1405]
Que soffro rejeição não é segredo: boycottam-me em revistas e jornaes. Não sei por que de mim teem tanto medo, si em tudo, quero crer, me são eguaes. Paresce que admeaça eu, a taes paes da velha materinha sou! Que ledo enganno! Não percebem que jamais mixturo ao seu perfume o odor que fedo?
Não quero uma razão que me redima. Appenas numa coisa, e que desista quem pensa em contestar, o sonnettista Mattoso de outros nomes fica accyma. Na gloria não, siquer em grande estima. Em summa, em quantidade e qualidade: por mais que meu aroma desaggrade, insisto que “escriptor” e “odor” dão rhyma.
DISSONNETTO DE QUEM FEDE MENOS [1406]
Quem tem seu proprio merito, e aqui cito alguns, ja reconhesce meu valor:
Roberto Piva, Paulo Henriques Britto, Augusto, Leila Míccolis, Millôr. Portanto, sou canonico e maldicto ao mesmo tempo, ainda que o fedor da minha bocca mostre-se exquisito demais a quem perfume quer impor.
Nem causa criminal, nem causa civel. Emfim, quem é poeta e no seu tacco
confia, não me inveja quando emplaco milhares de sonnettos de bom nivel.
Se tracta de questão appenas crivel.
Só mesmo quem talento tem de menos me vê, como poeta, entre os pequenos.
Inutil: é meu verso irreductivel!
DISSONNETTO DA GOSMA PHANTASMAGORICA [1408]
Na hora de fecharem o caixão, notaram, no defuncto, que excorria da bocca a grossa baba, porem não ligaram. Foi o corpo à cova fria. Agora andaram vendo apparição e a cara que apparesce, e que os espia emquanto estão comendo, abre o boccão e pinga o escuro cuspe, que desfia. Nem cabe, aqui, fazer signal da cruz. “Que nojo!”, pensei eu, logo me pondo dos outros no logar, e não escondo: Sim, puz-me a imaginar aquelle puz. Mas novo admanhescer nos traz a luz. Passado esse momento na memoria, exquesço totalmente a feia historia si um churro recheado me seduz.
DISSONNETTO DA PHANTASIA SEXUAL [1410]
Perguntam-me si, perto dos septenta, na cama a gente ja a brochar começa. Respondo que a piroca ainda aguenta, mas, quando accaba, nunca recomeça. Mais liquida a descarga se appresenta e noto estar gozando mais depressa. O tempo de intervallo agora augmenta. Não ha, porem, razão que o gozo impeça. Em duas situações, a picca dura me fica num instante, e assim perdura: si sonho ou si um politico se fode, ainda que a noticia só me engode. No sonho, lambo pés e chupo picca, e, quando a vida delles se complica, na bronha elles são cabras e eu sou bode si for jocoso o gozo que me accode.
DISSONNETTO DAS CHARTAS MARCADAS [1417]
Ha premio que é melhor si não foi ganho! Si a lista finalista inclue o cara de estylo tosco e espirito tacanho que, quando era editor, me boycottara, ou si, na commissão, for o tamanho dos membros menor, quando se compara ao meu e ao de qualquer que seja extranho àquella panellinha tão preclara, emfim, é premiavel o mais chato. Emfim, si rolla grana, o favorito é algum appadrinhado, e não maldicto, ou, quando é só o trophéu, algum novato. Não posso ser, portanto, tão cordato. Portanto, si escholado estou no ramo, mais lucro si homenagens não programmo e a premios taes jamais me candidato.
DISSONNETTO DO BRILHO PELA AUSENCIA [1418]
No tempo do “Dobrabil”, uma phrase dizia que os concursos eu venci todinhos... O segredo é bom que vaze: experto, em nenhum delles me inscrevi. Torneios litterarios, nessa phase, como este, badalado, agora e aqui, ja eram marmellada pura, ou quasi: se salva algum Nobel ou Jaboty. É coisa tão manjada quão famosa. Os votos nunca vão para quem sae por sello independente e faz haikai, quadrinha, “limeirique” ou grossa glosa, nem mesmo dissonnetto ou pornô prosa. Mais ponctos só recebe, de quem julga, a casa que publica e que divulga, jamais a lingua suja e pegajosa.
DISSONNETTO DA DISCIPLINA MENTAL [1423]
Perguntam-me si sou mesmo capaz de só pensar no horror de ter perdido a vista, emquanto chupo dum rapaz o penis e na bocca sou fodido. Respondo: muita differença faz si penso nisso e, lucido, regrido ao tempo em que enxerguei. Isso me traz a exacta sensação de estar punido. Tambem fallando o gajo se deleita, pois outra coisa importa: como o cara me tracta, emquanto a porra não dispara garganta addentro. A formula é perfeita: Sim, basta a quem, sorrindo, rolla e deita, dizer-me que estou cego por castigo divino e que, portanto, faz commigo aquillo que Deus manda e elle approveita.
DISSONNETTO DO THRONO QUE TEM DONO [1427]
A historia litteraria dum paiz inteiro não é omnibus nem mesa de bar ou restaurante, onde quem quiz entrou, e onde ninguem tem bunda presa. Em prosa ou poesia, o que ja fiz garante-me o logar: basta a proeza dos mil, dois mil sonnettos, tantos “mis”, [sic] mantendo-lhes rigor, juncto à rudeza. Daquillo que compuz estou seguro. Captiva, permanente, é-me a cadeira, talvez na Academia Brazileira, ou só mesmo em compendios, no futuro. Mas certos desafforos não atturo, pois “a bolla da vez”, ou baboseira que o valha, é o pau no cu de quem me queira negar justo valor, e um pau bem duro!
DISSONNETTO DAS ONDAS E DAS PRAIAS [1428]
“De gloria seu minuto passará”, um optimo contista e romancista me disse, pois “a bolla da vez” ja seria outro poeta numa lista. Passada a peor decada, hoje está provado que meu nome à frente dista, quer seja do novato ou do gagá, quer como glosador ou sonnettista.
Veremos qual, emfim, é meu assento! Veremos, Trevisan, é o que veremos!
O barco rhumará conforme os remos que temos, e não como sopra o vento.
Vencer vou as tormentas que ora enfrento!
Você tem seu logar. Não precisava tentar desmerescer quem lucta trava, tão brava, contra a treva e o vão momento.
DISSONNETTO DA PROVA IMMATERIAL [1430]
Ninguem pode dizer que não tem medo de espectro ou de eskeleto! O scientista affirma que um não mexe nem o dedo e que outro só na idéa surja e exsista. Duvidam os incredulos. Eu cedo àquillo que o bom senso dicta: a mixta noção do que é evidente e o que é segredo. Si ha logica, ha o mysterio que a despista. Ninguem de experiencias taes se prive! À noite, o cemeterio nos comprova que o medo tem sentido: em cada cova, alem dos ossos, jaz algo que vive! Alguem quer performar o detective? Coragem ninguem tem de estar alli no escuro! E quem ja viu, como eu ja vi a Morte, está commigo onde eu estive!
DISSONNETTO DO PESADELLO BIBLICO [1435]
Às margens do Mar Morto está Sodoma. Gomorrha fica perto. De má fama são ambas: quem não quer que alguem lhe coma o cu, la seus poemas não declama. Um bardo que conhesço e, de glaucoma ja cego, tem visões, cahiu da cama sonhando que la chega e logo toma no rabo, chupa rolla e nem reclama. Poemas recitou, só sobre thema sacana, que fetiches não sublima. Se expoz, accreditando que alguem tema um bardo bom de metro e bom de rhyma. Inutil! Suas glosas, de uma em uma, vaiaram! Não havia, mesmo, um clima... Agora, si lhe peço que resuma a historia, diz: “Gozei, ‘inda por cyma!”
DISSONNETTO DO GRITO NO GOGÓ [1444]
“Vão ter que me engolir!”, fallou Zagallo, e a phrase virou symbolo de alguem que, embora controverso, si ignoral-o a critica é que é digna de desdem. Assim se dá commigo: piso o callo de muito mau poeta que só tem prestigio si a editora divulgal-o e a claque, ao premiar, disser amen. Modestia sempre tive, e “simancol” tomei, me resguardando desse agito. Luctei para não ver-me nesse rol de estrellas que só brilham pelo grito. Mas, vendo que os gabolas só teem gloria, posando aos holophotes que eu evito, e minha poesia ha quem ignore-a, “Engulam-me e vomitem!”, lhes repito.
DISSONNETTO DA FIGURINHA CARIMBADA [1460]
De novo? O tal trophéu premia o cara de sempre, a mesma e cynica figura que a mesma companhia publicara nos annos anteriores! Quem attura? Precisa ser, demais, de pau a cara de quem, na commissão, decide e appura! Podiam variar agora, para nos dar uma impressão de haver lisura!
Será qu’inda preciso de mais linhas? Será que o premiado não se toca que faz papel ridiculo essa troca de votos e favores nas lettrinhas?
É claro que se toca! Não são minhas, appenas, as denuncias! Mas se presta ao circo que prepara, faz a festa e imputa o malestar às “piccuinhas”.
DISSONNETTO DO REPENTE PERMANENTE [1470]
Perguntam-me: “Mas Glauco, quanto dura fazer um dissonnetto?” Eu lhes diria que é coisa de minutos: a factura sae logo, quando a idéa não exfria. Não tenho “inspiração”, a mera, pura “verdade” revelada: a poesia será sincera appenas quando cura feridas, ou, ao menos, allivia. Occorre isto não só na lingua lusa. A dor é o principal, urgente prazo que mede este processo, e não o acaso, o cerebro, o chronometro, uma musa. Espero não passar noção confusa. Passou mais que um minuto da pergunta, mas, desde que a memoria disso assumpta, talvez a toda a vida se reduza.
DISSONNETTO DA CASA DOS MEUS SONHOS [1472]
Casinha acconchegante, aquella! Embora sobrado seja, minima ella é: o alpendre; a janellinha que, de fora, cortinas deixa ver; a chaminé; o quadro que a salleta, oval, decora, se expreme entre as poltronas! Qual chalé tem tanto encanto? Quem será que mora alli, duma collina verde ao pé?
À noite, a coisa muda, todavia: não acho a habitação tão boa assim. Dos olhos da mansarda alguem espia os vultos que se movem no jardim. Na trepadeira, aranhas teem caminho até o segundo andar! Ficou ruim! Reviro-me no leito: o castellinho se torna um pesadello para mim.
DISSONNETTO DA ABBADIA, DE DIA [1482]
Estive na abbadia, do Big Ben bem proxima. É menor, a gente nota, que Notre Dame. Identica, porem, no poncto onde o turista perde a ropta. Passagens labyrinthicas e sem sahida: a crypta à grutta nos connota. Si por alli, sem rhumo, for alguem, verá que o subterraneo não se exgotta. Que indicios alguem nota do terror? Ao alto, alguns vitraes, bombardeados durante a guerra, foram ja trocados por vidros transparentes e sem cor. Mas algo poderemos, ja, suppor. Abbaixo dessas naves, tudo é preto. Ninguem percebe quando um eskeleto passeia, mesmo si de dia for.
DISSONNETTO DA MANIA DE MIDIA [1487]
Poeta não tem nada que “ser visto”, ter “visibilidade”! Isto é negocio de actor ou de politico e, alem disto, de quem quer que num cargo alguem emposse-o. Algum publicitario, alguem malquisto bollou essa bobagem! Mesmo em ocio, com “visibilidade” um bobo, insisto, não passa dum “visivel” que é beocio. Quer vendas? Va fazer commercial! Quem quer apparescer é quem se vende!
O meu logar na historia não depende de luz, “bolla da vez” ou peta egual! Como é que quer ser visto quem vê mal? Qual “visibilidade”, qual caralho!
Si alguem quizer saber quanto é que eu valho, que veja quem me leu e deu aval!
DISSONNETTO DA VISIVEL CREDIBILIDADE [1488]
A tantos idiotas que meu justo valor excammoteiam e outro auctor promovem, simplesmente apponcto Augusto e apponcto, de lambujem, o Millôr. Me bastam esses dois, e ja degusto o que pensa de mim um bom leitor, alguem qualificado que, sem custo nem preço, tem mais credito ao depor. Não quero nem saber de quem só posa! Si quero, como quero, ser lembrado por ter, principalmente, sonnettado de forma rigorosa e volumosa, não tenho que invejar gente famosa! Preciso, não de midia ou duma feira, mas sim de quem não fede, porem cheira e duma fama justa sempre goza.
DISSONNETTO DA MANIFESTAÇÃO MALEFICA [1493]
Na sexta-feira, treze, o que se espera, à meia-noite em poncto, que accontesça é transformar-se um homem numa fera e erguer-se dum cadaver a cabeça. Embora alguns de morbida chimera taes coisas classifiquem, não se exquesça o incredulo leitor que exacta e vera é a falla do Propheta, e não travessa.
Eis que circula a formula funesta! Que diz o Mestre? “Irmãos, não duvideis
daquillo que tem numero em trez seis: de muita forma o Mal se manifesta!”
É clara a tal mensagem que elle attesta. Si alguem não percebeu de quem se tracta, direi que, em vez de pé, tem elle patta e exhibe dois chifrinhos sobre a testa.
DISSONNETTO DO LABYRINTHO LABORIOSO [1508]
Das lettras não se lembra o proprio Chico, de tantas que compoz! Por que vou eu lembrar-me dos sonnettos, eu, que fico perdido entre um pé jambico e um trocheu? Depois de ter milhares, nem applico demais minha memoria! Ja me deu surpresa descobrir algum que rico achei e, feliz, vejo que elle é meu!
“Incrivel! Compuz este? É bom, no duro!” Complexo, um universo thematiza tamanha variedade que, indecisa, a mente não situa o que procuro. Bem sei que esta questão não inauguro. Fallei ja num sonnetto deste assumpto. Mas onde? É o que, perplexo, me pergunto.
Retorno ao labyrintho, então, no escuro.
DISSONNETTO DO SONHO MEDONHO [1516]
Fallando em pesadello, um recorrente que tenho é que estou nu, longe de casa e em mim vae reparando toda a gente, emquanto meu espirito se arrasa. Depois de muito andar, eu finalmente encontro, exhausto, um poncto. Mas se attraza meu omnibus, e fico, de repente, em meio à multidão, o rosto em braza. O tempo, porra, nunca que transcorre! Procuro demonstrar que é natural estar nuzinho em pello, alli... Mas qual! Me encaram como quem cague e se borre. Não ha panno qualquer com que me forre! Mais tarde, estou num carro, dirigindo, ainda pelladão, mas nunca é findo o rapido trajecto, e o carro morre.
DISSONNETTO DAS APTIDÕES HUMANAS [1581]
Na India, ficou celebre o fakir que dorme numa cama toda feita de pregos, sem que possa se ferir, e nem siquer de fraude se suspeita. Tambem o encantador, a se exhibir, mantem uma serpente satisfeita appenas com a musica, a servir de publico espectaculo subjeita. Mas pouco se commenta no Occidente, por mais que esteja alguem bem informado, accerca do que um cego ao seu cliente dispõe-se a offerescer por um trocado. Alem de lhe tractar da dor nos pés emquanto o seu cliente está sentado, permitte que seu penis, attravés dos labios, lhe ejacule, ao ser mammado.
DISSONNETTO DOS DOTES NOTAVEIS [1582]
Os bruxos, em geral, não são bonitos. As bruxas, muito menos. A razão do facto é que haveria alguns conflictos do magico poder com o que é vão. Si a bruxa attende aos bellos requisitos e o bruxo for descripto como “um pão”, a desmoralizar-se estão os mythos e a lei se exvae: cadê a compensação?
Em nome do equilibrio universal, um typico factor se verifica.
Quem ganha dons marcado é por signal visivel, que as feições lhe identifica: Nariz e bocca tortos, saliente orelha, verrugonas de cangica, testão, olho saltado, agudo dente, pelluda mão, gran crica e molle picca.
DISSONNETTO DA DADIVA ADVERSA [1583]
A dupla maldicção, que annulla a van belleza e as ambições futeis embarga, transforma o joven bruxo numa ran e a virgem bruxa numa velha amarga. Por outro lado, o typico galan obstenta da burrice a crassa carga, e a bella actriz, à qual não falta fan, só tem a offerescer a chota larga. Aos factos não ha nada que resista. O surdo é genial compositor. Maneta é aquelle celebre esculptor. O cego é o mais maldicto sonnettista. Assim Satan nos deixa a sua pista: Não ha do Alleijadinho obras que provem que quiz perder a mão, nem do Beethoven o ouvido, ou do Mattoso sua vista.
DISSONNETTO DA DUPLA IDENTIDADE [1637]
Si tem poder o Demo para, em forma de Deus, ser confundido, então questiono: Não tem tambem poder, não se transforma em Demo esse Senhor, que é nosso dono? E, si um pode ser outro, qual a norma que irá dar ao theologo seu monotheismo authenticado e sem reforma capaz de obstar da fé meu abbandono?
Não ha! Não ha parametro! Esse Deus não passa dum disfarse de quem meus mais feios pesadellos revisita, em sua sanha cynica e maldicta! O modo como tracta o ser humano, causando e desfructando de seu damno, comprova que é Satan quem tudo dicta e tudo appenas segue a sua escripta!
DISSONNETTO DA BOLSA SEM BRILHO [1641]
Mas é mesmo um panaca! Por ter sido brindado com a bolsa, está gabola! Faz todo esse barulho e esse ruido por causa duma merda de saccola! Tá certo que a saccola é premio tido por gordo patrocinio e, numa eschola, qualquer um ficaria convencido! Mas elle, no ridiculo, extrapola!
A todos gesticula. Agita a mão, dá “chau”, sorrindo. Para as photos posa. Accena. Joga beijo. Aggarra a rosa que alguem lhe attira... Ah, va lamber sabão!
Não tem desconfiometro, o bundão!
Ainda si essa bolsa garantisse bom livro! Mas dá chance à gabolice, appenas: pratta falsa em promoção!
DISSONNETTO DA DEFESA DE THESE [1643]
Sonhei que minha these defendia e a banca era formada só por quem ja tinha fallescido: a poesia julgada pelos que, de facto, a lêem. Luiz, Gregorio, Emilio... A turma lia meus versos e o que nelles se mantem: em termos de thematica, a ironia e em termos de rigor formal tambem.
Melhores professores, quem almeja?
Bocage, ou Madragoa, me questiona si quero ser lembrado pela conna que falta ou pelo pé que me sobeja.
Entrego uma resposta de bandeja.
“Da conna”, digo, “todos teem cuidado e o pé tem muito callo a ser tractado...”
E todos votam que approvado eu seja.
DISSONNETTO DA RECORRENCIA RECORDISTA [1703]
Delphino, de mim antes, ultrapassa, em sonnettos, a casa do milhar.
Tambem elle passou pelo que passa alguem depois de tanto sonnettar. Repete-se no thema, a rhyma excassa evita e se vicia na vulgar; chavões accaba usando, ‘inda que faça questão de que o rigor deve imperar.
Sim, temos copioso poemario!
Milhares de sonnettos dão idéa
dum kosmo percorrido em odysséa, si a um vasto repertorio alguem compare-o.
Seria nosso thema assim tão vario?
Mas mesmo a variedade só varia naquillo que, na practica, seria appenas o detalhe secundario.
DISSONNETTO PARA UM QUASI ACADEMICO FALLESCIDO [1764]
Morreu o jornalista que, insistente, queria tanto entrar na Academia. Passou a vida inteira a toda gente dizendo que só isso pretendia. A cada vaga aberta, elle, contente por ver alguem morrendo, repetia na casa uma inscripção, mas delle à frente na fila estava alguem que se premia. Politicos, artistas, cineastas, astrologos e suas amizades, alguem sempre o pretere nessas gastas espheras da feirinha de vaidades. Até que chega o dia em que elle vae... é para o Cemeterio das Saudades, na tumba mais commum! E appenas sae na imprensa uma notinha dos confrades...
DISSONNETTO PARA OS MONSTROS MARINHOS [1857]
Questionam os philosophos da vida no espaço ou nas espheras de outro plano, mas sabio ‘inda nenhum poz na ferida o dedo quanto à vida no oceano. Refiro-me ao mais fundo, que convida a gente a meditar sobre o mundano adspecto dos viventes... Só quem lida com loucos pesadellos saca o insano. São monstros de assustar qualquer humano (e mesmo o mais heroico se intimida) aquelles que, la embaixo, nenhum damno nos causam... Mas o cego aqui duvida. E si os polvos gigantes, por enganno, a um desses maremotos em seguida, veem para a superficie? Quem tutano terá para detel-os na subida?
DISSONNETTO DA MORTE DE DELPHINO [1910]
Fallei ja muito delle, mas ainda ninguem o analysou pelo fetiche dos pés, que se affigura a mais bemvinda faceta, da qual faço meu pastiche. Tem lista de sonnettos elle, infinda, provando que, por mais que alguem nos piche, nós somos, os podolatras, berlinda de quem para o futuro um olho espiche. Seremos, eu com elle, rotulados de symbolo do amor que, nestes lados, se chama “compulsão”, ou mal que o valha. Quem é que sua lenda não trabalha? Supplanto, em quantidade, seus sonnettos, mas não supplantarei seus predilectos accentos pelo sapphico, sem falha. Falhei foi numa rhyma que não calha...
DISSONNETTO PARA UM NEGRO E UM CEGO [2039]
“As quotas para negros são, no ensigno e mesmo no mercado de trabalho, urgente providencia, em que um menino creado na favella encontra attalho! Si sou o presidente, determino medida immediata nesse falho systema e implanto as quotas! Um destino mais justo eu, que sou afro, agguardo e valho! Portanto, companheiro, não acceito que como opportunista alguem me veja, que alguem lettrado contra o nosso pleito deponha, e que a favor você não seja!”
-- Embora seja branco, eu lhe seria, sem duvida, a favor nisso que almeja, mas só si quota houver na Academia de Lettras para um cego que verseja!
DISSONNETTO PARA UM CORTADO QUE CORTOU [2043]
Amigo, era você quem mais podia appresentar meu livro, pois entende do assumpto e viu que minha poesia é boa e, si editada, até que vende. Por isso lhe pedi que recommende a obra: si um poeta me elogia, a critica academica ja tende a achar que minha escripta não é fria. Quem mais podia appoio dar-me? Quem? Mas, como ficou longo o seu prefacio, mandou meu editor que alguem passasse-o a limpo, até o tamanho que convem.
“Ah é, me’rmão? Que cara de pau, hem? Pois bem! Então nenhum auctor me venha pedir, que, alem de orelha e de resenha, não faço mais prefacio p’ra ninguem!”
DISSONNETTO PARA UMA MENSAGEM DE APPOIO [2045]
Escrevo, caro Glauco, para appenas lhe dar os parabens, pois ninguem tem coragem de se expor ante as hyenas do jeito que você se faz refem. Os outros se repetem nas amenas bobagens, mas seus versos mostram, sem o minimo pudor, aquellas scenas que nunca contariamos a alguem.
Você tem valentia, a gente nota. Vazar tudo em sonnetto o valoriza
ainda mais, no olhar de quem lhe pisa no callo da cegueira e faz chacota.
“Bacchana a fé, me’rmão, que você bota! Muitissimo obrigado pela força, mas, mesmo que um amigo por mim torça, mais pode quem me poda e me boycotta...”
DISSONNETTO PARA UMA VELHA PERGUNTA [2046]
Accerca do motivo por que escrevo perguntam-me outra vez... Respondo ja: si espero, na cegueira, ser longevo, para mactar o tempo não será. Ganhar dinheiro? Fama? Não me attrevo a dar dessas respostas. Quem as dá até pode ser franco, mas relevo seu nome só na lapide terá. Escrevo porque, cego, ja não leio. Escrevo porque entendo o que me soa. Si abuso, ao versejar, do nome feio, é para não fallar, na rua, à toa. Escrevo e não me drogo, nem me macto. Escrevo em primeirissima pessoa. Escrevo porque vivo, e fico grato ao verso, ja que a vida não é boa.
DISSONNETTO PARA A PLETHORA SONORA [2053]
Embora eu seja actor muito doado e versos meus declame, quando o show tem alto o som, eu perco o rebollado e muito attordoado logo estou. Um cego tem ouvido ja treinado, mais fragil e sensivel: mal me dou direito de elevar o tom num brado poetico, e a pauleiras não mais vou.
Até no ouvido posso sentir dor! Os amplificadores, a guitarra, os echos electronicos, são farra à qual nem me convidem, por favor!
À musica, sim, tenho o meu amor.
Ainda um rock eu amo, mas reduzo nos phones o volume, pois confuso fiquei si sou ouvinte ou fingidor.
DISSONNETTO PARA UMA RECUSA IRREFUTAVEL [2151]
Devido a serio trauma que soffri, sahindo à rua, dia desses, quero pedir perdão a todos, mas daqui por deante, a quem chamar, serei sincero: Não topo! Não acceito! Recupero a tal “privacidade”: resolvi ficar em casa! A chance é egual a zero que eu saia, até si ganho um Jaboty!
A um hermitão alguem ja me compara! Pensando bem, ao premio eu comparesço, sinão paresceria desappreço por uma estatueta honrosa e rara. Até que reflecti, mesmo: Tomara! Mas, como tal hypothese affastada está, posso dizer que não, que nada me leva, então, na rua a pôr a cara.
DISSONNETTO PARA A TEMPTAÇÃO DA OBSTENTAÇÃO [2255]
Eu tenho um compromisso com o Alem que alguns não entenderam. De covarde chamaram-me. Queriam ver si eu bem cumpria aquillo de que faço allarde: Um cego que se humilha e que não tem pudor nem nojo, lambe o pó que encarde os tennis dos rapazes, chupa quem quer tel-o sob os pés toda uma tarde. Não faço, no tesão, nenhum segredo. De facto, eu puz, porei, na bocca um penis tão sujo quanto a sola que, dum tennis, lambesse, e o que me impede não é medo, tampouco dos sanctinhos arremedo. É mystico dever: comprometti-me, em troca dum secreto mas sublime futuro, a não ceder. Mas quasi cedo.
DISSONNETTO PARA UMA QUEBRA QUE SE CELEBRA [2280]
A todos communico: agora accabo de ultrapassar a marca que commove qualquer pesquisador, e ja me gabo de não haver quem tanto assim desove! Refiro-me aos sonnettos: que comprove quem queira contestar! Leva no rabo! Dois mil, duzentos e septenta e nove deixara Belli, em nome do Diabo! Porem, amor eu tenho à minha pelle. Assim, sem fazer pacto com o Demo, nem ser temente a Deus, que um Pae não temo, supero aquelle numero do Belli! Taes numeros não haja quem cancelle! Agora nem me importo si ‘inda chego aos trez, aos quattro mil, pois meu sossego não vem, nem que um milhão de paus eu felle!
DISSONNETTO PARA UM VERBETE VIRTUAL [2379]
Ao menos neste poncto está concorde commigo toda a midia: a quantidade, por mais que aos invejosos desaggrade que um cego batta o bellico recorde. Em vez de celebrarem que eu engorde o saldo belliano e nem metade da marca alcance algum outro confrade, só cedem ao desdem, que o beiço morde. “Pascenza!”, é o que diria o proprio Belli. Emquanto a malta ladra, a caravana dos bardos fescenninos salva a pelle e quem nos censurou é quem se damna. Que contra mim algum censor appelle! Que eu faça cem sonnettos por semana o Demo quer. Que um cego se rebelle deseja Deus. Desdenha quem se enganna.
DISSONNETTO PARA QUEM É DO RAMO [2544]
Ficou fora de moda a boa fada, aquella que fazia sempre o bem e só nas nossas vidas intervem nas horas em que a foda está empattada. Si, agora, por soccorro a gente brada, seremos soccorridos... Mas por quem?
Ja sabem: pela bruxa! Ella é que tem poder de nos tirar duma enrascada!
Aquella que em soccorro ca nos vem, ou pode tudo, ou nunca pode nada!
Si a bruxa é boa ou má, ninguem tá nem ahi: nos interessa é que ella é dada com Lucifer, mais forte la no Alem!
Do Mal é que queremos ver livrada a vida! Com poder não ha ninguem melhor, pois, que o Demonio, em sua alçada!
DISSONNETTO SOBRE OUTRO EXTRANHO NO NINHO [2764]
Morei no Rio e nunca me occorreu cruzar com um famoso: a cruzar vim com outro maldictão egual a mim, Sampaio, o que calou o Zebedeu. Com Raulzito Seixas bem se deu, mas era mais sambista, por assim dizer, que quem no rock achasse um fim, um meio, ou um inicio, esse plebeu. Botou bloco na rua, mas não quiz ficar indo ao programma do Chacrinha o resto da vidinha, é o que elle diz. Seu samba é differente, pois não tinha, assim como o Roberto, ou como o Assis, origem carioca, ou como a minha. Meu pappo com Sampaio deu feliz noção de não seguir nenhuma linha.
DISSONNETTO SOBRE UM PEREGRINO RECOMFORTADO [2917]
Cansei! Sinceramente, ja cansado estou de padescer! Alem do Alem dispuz-me a percorrer, a ver si alguem podia me adjudar! Tudo baldado! Então, de Deus recebo este recado: “Emquanto me endereças teu amen, terás alguma adjuda! Porem nem cogites que Satan veja teu lado!”
Assim quiz o Destino: de esperar cansei por um auxilio do Senhor e ao Demo lamentei-me deste azar, de tudo que me faz tão soffredor. Queixei-me deste fardo cavallar.
Batata! Nem accabo de lhe expor meu drama, Satanaz vem me adjudar e, em troca, quer, dos pés, só meu fedor!
DISSONNETTO SOBRE A SOBRA INEXGOTTAVEL [3024]
A sopa, si tomada na panella em lentas colheradas, tem magia. Mais vezes a colher no caldo enfia a gente, e nunca o nivel desnivela. Incrivel! Não accaba! A gente gela a sobra e, ao requental-a, principia de novo a se fartar! Dia appós dia, mantem-se a quantidade dentro della! Não vale despejar duma só vez num pratto, nem tirar porção maior que a dose da colher, sinão... desfez! Ninguem queira saber nada de cor! Não venham com a formula vocês, si a magica funcciona! É que, ao redor de cada colherada, a liquidez ondula, accalma, e está jamais menor.
DISSONNETTO
SOBRE UMA SAHIDA HONROSA [3038]
Tentei diversas vezes, mas prometto agora a serio, mesmo, e a mim appenas: vou logo apposentar-me e, nas pequenas coisinhas roptineiras, só, me metto. Em publico, mais nada. Algum sonnetto, talvez, ja não milhares ou centenas. Desistam os que esperam ver-me em scenas pornôs de novo, em cor ou branco e preto! Completo meus sessenta em vinte e nove de junho, onze passados dos dois mil, e encerro. Ninguem disso me demove! Jamais, de novo, um transe tão febril! Que posso fazer para que isso prove? Columnas, só as mantenho emquanto o vil metal não me offerescem. Si não chove dinheiro, é que ao poder não fui servil.
DISSONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [3083]
No tumulo em que o luso está sepulto quer elle que o moleque toque bronha, que o namorado de castigo ponha a moça, alli estuprada sem indulto. Que o puto chucro e que o malandro estulto alli forniquem sem siquer vergonha. Que alli se beba e fume até maconha. Que o satanista faça alli seu culto.
Mais pede Senna aos vivos: que a creança vadia nessa pedra deite o mijo, zombando de quem nunca alli descansa. Eu proprio com tal satyra transijo.
Vou pondo os meus fetiches na ballança e estou de pleno accordo! Assim, exijo na lapide que deixem a lembrança da marca: a sola suja e o phallo rijo!
SONNETTISTAS DE CASA [3086]
Supponha-se um inglez, que compuzesse mil elizabethanos, no rigor do metro, ou que um francez, dos mil auctor no verso alexandrino, em livro os desse. Melhor: um italiano, que enlouquesce e accyma dos de Belli quer compor, tambem petrarchianos, no que for formal, mas fescenninos... Que accontesce? Por certo elle será considerado, no minimo, um prodigio! Caso esteja privado da visão, é “Bravo!” o brado. Trophéus lhe serão dados de bandeja. A coisa muda, aqui por este lado, pois, sendo um brazileiro, que verseja à margem do poder e do mercado, milagres não fará, veja ou não veja.
MIXTOS MYTHOS [3093]
Papae Noel? É claro que accredito! E até no lobishomem, no vampiro!
Você não crê nos astros? Eu prefiro ainda mais da lua cheia o mytho!
Não dizem que ha galaxias no Infinito?
Não dizem que ha bacteria, germe, viro? Podia eu responder que não adhiro, que lendas são tambem, que as não admitto!
Exsiste, sim senhor! Exsiste tudo: sacy, buraco negro, homem da neve, a charta que é um espirito que escreve, a quantica, o dragão, o ogro pelludo!
Si nada disso houvesse, da mais breve piada, do mais serio e novo estudo, dos quadros que retractam Deus desnudo, ninguem se lembraria! Exsistir deve!
VICIOS VITALICIOS [3103]
“Parou por que? Por que parou?”, me indaga o amigo. “Me disseram que você cansou de ser poeta! Mas por que?”
Respondo: Não! Não dá! Paresce praga! Parei foi de esperar que alguem me traga e leve, em casa e em publico, me dê carona até um estudio de tevê, um palco, um recital... Passei a vaga!
Durante estes dez annos, ja dei chance ao premio, à midia, à critica, ao mercado.
Não ha quem de ser trouxa não se canse! Preciso me valer, olhar meu lado! Conhesço o meu objecto, o meu alcance!
Só dão proveito e fama a appadrinhado mettido a auctor de conto ou de romance!
Mas ser poeta não é premio, é fado!
PROMESSAS PREGRESSAS [3107]
No fim do anno passado, um desaffio me fiz: como quem para de fumar, tambem eu vou parar de sonnettar!
Questão só de attitude, orgulho, brio! Si eu mesmo no meu tacco não confio, ninguem no pantheão dará logar a um bardo cujo sujo linguajar succumbe a mero vicio doentio!
“Vou só, por despedida, neste mez final, exaggerar na comelança, sabendo que, em janeiro, entra a excassez e menos gorda fica a minha pança...”
Da boa mesa sempre fui freguez. Então, sem me importar com a ballança, comi e compuz sonnetto... Ora, vocês desculpem, mas ninguem dos dois se cansa!
TEMPO DESCOMPASSADO [3124]
“Que estou fazendo aqui?”: quando eu escuto Ernesto Nazareth, me vem à mente, inevitavelmente, essa premente questão, e fico cada vez mais puto. Adoro aquella musica: desfructo dum clima oitocentista, quando a gente que bem compõe não tinha concorrente no tal do “verso livre”, que é fajuto. Por isso me questiono: eu não pertenço aos finiseculares novecentos!
Estou no errado seculo, é o que penso. Descreio do que sopram esses ventos. Do novo linguajar não me convenço. Si fossem verdadeiros os talentos poeticos e os criticos bom senso tivessem, ao meu caso eram attentos.
SATYRICO TIRESIAS [3127]
Mas, gente, é muito facil ser propheta! Exemplo: para o proximo Natal prevejo uma catastrophe, tal qual aquella que, ‘inda agora, nos affecta! O mesmo no anno novo: outra concreta, fatal calamidade natural, com muito morto e damno material, é coisa que um vidente ja interpreta.
Perguntam “Onde? Quando?” e eu logo lembro: nalgum paiz da America Latina; será no finalzinho de dezembro, à parte gente morta na chacina.
“Tambem algo em janeiro? Algo em novembro?”
“Alguem famoso morre?” E eu, com divina visão, adviso: logico, algum membro das Lettras, é o que um cego vaticina!
MILAGRE DOS QUEIJOS [3128]
Ja fiz a experiencia, e me deleito! Deixei na geladeira a caixa, quasi vazia, dos queijinhos: foi a base da magica... e não é que fez effeito? Comptei só dois queijinhos quando deito... Accordo, olho la dentro... e nem ha phrase que exprima o que encontrei e me extravase o expanto! Meia duzia! Olhei direito? Durante a noite, a caixa multiplica o queijo que foi feito de “semente”, e nisso é que consiste a minha dica! Ninguem seja da magica descrente! Ninguem seja quem tudo verifica! Aquelle que, fominha, experimente a caixa exvaziar, frustrado fica, pois acha o que deixou: papel, somente!
SILENTES AMBIENTES [3134]
Nem só malassombrado é um casarão: tambem appartamentos podem sel-o. Amigos meus me contam que o cabello lhes fica arrepiado si alli vão. Aonde? Na avenida São João, bem juncto ao Minhocão: tem pesadello quem mora nesse apê. Desperta e, pelo barulho, é como a tampa dum caixão. Rangendo, a porta batte! Mas não ha janella aberta ou vento! Ora no quarto do lado, ora na salla... e um susto dá! Por causa disso, alguem morreu de infarcto. Nem quero questionar o que será. Sei la, nenhuma hypothese eu descharto. Si fosse o morador, me mudo ja ou digo: “Vem! Me macta, que estou farto!”
LINGUA QUEIMADA [3143]
Serviram um pastel de Sancta Clara (que é feito, por signal, com muita gemma) no cha da Academia. Si o problema previsse, aquelle velho o recusara. A massa, que é folhada, não lhe para na bocca e se esphacela. Bello thema, flagrar o que um poeta occulte e tema: deixar-se lambuzar por toda a cara! Migalhas no nariz e até no queixo mixturam-se ao recheio amarellinho que excorre pelos beiços! Que desleixo! Peor, só si fizesse este ceguinho! Commigo, não! Jamais me desallinho! Scismado, nos saraus appenas deixo que queijos me offeresçam, com bom vinho! Não saio, não, por nada, do meu eixo!
PECCADO PEDAL [3458]
Provoquei um bafafá porque fallo do chulé, confessando que me dá mais tesão que um beijo, até. Houve gente que viu má compostura e viu má fé: que, ao Islam, offendo Allah; que, aos judeus, trahi Javeh. Menos, menos! Não trahi nem offendo, quando a nu ponho tudo! Exsiste ahi exaggero no tabu!
Ha quem goze, attentem só, num buraco de tatu, cafungando num loló e do Demo beije o cu!
INFERNO INTERNO [3522]
De distancia muito pouco tem um genio dum maluco. Louco, appenas, fica rouco de berrar, como no truco. Tambem pode ficar louco quem na marra vira eunucho ou quem, cego, mudo ou mouco, soffre e sorve o amargo succo. Si a fatal loucura affecta, como algum mais normal mal, um ceguinho que é poeta, facil sabe-se, affinal: Si meus dias eu termino como pariah social num hospicio, é que o destino quiz tornar-me genial.
MASOCHRISTICAMENTE IRMANADO [3528]
Irmãos meus, em verdade é que vos digo: calae-vos, acceitae o soffrimento! Vos digo que o Senhor fallou commigo e, logico, confirma o que eu sustento! Affirmo: do mais perfido inimigo, sim, deste soffrereis o mais nojento, mais sadico, mais sordido castigo possivel: comereis seu excremento! Reitero, meus irmãos, este recado humillimo! Humilhae-vos sob a sola suada, suja e grossa, que elle atola mais fundo nas pocilgas do peccado! Sim, como vosso irmão é que vos brado e insisto: si estiverdes, de joelhos, com practica, a chupal-o até os pentelhos, é certo que estarei do vosso lado!
MENESTREL SEM ESTRELLA [3544]
Quando eu paro e penso, entendo por que temo um caranguejo: sou de cancer, nome horrendo que é meu signo malfazejo. Si antes pouco estava vendo, eu agora nada vejo. Mas reflicto e comprehendo por que nunca tive ensejo. Cinco mil sonnettos faço, quer em livros, quer em zines, e ninguem me cede espaço no mercado nem no Guinness! Si eu nascesse inglez, francez, e estivesse nas vitrines, meu horoscopo talvez desse sorte e um thema aos cines...
PESADELLO DANTESCO [3705]
O demonio que apparesce para a gente, em sonho, é tão horroroso que uma prece nós fazemos contra o Cão! Mas si alguem, de dia, desse uma olhada nos que estão a adjudar quem enriquesce, mudaria essa impressão!
O assessor dum deputado, um banqueiro, um empreiteiro, do bandido um advogado ou um caro marketeiro são disfarses que Satan, sempre eximio trappaceiro, veste, logo de manhan, mas, à noite, é o verdadeiro!
DISSONNETTO DA MAÇAN [3780]
Reconhesço que Satan offeresce à gente um pomo, mas nem sempre foi maçan: só depende do que eu como. Si eu prefiro, de manhan, degustar, gommo por gommo, uma lima, meu affan facilita o Cão, e como!
Descascada ella apparesce, como alguma que bem calha, de surpresa! Ou rezo a prece, ou, fatal, vejo a fornalha!
Por maçan meu enthusiasmo não moveu nenhuma palha nem chegou a dar orgasmo. Assim sendo, o Demo falha!
CONFRATERNIZAÇÃO FAMILIAR [3887]
O antigo appartamento é um labyrintho. Ainda original é o mobiliario e, caso a um templo gothico eu compare-o, attesta seu estylo que não minto. Attraz da bibliotheca, outro recincto se occulta: é pela porta dum armario, secreta, que se chega ao sanctuario satanico. O ambiente é bem distincto. Paresce até que eu sempre estive la, assim como em Turim ou em Salem...
Alli se reencontram, no sabbath, da casa os moradores com alguem que chega e sae incognito: la está! No centro duma roda, elle está bem disposto: nem paresce que fez ja milhões de anniversarios... Eu tambem.
PECCADO INFERNAL [3991]
O Diabo, quando espeta, no trazeiro, um peccador, do tridente é, bem na recta do cuzinho, aguda a dor! Mas a bicha, que incorrecta ser bem sabe, quando for para o inferno, tem por meta esse garfo empalador!
Tudo é muito relativo...
Cada qual por si decida!
Eu, portanto, não me privo de nenhum prazer na vida!
Si do Demo o peido fede mais que fossa na avenida, um masoca até lhe cede a bundinha dolorida...
FIM DO FESTIM [4000]
Não exsiste melhor data, si este outubro chega ao fim, do que aquella que arremacta meu festejo: o Halloween.
Ja nem fallo dessa chata
molecada; fallo, sim, dos bruxões, da velha natta
satanista, minha affim.
Harry Potter que se foda!
Sua auctora tambem va!
Eu commigo tenho toda a familia, no sabbath!
No fundão do meu armario
(Rosemary morou la) abrir novo itinerario
uma falsa porta irá!
POESIA CONCRETA [4014]
Tem “visualidade” meu poema?
Tem “visibilidade” seu auctor?
Um delles a terá, seja qual for, comtanto que seu thema nada tema. Com olhos livres ver, eis o dilemma: eu posso, si quizer, ver qualquer cor num verbo e, nelle, um verso, ao me suppor poeta e ao me proporem um problema.
“Visivel”? “Visual”? Faz differença a alguem cuja visão não é concreta, si é nitida a palavra de quem pensa?
Hem? Como tal dilemma se interpreta? Eu vejo com poetica licença. Eu vejo cada lettra, a curva, a recta, na mente, ora minuscula, ora immensa. Ver tudo, sem ser visto, é ser poeta!
QUESTÃO CONTROVERSA [4023]
“Fulano é um polemista!” Quem commenta pretende elogial-o. A mim, comtudo, taes typos não convencem. Não me illudo: “polemica” é só prosa barulhenta. Prefiro crear algo que accrescenta mais numero e valor. Não fico mudo si sou desaffiado, mas me escudo no verso, que perdura e se sustenta. Palavra debattida é folha ao vento, que o tempo annulla e macta: só me attrevo a dal-a por escripto a alguem que enfrento e dar satisfacções a mais não devo. Si vae ou não virar um monumento, si está gravado em baixo, alto relevo, não sei, mas é na pedra que o momento do embatte se eterniza no que escrevo.
ARCHIVO VIVO [4031]
Fechada a decada, um cyclo encerro e expurgo livros, pois falta espaço. Mas, quando as ultimas pilhas faço, um anagramma me chama, ao berro: “Você me exquesce, mas eu não erro seu nome, Pedro José! Devasso fui como auctor deste grosso maço: José Sylveira da Pedra-Ferro!”
Lembrei-me, então, do meu velho nome de guerra em lettras, jamais usado, entre mil outros de falso fado, pois surge o Glauco e o ciphrado some. Talvez mais tarde esse occulto lado resurja e ao Glauco o logar lhe tome, até na mesa em que o bardo come, mas Pedra-Ferro, esse está archivado.
O PHANTASMA CAMARADA [4032]
Adviso eu a vocês! Si for preciso manter-me numa cama hospitalar, por muito ou pouco tempo, ou me operar, de appenas uma coisa eu os adviso: Não quero sentir dores! Desde o siso, que tive de extrahir, ao ocular martyrio do glaucoma, a supportar dor venho, vendo advesso o paraiso! Alguma analgesia a medicina precisa offerescer! Sobre meu hombro não joguem dor maior! Quero morphina! E então? Nenhum dos medicos opina? Não pode um velho cego ser excombro do orgasmo! Allivio exijo à aguda signa! Ou tantas dores algo as elimina, ou, morto, eu volto e juro que os assombro!
EPIGONOMASTICO [4036]
Brincando de anagramma, fiz um rol das possibilidades do meu nome civil, e este nenhuma lettra come:
Padre Sade Feijó Serra Virol. Tentei outros primeiro, mas, em prol do genero que os versos me consome, achei um virulento, que me tome por clerigo e, pois, sadico de excol.
Serei Glauco Mattoso sempre, é claro, mas, quando necessario for, terei um typico heteronymo, um mais raro, com cara de villão, fora da lei.
Em meio a tantos outros que eu encaro, talvez mais proprio seja o que encontrei, talvez mais legendario, até, do faro podolatra, cruel, masoca, gay.
PRETO NO BRANCO [4113]
Que eu tenha o sobrenome de Ferreira da Sylva, que é tambem do Virgulino, não causa expanto algum, sendo destino commum a muita gente brazileira. Mas, caso de outros dados alguem queira saber, e quando os factos examino, descubro que o bandido nordestino estava, num dos olhos, com cegueira. Glaucoma tambem teve Lampeão, molestia que, supponho, a ponctaria em nada lhe affectara no olho são nem sua vida activa affectaria. Bandidos, todos somos, todos são. Commigo algo em commum a mais teria aquelle cangaceiro: uma visão normal da crueldade, noite e dia.
CADASTRO NACIONAL DOS POETAS JUBILADOS [4115]
“Pessoas” somos, “physicas”, duzentos milhões! É só “juridica” uma empresa! Pessoa sou, e assim me sento à mesa, palestro e participo dos eventos! Mas fico puto quando alguns jumentos, na hora de pagar-me, manteem presa a grana! Uma pessoa está indefesa, pois, sem “nota fiscal”, perde os proventos! Peor é quando querem “quebrar galho” e pedem que um terceiro passe a nota!
Ahi que mais me offendo! Então não valho? Sou cego e apposentado! Minha quota exijo como gente! Meu trabalho é verso e não commercio de chochota! Não pago nem recebo si caralho eu chupo, nem si lambo um pé de bota!
CADA MACACO NO SEU TACCO [4116]
Tambem me deixa puto alguem que vem pedir que eu participe dum evento fallando de outro auctor, por mais attento que esteja eu aos que a ver commigo teem. Ja muito pelas lettras fará quem fallar sobre si mesmo! Eu me contento si posso interessar quando commento meus proprios versos e elles entreteem! Dos outros, pois, que falle um professor, um critico! O poeta, sendo cego, fará rir si fallar da sua dor! Me chamem para isso, e eu me encarrego de expor-me e à gargalhada alheia expor meu rosto: a ser palhaço não me nego, nem quando, no auditorio, um gozador gargalha si nas rhymas excorrego!
ORAÇÃO DO PAGÃO [4117]
Satan, que estaes no Inferno, seja o vosso prophano nome egual a zero e esteja bem longe o vosso reino desta egreja na qual rezo, desfeita, ja, em destroço! Pão fresco, todo dia, não vos posso pedir, que não me venha, de bandeja, aquelle que admassastes, nem cereja no bollo pedirei, Padrasto Nosso! Tambem não vou pedir que perdoeis as dividas que temos pactuado ha seculos, por meu antepassado, tamanha a temptação que offeresceis!
Só peço, ó Satanaz, estar zerado: livrar-me de cumprir as vossas leis; trocar, por meia duzia, seis seis seis; quitar, ficando cego, o meu peccado!
PEDROS NO CAMINHO [4135]
Sou Pedro, sim senhor, e si você tambem é Pedro e orgulho tem de si, será, como poeta, alguem que ri da propria sorte e em nada serio crê. Embora eu seja alguem que ja não vê, bastante coisa neste mundo vi. Que um Pedro foi apostolo ja li, alem de imperador... É o que se lê. Mas temos um xará, tambem pornô, tambem prophano arteiro do tabu, que, assim como Bocage, pau no cu metteu da sociedade, outro Rimbaud. Constancio é o sobrenome desse cru cantor, Pedro José, feito um avô dos Pedros actuaes, que fez cocô em publico e se expoz, posando nu.
A VINGANÇA DO ATTIRADOR [4144]
Qual logico e são cerebro duvida que esteja attormentado quem se macta? Si os outros victimaram-no, é batata que seja um revoltado o suicida. Comtudo, caso alguem que vae decida levar comsigo os outros, ja se tracta de surto, não appenas da insensata façanha de quem tira a propria vida. Algozes, tive muitos, por ser cego, podolatra, poeta, ou por ser gay.
De quem me boycottou odio carrego e desse vão rancor somente eu sei.
Porem ao desespero não me entrego, pois, quando me mactar, não mactarei ninguem: irei sozinho. Só lhes lego meus versos: isso os pune, é o que tramei.
REUNIÃO DA COMMISSÃO [4154]
Jurados, combinemos o seguinte: si o cego concorrer, não premial-o de jeito nenhum! Vamos embromal-o!
Depois o preterimos com accincte! Na lista finalista, que entre os vinte figure, permittamos... Mas no callo pisemos, p’ra que, quando dão gargalo os dez primeiros, elle ja não pincte!
Quem manda ser pornô, ser fetichista, fazer de diversões seu torpe parque?
Com duras consequencias, então, arque! Jamais elle entrará na nossa lista!
Ainda que recordes elle marque, neguemos chance ao cego sonnettista! Da nossa parte, nada elle conquista!
Só vale premiar Chico Buarque!
BONDE FOGOSO [4163]
Si, quando me queimei, ardeu-me o dedo, ja posso imaginar o que tu vaes sentir si eu te puzer fogo! Que mais deleita um bruxo sadico sem medo? Te admarro e liberdade não concedo, ainda que me implores! Infernaes e ardentes labaredas, que jamais sentiras, sentirás! E ainda é cedo!
Primeiro, deleitar-me aos poucos busco com essa scena quente que me inflamma e, emquanto a pelle allivio ja reclama, em ponctos isolados te chammusco!
Depois que me chupares (e quem mamma não chora), accenderei, num gesto brusco, o isqueiro que illumina o luscofusco, cantando “Sobe, chamma! Sobe, chamma!”
DO JEITO QUE O DIABO GOSTA [4406]
Um soropositivo está casado com soropositiva. Vão à festa os dois, onde não entra quem detesta a troca de casaes. Tudo é pensado. Rolleta russa fazem, pois o estado dos outros é normal. Quem pegar esta doença, vae passando e, assim, infesta, aos poucos, todo mundo, que nem gado. Os jovens do perigo teem noção diversa. Alguem mais velho não se arrisca, mettendo-se, qual bispo, com a bisca, deliberadamente agindo, não! As nymphas, com seus satyros, são isca e o proprio Dionysio amphitryão, mas goza, no final, somente o Cão, que vibra a lingua, emquanto um olho pisca.
TERRITORIO TRANSITORIO [4454]
Si longa for demais a minha estrada, talvez nem haja tempo de voltar. Si houver, voltar aonde? A qual logar pertenço? Algo acharei, voltando, ou nada? Na duvida, prosigo. Penso, a cada momento, si na vida vou deixar alguma coisa prompta e, quando o par de botas pendurar, si a coisa aggrada. A vida passa rapido! Me enganno achando que algum plano poderia bollar, pois muda tudo, ao fim dum anno, e exquesço de fazer o que fazia. Ephemero demais é o ser humano. Melhor, mesmo, é prever uma utopia mensal, ou semanal, cumprindo um plano a cada minutinho do meu dia.
VALLE DE LAGRYMAS [4465]
O dicto diz que, para morrer, basta estar vivo. Verdade. Mas tambem é facil de occorrer o azar, alem da morte... e, de desgraça, a lista é vasta. Queimar a mão é simples, mas contrasta curar a queimadura: a gente tem que olhar para a folhinha. Caso alguem o braço quebre, tempo maior gasta. É sempre assim: na hora da desgraça, as coisas accontescem num instante, um olho, que Satan pisca, perante. Na cura, não: o tempo nunca passa. Malefica, a tendencia triumphante caminha sempre à frente, feito caça que excappa ao caçador. Que ninguem faça idéa de que a guarda o anjo garante!
CHUTOMETRO ACADEMICO [4466]
Garrett teria dicto que claudica Bocage quanto à metrica e que rhyma, talvez, forçadamente. E quem se estima, pergunto, este ou Garrett? E quem mais fica? Do meu “pornosianismo” uma pudica mineira disse o mesmo e que obra-prima não faço como allego. E se approxima, indago, ella do Almeida, ao dar tal dica?
Mal sabe a professora que claudico só quando quero e forço a rhyma tanto ou menos que Bilac, um caso rico! Milagres não farei, pois não sou sancto! Só faço poesia, não critico! Que lesse meu tractado e, tendo expanto com minha perfeição, fechasse o bicco! Mas, ja que criticou, mais me allevanto!
PEDIDO REPETIDO [4469]
Tambem você me pede, amigo, que eu escreva de seu livro alguma nota, resenha, orelha... a lista não se exgotta! Prefacio, até postfacio, lhe occorreu! Desculpe si estou cego e si este breu me impede de attender, pois quem adopta a machina fallante tem a quota bem curta e largo tempo ja perdeu! Si até recuso a amigo mais chegado, não posso, assim, abrir um precedente, e creio que você me entende o lado! Lhe peço que insistir, então, nem tente! Espero que você tenha sacado. Desejo-lhe successo, amigo, e crente esteja de que, emquanto me degrado no breu, você, enxergando, está contente!
COLLEGAS ÀS CEGAS [4525]
Um gancho, um admarrilho, uma presilha; a mascara, a colleira, a algema, a venda. É logico suppor que nada entenda do emprego disso o publico “baunilha”. Dum sadico jamais se desvencilha quem entre nesse circulo e se prenda a tudo que machuque, aggrida, offenda os ethicos conceitos da familia.
A Dona, a Mestra, a Mistress, a Rainha; A “sub”, a gueixa, a escrava, a serva, a ancilla:
nenhuma quer ter sorte egual à minha. Não! Sem ver nada, alguem se rejubila?
Alli, quem tem visão não se apporrinha. No clube, um cego serve e nem vacilla: emquanto um macho sadico o expezinha, Sansão se sente, aos pés duma Dalilah.
TOSSE SECCA [4551]
Padesce dessa tosse que não passa o cego, esse estressado! Elle que engrosse a voz esganniçada, se alvoroce tossindo e sossobrando na desgraça! Assim, passando susto, elle que faça exforços successivos quando a tosse subir, nos seus accessos, caso coce, em secco, a chorda sordida e devassa! Sim, desassossegado estou à bessa, sciente do que disso ouço, possesso: Que soffra! Que soccorro o cego peça ao sancto, si quizer, mas sem successo! Nos surtos dessa tosse que não cessa, não fosse essa fumaça que, confesso, só serve de consolo, a safra dessa soltura me assoprava pelo sesso!
PRIMEIRAS INTENÇÕES [4568]
Faz tempo eu num pezão a mão não passo! Eu ora me pergunto: Por acaso alguem de mim tem medo? Ora extravaso: Eu mordo? Acaso arranco algum pedaço? Às vezes penso: Às favas! Que devasso me julguem! Não darei mais nenhum azo, em casa, a visitantes si, por prazo que seja breve, os pés não lhes abbraço! Daqui por deante, a todo rapagão que venha entrevistar-me, pedir quero que acceite uma massagem no pezão e ser bom massagista lhe assevero! Serei despreparado na funcção? Até vou advisando: Mal, dum mero e simples therapeuta, a nua mão não faz! Ou não estou sendo sincero?
A PORTA VINGATIVA [4670]
Sahiu, batteu a porta. Entrou, tambem. Ignora o sonnettão parnasiano que falla em maldicção. Mas qualquer damno aos outros elle tracta com desdem e batte a porta. Batte, firme, nem que seja às dez da noite ou, salvo enganno, até de madrugada. O tal do “urbano silencio”, diz, é “coisa de gay zen”. Echoa em todo o predio o barulhão. Coitada da avozinha, da tithia!
Até que, certa tarde, a ventania empurra a porta e prende, delle, a mão. Os dedos, no battente, quebram. Mia o gatto ou foi seu grito? Os outros dão risada. O zelador, um cidadão pacato, elle tambem se delicia.
SUPERSTIÇÃO SUBESTIMADA [4734]
“Sou foda! Sou marrento! Sou marrudo! Si alguem me questionar, nem me molesto! Só pedra eu não attiro em cego! O resto eu faço e me lixando estou p’ra tudo!” Assim disse um malandro. Não me illudo: um gajo desses pensa até no incesto! Jogava, com certeza (eu proprio attesto) pedrada num ceguinho carrancudo. Achava-se que pedra, si attirada num cego, attrahiria a maldicção, pois bruxos de nós muitos sempre são, mas hoje não influe a praga em nada. Ao menos é o que pensa o marmanjão que adora appedrejar-me e dá risada si accerta a ponctaria: aguento cada cascalho! E o cara a rir, como dum cão!
CIRURGIA ESPIRITUAL [4781]
Perdeu-se na memoria em que anno aquillo commigo accontesceu: operação espirita, em que o medium tem a mão guiada por um medico, a assistil-o. Deitei-me num divan e, sem vacillo, o medium, meio medico, razão mostrou ter ao dizer-me, de antemão, meu quadro exacto: “viu-me”, a seu estylo. Mexeu, sem verter sangue, bem no centro dum olho condemnado à atroz cegueira. Senti que me cortava, la por dentro. Achei que isso não fosse brincadeira. Mais fundo nessa mystica não entro. Visão, eu não ganhei, mas não me cheira fajuto aquillo: ainda me concentro no assumpto, nem da morte estando à beira.
SIGNA DIONYSIACA [4906]
“Poeta não se inspira! Elle transspira!” A phrase não é nova: ja foi dicta de muitos modos. Numeros, os cita quem falla em porcentagens para a lyra. Noventa, ou mais, por cento: ha quem confira assim o grau de exforço. Em dez limita o grau de “inspiração”. Portanto, evita suppor que baixe um demo em quem delira. Eu fico dividido na questão, que deve ser polemica divina. Me sinto um apollineo porque opina meu lado racional, mas não sou tão. Nem sempre o raciocinio predomina, porem: quando o commando é do tesão, à sanha subordina-se a razão e a signa subordina a disciplina.
NINGUEM ZOMBE DA HECATOMBE [4910]
Segundo o kalendario maya, o mundo accaba no anno proximo! Seria aquella a americana prophecia, egual ao texto biblico iracundo? Não para por ahi, porque, segundo o livro desse povo, o Alem envia catastrophes de quando em quando e, um dia, a historia recomeça... É astral, no fundo!
Não um Apocalypse, mas a fonte de cyclicas catastrophes! Será que alguma salvação ja não nos ha e a Terra tem tão pessimo horizonte? Mas, seja como for, o que virá surpresa não nos causa, caso compte a gente com a porra desse monte de merda accumulada que aqui está!
THEORIAS ATTRAZADAS [4911]
Segundo o “Popol Vuh”, livro sagrado dos mayas, nosso mundo não termina appenas uma vez: sua ruina repete-se aos millennios, feito um fado. Tentando interpretar esse legado, alguns estudiosos da divina e kosmica mensagem, que os fascina, se fazem portadores do recado.
Querendo ou não querendo, um dia accaba o mundo, a humanidade, a natureza, a fauna, a flora, a janta alli na mesa, emfim, tudo que morre ou que desaba.
Nenhuma creatura excappa illesa dos cyclos. Si voltarmos para a taba, de gosto Satanaz é quem se baba e alguem, na NASA, exquesce a luz accesa.
IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]
Paresce recorrente esta questão: Resiste a poesia? Resistente seria a tudo e todos? Ou somente alguns poetas podem ser, ou são? Respondo por um cego que a visão perdeu e revoltou-se: o bardo sente a dor mais dolorosa, o sol mais quente, o amor mais amoroso e o chão mais chão.
Si amar é resistir, resiste a lyra. Si odeio quem me opprime, ella resiste.
Si anxeio ver, resiste quem delira. Quem versos faz nas trevas não desiste.
Real é, mesmo sendo de mentira.
Em summa, resistente por ser triste, ou mesmo quando alegre, o bardo tira de lettra a dor, da lagryma faz chiste.
JOGANDO O JOGO DO JUGO [4999]
Bem antes que o glaucoma cause estrago total e que meu olho deixe cego, com outras morbidezas eu me pego ja desde cedo e dellas trauma trago. Myopia, astigmatismo... Quando cago, o exforço até me engasga! Tusso, offego, e às vezes nada faço! Não sossego à noite e, pela casa, insomne, eu vago. Disseram-me: ser cego é meu castigo. É these dos espiritas, que eu logo abbraço, masochista, ca commigo e, como menestrel, tambem advogo. Missão toda cegueira traz comsigo. Si a regra desse jogo é dura, eu jogo com ella. Pago o preço, mas me obrigo a solas lamber: gozo, emquanto rogo.
PAUSA PARA UM PIGARRO [5000]
Sonnettos, sonnettilhos... Sonnettando, completo eu, neste outubro, outro milhar. Estou, nesse terreno, a palmilhar por annos, uma decada... Até quando? Mostrei, me repeti, sob o commando de sadicos demonios, que logar meresce quem allega se humilhar a todos que, enxergando, o estão zoando. Agora, a gravar varios me disponho num microapparelhinho digital, em cujo manuseio sou bisonho, mas compto com adjuda fraternal. Ja menos, neste instante, estou tristonho. Quem sabe, assim, um poncto (não final, mas pausa dando) eu ponha nesse sonho insano, nessa lyrica infernal.
PASSIVO E REFLEXIVO [5008]
Momentos ha na vida em que confesso bastar-me, não por causa duma excolha, pois vejo-me tal como a secca folha, cahida, e ja do galho me despeço. Mas faço, solitario, algum progresso naquillo que me basta, caso encolha a perna e do pé passe a mão na bolha formada no trajecto que attravesso.
À guisa de punheta, pelo meio dos dedos me tacteio, de “molambo qualquer” me chamo, e até de nome feio. Às vezes, me enthusiasmo, fico bambo e quasi caio, nesse meu recreio.
A musica conforme, eu valso ou sambo: meu proprio pé, cansado, massageio e minha propria bota, afflicto, lambo.
CRENÇA SUSPENSA [5024]
Na roça, um céu de estrellas é bonito. Novella sem estrellas não tem graça.
Bilac, ouvindo estrellas, tempo passa.
Rennó lê nas estrellas algo escripto.
David, pelas estrellas, foi bemdicto.
De esquerda, enchem estrellas uma praça.
Natal exige estrellas: que Elle nasça!
Maldicto, em más estrellas accredito.
Estou cego, não posso mais revel-as, mas lembro-me das ultimas que vi:
brilhavam, scintillantes, taes estrellas e tinham brilho proprio, de per si.
As minhas, foi Satan quem, rindo, fel-as. Chamadas de “escotomas”, bem aqui, no fundo do meu olho, as vi: foi, pelas fugazes, breves luzes, que em Deus cri.
OLHO CLINICO (1) [5026]
Pergunta-me um blogueiro como alguem se sente um escriptor, si exsiste um jeito seguro de saber. Eu não receito a formula, pois acho que não tem. Costumo comparar, e ao caso vem, as lettras à doença, o livro ao leito, pois, creio, cada caso é um caso: eu deito com febre; um outro deita mesmo sem.
Não é como o mechanico, o engenheiro, que segue de instrucções um manual e faz como os demais, desde o primeiro, sem ser um paciente terminal. Sem medico, sem mesmo um enfermeiro, o facto é que não temos hospital poetico... Qual critico é certeiro? Nos automediquemos, pois, do mal!
TECLADO SOBRECARREGADO [5054]
Qualquer computador, horas a fio usado, cansa e estressa um usuario. Na machina fallante, é necessario mais tempo ainda e muito sangue frio. Eu gasto, no meu, tempo demais! Chio, praguejo: não ha nada que compare o trabalho na cegueira ao mais primario serviço! Mais eu faço, mais addio!
Por isso, até me offendo quando alguem, querendo publicar o seu canhenho, me envia a porra toda. Acha que tenho disponibilidade? Ninguem tem!
Mal leio minhas coisas, si me empenho ao maximo! Então, como alguem me vem com textos kilometricos? Eu, hem? Nem mesmo opino sobre alheio engenho!
FADO REALIMENTADO [5062]
Eu gosto quando alguem bom (como o Solha) de prosa e verso é franco ao commentar meu livro, emphatizando o duplo azar dum cego sem orgulho nem excolha. Eu quero (sem nenhum pudor que tolha seus termos) que o leitor perca o pesar, que perca seu escrupulo ao fallar do assumpto, não se cale nem se encolha. Preciso saber disso, necessito saber que quem enxerga normalmente se sente livre, emquanto eu vivo afflicto, temendo o que me venha pela frente. Por isso cito o Solha, alguns eu cito. Desejo, emfim, saber que alguem se sente feliz por não ser cego e ri do grito que eu solto, caso os olhos me appigmente.
RIJO DE MIJO [5064]
Chamar de “picca” ou “pau” me dá vergonha! Melhor chamar o penis de “menino”.
Assim, ja me accostumo e me previno: “brincar com o menino” é batter bronha. Si acaso eu a brincar não me disponha, assanha-se o menino, que é ladino e fica a dar pullinhos quando urino, não volta para dentro. E o que elle sonha?
Não sonha, só: delira! Quer brincar de heroe, de superhomem, de galan, de athleta, de rockeiro e superstar! Quer tudo ser, tomado dum affan de satyro, de macho cavallar!
Às vezes, só se alegra si é Satan ou Sade, si de alguem quizer gozar...
Mas dóe-me, ao levantar, pela manhan!
SONNETTAR E COÇAR, EIS A QUESTÃO [5077]
De amigos escutei que alguem commenta a minha posição na poesia, dizendo que à exhaustão eu ja teria levado o sonnettismo. Gente attenta! Procede essa attenção, mas, aos sessenta, ainda não parei. Que eu gostaria de ter levado, é claro! Quero, um dia, dizer que o fiz, que nada se accrescenta. Depois de alguns milhares, dez ou vinte, talvez à conclusão chegar eu possa de, emfim, tel-o exgottado, e com requincte, com meu estylo, minha propria bossa. Evito commetter algum accincte. Não creio que, comtudo, nesta grossa e vasta producção, tal chance pincte. Emquanto eu não morrer, mais um me coça.
EXAME DE CONSCIENCIA [5280]
Pae nosso, que no Inferno estaes, que nome vos posso dar? De sancto, não, é claro! Não venha o vosso reino a nós, meu caro Papae, si infernal fogo vos consome! Vontade, caso seja a vossa fome de sadicas vinganças, eu declaro que tenho medo della! Não é raro topal-a pela frente! E o bicho come!
Aqui na terra, a gente pede pão e leva pau no rabo! Eu devo o cu e os olhos, propriamente, em termo cru, mas, quando vos imploro, choro em vão!
Cahir em temptação virou tabu!
Peccar não tem siquer a redempção!
Que faço, então? Vos peço algum perdão?
Ou mando-vos dar rabo a Belzebuth?
DESLUMBRAMENTO DE MOMENTO [5281]
Milagres, ja vi muitos, de pequeno alcance, porem. Vi que uma ferida sangrenta cicatriza. Vi que a vida vegeta até num arido terreno. Vi coisas expantosas, e condemno quem acha que não chocam: a subida do leite na fervura, a suicida disputa entre barattas por veneno. Mas nunca vi milagre no glaucoma, que cega lentamente, e ja descharto tambem o accidental e agudo infarcto, que macta mesmo aquelle que bem coma. Nenhum milagre exsiste quando um parto normal resulta em obito e se somma à morte de animaes num ex-bioma. Milagres não exsistem! Estou farto!
ESTRESSE QUE CRESCE [5285]
Estou quasi dormindo, aqui sentado em frente do teclado. Dez por dia, no minimo, eu digito. Quem diria?
Assim, logo dou compta do recado! Que compta? Que recado? Sonnettado eu tenho febrilmente. Essa mania terá que terminar! Só me entedia, com somno, sonnettar... Ah, si me enfado!
Aonde irei parar? Aos seis, aos septe milhares? É demais! Não, não pretendo!
A gente se repete e se remette a assumptos que ja vivem recorrendo!
Sonnetto não é vinho nem chiclette!
Mas, quando uns tantos delles vou relendo, percebo que variam, sem que affecte, em nada, a compulsão da qual dependo.
O TEOR DO TERROR [5296]
Fallando de temores, eu receio aquillo que outros temem mas ninguem admitte: assombrações que, desde o Alem, nos venham demonstrar que o inferno é feio. De bem intencionados está cheio o inferno, diz o dicto. Mas, si vem puxar o nosso pé de noite alguem, na certa boa acção fazer não veiu. Não venham me dizer que, de vocês, nenhum seu pé puxado teve um dia, ou uma noite, ao menos uma vez, ao menos em secreta phantasia!
À parte esses devotos do Marquez, caveiras, eskeletos, nem seria preciso termos visto, mas quem fez pesada digestão ja se arrepia!
DISSONNETTO DUM EMINENTE ANTECEDENTE [5301]
Com os classicos talvez mais famosos eu convivo: o Alexandre russo fez seu poema narrativo. Em sonnetto, é minha vez de contar, e não me privo. Meu “Raymundo” acham vocês pornographico, offensivo? Que se suje e se malandre com vulgar pornographia ninguem falla do Alexandre, que uns obscenos escrevia. Mesmo sendo “baixo” e chulo quando o sexo se sacia, meu romance, ao que calculo, faz maior a poesia.
DISSONNETTO DUMA ACCUSADORA LEITORA [5303]
Não entendo a minha musa! Ella, às vezes, me perdoa, outras vezes só me accusa de ser pessima pessoa! Lhe dedico algo que abusa da chulice e que appregoa violencia? Ella confusa se revela e me magoa! Ora falla que mal fiz, que fui sujo trovador, que o poema era infeliz, sem proposito ou valor...
De repente, ella relê tudo e falla, sem pudor: “Seu fodão! Amo você!”
Que mais posso, então, suppor?
DISSONNETTO DUMA FÉ DE MENOS [5343]
Eu rezei, ja, certa vez, quando ainda visão tinha. Implorei, vejam vocês, pela graça da sanctinha! De orações fiquei freguez e a fazer promessas vinha. Mas a propria vida fez que eu mudasse depressinha. O glaucoma se aggravando, em quem tantos males barra eu ainda creio, quando a cegueira, emfim, me aggarra!
Crente a gente teima em ser no que a Biblia sempre narra, mas Satan tem o poder de meu olho abrir na marra!
DISSONNETTO DUM MARTYROLOGIO MUNDANO [5345]
Na folhinha todo dia tem um sancto e todo sancto padesceu duma agonia, que dó causa em qualquer cantho. Quando joven, eu só lia de martyrios caso tanto para olhar como soffria cada sancto, com expanto. Admirava-me a assumida penitencia, que commento tantas vezes, de quem lida com o proprio soffrimento. Hoje assumo: sou masoca. Disso faço assumpto bento. Si me pisam, lambo, em troca, mas ser sancto eu jamais tento.
DISSONNETTO DUMA CAUSA INADDIAVEL [5384]
Que é que eu faço? Estou afflicto!
Donde tiro esse dinheiro?
Perco o emprego? Me demitto?
E meu carro? Encontro inteiro?
Candomblé? Não accredito!
Mago? Bruxo? Feiticeiro?
Chamarei Sancto Expedito!
Esse é mesmo milagreiro!
Admanhan, si não me enganno, delle é dia, meu irmão!
Com fervor, aqui me irmano aos fieis que pedir vão.
Não! É hoje! É para agora!
Corra! Faça-lhe oração!
Quem adjuda não demora!
Quem demora adjuda ao Cão!
SOGRA QUE LOGRA [5511]
Não posso accreditar! Então exsiste um dia para a sogra? Quem será que teve tal idéa? Algum gagá? A delle, fallescida, o deixou triste? Em vida, rabugenta, dedo em riste, a velha admeaçava. Agora, dá saudade a voz daquella bruxa má, coitada, sempre victima dum chiste. Talvez seja injustiça o que ja della fallaram: delirava, ardia em febre, surtava... Quem propoz que se celebre seu dia, tem razão, e ao senso appella. Jamais foi bruxa. Nunca num casebre morou, nem fez feitiço. Ainda bella, por cyma, foi, mas tarde se revela. Tabus, ha quem os lembre e quem os quebre.
CADA MALACO NO SEU MALHO [5554]
É vario o vicio: em pinga ha quem se affogue. Rockeiro que se preza ama a maconha.
Não passa um bom pornographo sem bronha.
Absintho deixa um bardo meio grogue.
Ainda nos cavallos ha quem jogue.
Nos bichos quem apposta sempre sonha.
Nenhum anarcho achei que não se opponha.
Um hacker tem perfil falso e tem blogue.
Não joga dominó quem joga dado. “Teenager”, nos taes “games”, ninguem batte.
Não sabe ser masoca quem é sado.
Jamais um torcedor engole empatte.
TV tem fan que vê só seriado.
Chocolatras adoram chocolate e, emfim, no dissonnetto é viciado o cego que, na insomnia, virou vate.
EM PENTA PINCTA A PONCTA [5555]
Scarlatti fez quinhentas e cincoenta e cinco sonatinhas para cravo.
Eu quero a mesma marca, mas aggravo o exforço, si addiciono mais um penta. São cinco, cinco, cinco, cinco! Aguenta alguem tanto algarismo? Eu, cego, travo combatte em dissonnetto, o bruto e bravo conflicto, desde os nove dos noventa.
Foi, quando comecei, aos poucos, quasi utopico, impossivel, tal recorde.
Agora superei aquella phase, mas faltam muitos ponctos que eu abborde. Relogios haverá que eu não attraze?
Missão cumprida? Resta que eu engorde ainda mais de dados esta base?
Não creio. Como Milton, clamo: “Oh, Lord!”
PENNIPOTENTE MITHRIDATISMO [5559]
Bobagem! Invejoso, eu? Imagine! Inveja nunca tenho, de ninguem! Mas, para ser veraz, pensando bem, só tenho da Renata Pallottini... Talvez do Antonio Cicero, tambem, a ter uma ponctinha até me incline, pois, desde os velhos tempos de fanzine, eu ja me questionava: Quem não tem?
Qualquer auctor que entrar p’ra Academia Paulista ou Brazileira me provoca
inveja, mas benefica, si, em troca, fé faço que tal vaga lhe cabia.
Rancor só sinto quando se colloca la dentro algum politico que allia vaidade e incompetencia à villania. Cadeira de immortal não é baldroca!
CONCUPISCENTE EXORCISMO [5564]
Foi sadico! Foi tetrico! Foi tão erotico, grottesco! Foi funesto!
Peor que um fratricidio, que um incesto!
Foi hallucinação! Foi possessão!
Delirio. Pesadello. Uma sessão
espirita. No leito, o mortal resto fodendo-se, fedendo de indigesto banquete diabolico, ou pagão.
Erecto cajadão. Funebre foice.
Carnal, lubrico, lugubre caixão.
Cadaver. Eskeleto. Assombração.
Sepulchro. Tumba. Cova. Alcova. Alcoice.
Um corpo. Um corno. Um caso. Um casco. Um coice. Maccabra gargalhada. Voz dum cão.
Um ai! Um eia! Um murro. Um urro. Um não.
Me venho! Vou gozar! Finou-se! Foi-se!
TREZ DESEJOS [5565]
Ouvi de meu demonio: “Tu possues direito a trez desejos!” Da primeira vez, classico pedi para ser. Crus calões poz-me Satan na penna arteira. Pedi, pela segunda vez: “Jesus, som quero nos meus versos, com inteira orchestra philharmonica!” Fiz jus ao peso dum rockeiro na pauleira. Restou-me um só pedido. Ja deduz alguem que aos céus pedi que de maneira nenhuma me cegassem. Urubus mais sorte teem, visão teem mais certeira. Castanhos os meus eram. Os suppuz azues, si cor pedido for: “Zeus queira!” Quiz Juppiter: meus olhos são azues, opalla, mas opaca, na cegueira.
CLAUSULA TESTAMENTARIA [5604]
Tractado tenho sido como mero ceguinho que verseja, mas confio, tranquillo, no meu tacco, tenho brio. Resisto, creio, ao crivo mais severo. Por isso deixo claro: chance zero
terá quem, só depois que eu desça ao frio sepulchro, homenageie-me, eu que chio:
-- Não quero premios posthumos, não quero!
Recuse meu herdeiro, não permitta qualquer typo de evento onde alguem queira, do morto, celebrar esta cegueira maldicta, a minha mystica maldicta!
Alguem em mim achou qualquer certeira visão da poesia? Alguem me cita ja como um immortal padrão de escripta? Meu rosto observe, e não minha caveira!
COCEIRA NA SOBRANCELHA [5609]
Ainda sou dos olhos soffredor. Um globo vem doendo muito, mas demais mesmo. Nem posso mais, em paz, coçar a sobrancelha, que dá dor. O outro olho ja murchou e de suppor seria que me desse tregua. Faz que quieto fica agora, mas la attraz ardia. Admanhan, torna a arder... Que horror! Suppuz que, consummado o seu estrago, cegando-me, faz tempo, por completo, o sadico glaucoma agora quieto deixasse meu olhinho, mas divago. Não basta nos cegar, commigo trago a dura conclusão. Do que interpreto me resta só mais isto de concreto: Da vida não fugi porque sou mago.
TORPES LABÉUS [5610]
Chamaram-me do que era maldicção chamar, pois disso nada nos protege: satanico, prophano, bruxo, herege, sacrilego, blasphemo, atheu, pagão... Disseram que pornô sou e que não accapto uma moral, essa que rege os versos e valores bons elege...
Disseram que só fallo palavrão.
Resalvo que, comtudo, um porem ha naquillo que me accusam de fazer.
O furo mais abbaixo um pouco está pr’aquelles que me querem entender: Meu sonho usar a lingua, sim, será, mas não para fallar e sim lamber! Sim, quero abrir a bocca, mas me dá vontade de que nella achem prazer!
IDYLLICO COLLYRIO [5611]
Que bello pesadello, gente, eu tive! Paresce paradoxo, mas explico: sonhei que eu enxergava bem e rico de cores era o bosque em que eu estive. De verdes, tons diversos, inclusive nas aguas da lagoa, verifico que tingem esse parque. Perto, um picco rochoso o delimita, no declive.
Não quero despertar, pois si desperto percebo que estou cego de verdade.
Sim, quero me mactar, e ninguem ha de fazer-me desistir, eu lhes allerto!
De novo ja addormesço. Ja bem perto estou de libertar-me desta grade maldicta da cegueira. Ja me invade o verde do jardim, a céu aberto.
BONS DONS [5631]
{Pertences, Glauco, a alguma dessas seitas? Que tu te julgas bruxo ou mago, ja fallaste disso muito. Mas vem ca, responde então: Por que não te approveitas? Protege-te! Te vinga das desfeitas! Te cura da cegueira, que tão má tornou a tua vida! Jeito dá na cama que te cabe e em que te deitas! A fama que meresces, por que não a crias? Por que editas sempre por pequenas editoras? Hem, Glaucão? Serias o maior, hoje, escriptor!}
-- É facil explicar. Minha visão perdida compensar vou no que for possivel. Tu não notas, mas estão commigo os deuses. Tenho um defensor.
PACTO INEXACTO [5637]
{Carissimo Glaucão, aqui quem falla leitor é dos seus versos! Eu defendo, na minha these, que você se eguala ao caso de John Milton, caso horrendo! Mas elle se salvou, naquella falla devota, pela acção divina! Vendo tal caso, constatei que sua valla cavou o proprio Demo, como entendo! Pretendo demonstrar que foi Satan quem pacto lhe propoz, no qual compensa as trevas com sonnettos de malsan lascivia, de poetica licença...}
-- Não é sua pesquisa assim tão van, mas este pormenor não se dispensa: Satan nada propoz. Sendo meu fan, appenas concordou com essa crença.
IDÉA DE GERICO (2) [5639]
{Glaucão, te considero o meu guru, accyma de qualquer outro! Consentes que eu tenha tal noção, Glauco? Sim, tu, somente, tem idéas coherentes! Não, Glauco! Olavo, Lula, são tabu, agora, para mim! Só tu não mentes! Lamarca, Marighella, até Dudu, Carlucho, todos são inconsequentes!
Dispenso Hitler, Franco, Mussolini! Nem leio mais Kardec ou Sartre, meu guru! Qualquer poema teu define meu mappa astral, satanico ou atheu!}
-- Ainda que em mil casos eu opine, bobagem é seguir-me. Você deu bobeira. Mas suggiro que me urine na bocca, pois, masoca, assumo o breu.
NOME FEIO [5670]
Mulher, que feiticeira seja, leva um nome que nos soa meio feio na lingua portugueza. Aqui nomeio Gertrudes, Hermengarda, Genoveva... Commum nesses paizes onde neva, tal nome, quando o citam, ja receio a praga, a maldicção, o manuseio de philtros e venenos, temo a treva. Mas tudo suggestão se nos paresce. O nome Geneviève, si em francez chamado, bello fica. Acham vocês que a bruxa agora até rejuvenesce?
Talvez eu faça ao Demo minha prece, por isso me equivoco nos porquês. Mas sexta-feira, treze, todo mez de agosto, uma mulher me reconhesce.
PARA JUBILO DE JUPPITER [5675]
A Zeus eu rezo, um dia appós um dia, emquanto, ainda lucido, me deito (mas ja sem ver nenhuma luz) no leito e peço que me macte. É o que eu queria. Me macte ‘inda dormindo, Zeus! Podia ser desse modo magico. Meu pleito não é tão descabido: tinham feito os deuses coisa assim, sem agonia. Fallar ouço dum gajo que se deita sem nada sentir, mesmo sem ter dor nenhuma, sem ter sido portador da chaga, sem de cancer a suspeita. E morre elle, feliz! Si Zeus acceita a minha prece, eu juro: quando for, a hora de encontral-o, “Meu Senhor!
(direi) Ja de Satan não sou da seita!”
LEUCOPROPHILOS THEOLOGOS [5845]
{Hem, Glauco? O “beijo negro” não é dicto da bocca duma bruxa alli no rabo do Demo? Ora, pensando nisso, accabo chegando a reflexões que não evito... E o cu de Deus? Ninguem beija? Accredito que delle só beijaram a mão! Brabo ficou si lhe quizeram dar no nabo um beijo que entesasse... Estraga o rito! Hem? Thema theologico, Glaucão! Você não acha authentica a proposta de nisso nós pensarmos? Não apposta que muito se discuta tal questão?}
-- Apposto. Mas não vejo um bom christão querendo do Senhor provar a bosta. Talvez um peccador queira, si gosta de caro pagar, antes do perdão...
GALLERA DA CHIMERA [5873]
Amigo meu desfaz dos marginaes: “Poetas marginaes jamais o são. Ou todos os poetas o serão, ou delles nenhum é mais que os demais.” Sim, vale sophismar, pois nossos paes nas lettras, os philosophos, nos dão noção dum quixotismo fanfarrão naquelles aos quaes somos tão eguaes. Não, “livre pensador”, “independente”, “maldicto” ou “libertario” pouco diz
daquillo que fazemos. Por feliz me tenho si disserem mal da gente. Si dizem que, na lyra, a gente mente, nos honram. Mais ainda si, gentis, disserem que sonhamos. Qual juiz fará maior justiça a algum demente?
BLUES DOS MEUS BREUS [5900]
Dormi. Quando accordei, esta manhan, achei extranho: triste nem fiquei. Dormi. Quando accordei, esta manhan, mais triste nem fiquei. Por que? Ja sei! Alegre estou. Nem penso nessa van carencia da visão, em ser o rei na terra dos ceguinhos, pois Satan commigo fez um pacto, uma astral lei. Si sinto muita falta da visão, tacteio o meu sapato, onde procuro a meia que está dentro. Nesse escuro, do cheiro della augmenta a proporção. Blueseiros, muito tristes todos são. Lhes falta alguma coisa? Alli, no duro, não falta, mas precisam do perjuro motivo p’ra fazer uma canção.
MISCELLANEA SUPPEDANEA [5935]
Com minha propria lingua (assim eu brado) suppuz ser puxasacco, dando um tracto debaixo duma sola de sapato usado por politico saphado. Tambem com minha lingua (Não me evado da culpa: sou masoca, assim constato!) dei tracto, qual cachorro num pé chato, debaixo duma bota de soldado.
Com minha lingua, ainda, fiz eu cada sessão de lambeção (Não é bravata!) na sola dum artista da mammata adepto! Mas ninguem por mim dá nada! De lingua até farei a deslavada cunnette num pastor que desaccapta Jesus e de Satan é diplomata, mas sei que elle prefere bruxa... ou fada.
MEME DA VERRUGA [5939]
Si for um condyloma, bem no cu se forma, mas na cara a coisa faz estrago mui maior, seja rapaz ou moça: a gente fica jururu. Ninguem acha bonito um rubro, cru caroço pela testa, nem appraz no queixo ou no nariz um que, aliaz, paresce uma castanha de caju.
Imagem foi da bruxa mais fiel aquella nariguda, com verruga immensa, batatuda, alem de ruga no rosto todo, um typico pastel.
Agora a mulherada faz papel de fada maquillada, mas sem fuga possivel da velhice, essa que estuga o passo com o tempo, que é cruel.
MACHINA DO TEMPO [5940]
No tempo em que eu ainda via, vi Ginsberg elogiando, em oitentista registro, o SGT. PEPPER’S. Não despista o bardo sobre aquillo que ergo aqui. “Jamais reviveremos phrenesi egual ao da cultura sessentista!”, assim diz um nostalgico, que lista as magicas conquistas. Respondi: {Exsiste retrocesso, ou é só phase? O mundo não caminha para traz.
Appenas num sentido gyra. Mas ha sempre quem fascismos extravase. Por mais que recuemos, será quasi sem gaz a pregação das fadas más. A menos que espelhemos Satanaz na farsa antichristan dum guru nazi.}
ESCRIPTA RESTRICTA [5968]
À practica do verso sei que calho, mas vejo muito auctor que na garrafa encontra inspiração e não se sapha de achar, entre dois goles, um attalho. Aos poucos, vae mudando o seu trabalho.
Jamais um escriptor dactylographa. Agora só digita, sem estaffa. Assim é que calculo quanto valho.
À machina saphei-me de escrever, e à mão, por me faltar calligraphia.
Ao menos de teclar tenho o dever. Mas acham os que fazem poesia que sabem compor versos sem os ler alheios. Quem só tecla, a si plagia. Ao cego, seu teclado dá poder de mago ou de quem faça bruxaria.
MISCELLANEA SOBREHUMANA [6001]
Poderes, todos querem ter a mais. Na Terra vida eterna si não temos, ao menos desfructemos como os demos, ou como os outros meros animaes!
Exsistem mais sentidos? Sim? Mas quaes?
Não somos, mesmo, deuses, mas queremos levar nossos instinctos aos extremos.
No maximo, causamos alguns ais.
O anxeio de imitar Mathusalem nos leva a muitos calculos erroneos.
Na practica, o segredo é manter bem activos os hormonios e os neuronios.
São velhos e saudaveis os que teem fodido e versejado, qual demonios. A mim ainda facil tudo vem à mente. Deixo ao corpo os meus hormonios.
MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012]
Na Terra a gente passa. Alguem se salva? Pensando no Neil Diamond, tambem faço a minha lista branca neste espaço. Mas fica a Terra, fica a Estrella d’Alva. Lamarca, Lampeão, Senna, Tancredo, Chacrinha, Tiradentes, Golbery, Golias, Calabar, Noel, Loredo, Dolores, Irman Dulce, Hebe, Dercy, Millor, Filinto Müller, Azevedo, Elis, Nara, Raul, Satan, Fleury,
Getulio, Janio, Plinio, Figueiredo, Garrincha, Ary, Vavá, Jobim, Didi, Cazuza, Padim Ciço... cada, a dedo listado, de passagem por aqui, seu prazo consummou, mais tarde ou cedo.
Inglorio ou não, meu tempo não perdi.
MEME DA BICHA MACONHEIRA [6048]
Qualquer coincidencia não é mera. Si está faltando assumpto, na novella, no templo, na campanha, a quem se appella?
Aos homosexuaes! Tambem, pudera!
Quem é que a propaganda mais paquera?
Quem é que deixa a bunda na janella?
Quem é que, em Portugal, usa a panella?
Quem é que, travesti, vira panthera?
É o gay, que em tudo expalha seu aroma!
Um padre, ou um pastor, com elle sonha.
Seu beijo, na tevê, mais ponctos somma. Por elle os candidatos battem bronha.
Tem fama, seja em Roma ou em Sodoma, tamanha, que o Demonio se envergonha.
Alguem deseja até que o cu lhe coma a bicha mais adepta da maconha.
LITORGIA [6091]
Faz tempo que não fallo com a bruxa. Agora a pego, calma, bem de jeito. Pergunto o que, commigo, ja suspeito. E a missa negra? A velha desembucha: {Ah, Glauco! Cê ja sabe disso, puxa! A gente colla a bocca alli, direito nas pregas. Passa a lingua, num effeito de lixa. Sim, de esponja. Até de bucha. Descrevo um movimento circular lingual. Algum volume está adherido às dobras. Que engolir eu nem duvido si tenho. Satan deixa sem limpar. As outras tambem querem o logar. Então eu cedo. Fico vendo. O ouvido sons capta, borbulhantes. Tá servido, Glauquinho? Faltou coisa a perguntar?}
MATTOSALEM [6094]
Disseram-me que muito viverei por ser considerado bruxo, mas ter mais longevidade não me faz nem principe dos lyricos, nem rei. Não sei si vou viver muito. Só sei que eterno compromisso o verso traz si for o nosso thema a Satanaz entregue e si seguirmos sua lei. Até que thematizo o Demo, sim, mas não com toda aquella gravidade. Por isso é que elle sempre persuade a bruxa ao “beijo negro”, não a mim. Provei, sim, seu chulé. Nem tão ruim achei, pois, affinal, sou fan de Sade. Mas, para alguem tão velho, Satan ha de convir que menos fede que um pé “teen”.
SATYRESIAS [6095]
Facillima se faça a prophecia na bocca do ceguinho que propheta se torna si tambem for bom poeta. Componha pessimista a poesia! Si for hoje peor nossa agonia à de hontem comparada, se interpreta bem facil o porvir: mais nos affecta a mesma dor um dia appós um dia. Si fosse exactamente a mesma dor, nos accostumariamos ao mal.
Da proxima vez, nunca a dor egual será, porem mais forte, é de suppor. Sinão, não tinha graça! Assim, si for auctor dalgum oraculo fatal, você exaggere muito o mau signal, ou não será das trevas portador.
LICENÇA POETICA [6108]
Não, Mestre! Estás errado! Faz favor! As coisas não rollaram nessas datas!
Chequei na Wikipedia! Tu retractas eventos duvidosos, trovador!
Magina! Acceitar lendas? Só si for!
Tu fallas numa praga de barattas, em monstros, lobishomens que, nas mattas, expalham entre todos o terror!
Si formos percorrer esse caminho, nenhuma fonte serve mais, poeta!
Só falta tu dizeres que Pateta exsiste, Pernalonga, Gasparzinho...
Me mandas, menestrel, catar coquinho?
Não percas teu humor! Sei que incorrecta foi tua citação, mas nada affecta o nosso colleguismo, o meu carinho!
VAZIA PROPHECIA [6109]
Preciso dum conselho seu, querido! Estou preoccupadissimo com essa noticia de que a Atlantida attravessa a sua maior crise! Faz sentido?
A Atlantida affundar vae? Eu duvido!
Boatos ouço, Glauco, agora à bessa! Fallei com Orichalco, que promessa me fez de desmentir tal allarido!
Tambem Timeu me disse que isso é lenda! Não vamos affundar, coisa nenhuma!
Mas caso você, Glauco, algo presuma, me diga! Versões falsas não defenda!
O reino durará? Na minha agenda só faltam dez millennios para alguma catastrophe! Entrementes, se accostuma a gente? Que você me recommenda?
FAKEPEDIA [6113]
Checada a Wikipedia, a razão dista dum dia mundial do livro, ja que tal coincidencia aqui nem ha com Shakespeare e Cervantes que resista. São datas que divergem? Não insista o burro consulente! Quem dará as ultimas palavras? Quem está errado? Qual palpite mais despista? Não é que elle exsistiu ou não exsista. O caso é que precisam exsistir rejuvenescimento de elixir, as magicas poções, e toda a lista. Vampiros, lobishomens, a sarrista figura de Satan, ou dum fakir em pregos pondo os bagos, a sorrir. Quem isso mais suppõe perdeu a vista.
PHOTONOMASTICO [6114]
Luzia foi a sancta que perdeu os olhos para a sanha do romano. Tambem posso de Lucia, sem enganno, chamal-a, mas christão nunca fui eu. Não quero suggerir que seja atheu, nem, quanto aos céus, que a Lucifer me irmano. Appenas constatei que, si meu damno na vista me deu nome, esse rendeu. Não sou Glauco Mattoso, pois, à toa. Mas, por coincidencia, quem me adjuda postando meus archivos na grahuda estante virtual, tem visão boa. Por isso tem de Lucio tal pessoa o nome. Quem meu caso grave estuda concorda, crendo em Juppiter ou Buddha, que Lucio um som de luzes bem echoa.
SENSIVEL DESNIVEL [6116]
Você me criticou porque eu sorri?
Tem gente, ja, a morrer que nem formiga?
Que quer, meu caro Glauco, que eu lhe diga?
Direi, então, appenas: E dahi?
Emquanto cago ou faço o meu xixi, eu penso: tanta gente minha amiga nem é! Não sou do typo que se liga nos outros, nos extranhos! E dahi?
Hem, Glauco? Lhe incommoda si eu sorrio? Mas, sendo um masochista, cê devia até commigo sua phantasia erotica ter, como eu desconfio!
Caralho! Que foi isso? Um calafrio senti, Glauco, nas costas! Que seria? Dos mortos será mesmo que energia emana? Ah, mas que pappo doentio!
HASHTAG VAMOS DANSAR [6122]
Estamos é fodidos! Um maldicto ja disse “E dahi?” para a freguezia que morre de montão na pandemia!
Nós vamos nos foder, mesmo, bonito! Fodamo-nos, então, Glauco! Nem cito você, que tem fallado todo dia na merda! Cito toda a allegoria sagrada, apocalyptica! Haja mytho!
Cocô somos! Cocô comamos, ora! De merda toda a Terra, dentro em breve, será feita! De fome fará greve quem merda não tragar, urina affora! Sim, mijo beberemos! Mas agora, emquanto tal destino não se escreve, podiamos dansar, Glauco! Sim, deve ser quasi meia-noite! Está na hora!
BUZINAS ASSASSINAS [6127]
Em frente ao hospital, a carreata bossal, bozonazista, asco provoca, mas logo attrahirá pragas que, em troca, serão inexoraveis, se constata. Emquanto da Covid alguem se macta ou morre sem soccorro, o bossal choca familias enluctadas com fofoca, com chistes -- E dahi? -- Mas chega a data!
Na data da vingança, a praga pega avós e paes de cada bozonazi que, quando terminaes estão ja quasi, escutam carreatas: Quem sossega?
Ao som dos buzinaços, um collega dos nazis que, com berros, extravase sadismo rirá: “Fodam-se!” Na base irá tremer ao ver a mãe ja cega.
HASHTAG PROMPTO FALLEI [6143]
Não, Glauco! Jamais faço “lacração”! Nem uso o cellular para fofoca!
Não sou do typo franco, que provoca mellindres, meramente! Não sou, não! Sou muito mais que simples “exemptão”!
Eu fallo bem na latta! Si isso choca, tomar no cu ja mando! Na malloca chamaram de “barraco” o meu jeitão!
Eu digo, mas não digo, simplesmente: affirmo, reaffirmo! Ouviu, amigo?
Aquelle que quizer mythar commigo vae ver como sou firme e contundente!
Sem nomes feios! Nada de indecente, porem! Não sou você, que de castigo ficou la no youtube! Esse perigo não corro! Que Satan me temptar tente!
SADOMATTOSISMO [6146]
Você, Glaucão, extremos concilia. Notei que, sendo sadomasochista, alem de ter perdido sua vista, bem tracta duma ou doutra tyrannia. De esquerda, de direita, você cria a scena mais cruel, emprega a lista das taras e manias, na fascista ou numa social democracia.
A gregos e troianos, pois, aggrada, ou pode ser até que desaggrade a todos que a favor da liberdade se dizem, com a cara mais lavada. Leitor sou seu, Glaucão! Sim, de nós cada um curte dictadura, adora Sade, embora, na fingida sociedade, saibamos que interesses tem quem brada.
HASHTAG TOMA CHOCOLATE PAGA LO QUE DEBES [6148]
Não, Glauco! Te conhesço! Tu preferes dar ordens! Tens character superior, mandão, auctoritario! Tua dor supera a das mais publicas mulheres! Emquanto ver podias, teus mesteres de sadico, seria de suppor, em outros exercias, com fervor orgastico! Confirma, si quizeres! Mas, como cego, nada que exigir tens mais! A contragosto, tu terás que em tudo subjeitar-te a algum rapaz, ou velho, ou molecote que surgir! Bem sabes disso, Glauco! Um elixir que tomes, ou poção, que tanto faz: precisas é dopar-te! Então capaz serás de supportar como um fakir!
HASHTAG FOI MAU [6152]
Foi sua maldicção, cego damnado! Agora que recluso totalmente ficou pela cegueira, você sente inveja dos que estão em bom estado! Por isso é que, Glaucão, me desaggrado com sua bruxaria! Pela frente eu vejo tudo, luzes, cores, crente na vida, no futuro, no passado! Você, não! Por estar ja no degrau mais baixo, dependente, em casa fica rancores remoendo! Quer que zica egual todos tenhamos, e babau! Quer todos affundando nessa nau comsigo! Sei que a Juppiter supplica por essa quarentena! Ah, Glauco! Picca tomar deve no rabo, ouviu! Foi mau!
CHORDAS SYMPATHICAS [6154]
Intriga-me esse evento que se entende como uma “vibração por sympathia”.
Então alguma chorda poderia tocar sozinha? A coisa lendas rende! Alem dos casos mythicos, alem de contactos demoniacos, seria possivel uma simples melodia soar por mera acção dalgum duende? Me explicam que, tangida a chorda tal por dedo dalgum musico, um egual som brota de instrumento musical alheio que ninguem toque! É fatal! A simples vibração é replicada por magica, por onda, assim do nada? Então tambem eu posso ouvir, de cada leitor, a minha propria gargalhada!
MEME DO NEGATIVISMO [6157]
Estamos é fodidos, Glauco! Nada se pode fazer para deter isso!
Só perdem tempo, prestam desserviço aquelles que toparam a parada! Crear immunidade de manada nos resta, mas nem ella dá sumiço no virus que, mutante, ja mestiço será pelas nações, um para cada!
Aos poucos, morreremos! Quem não for agora, Glauco, vae anno que vem!
Mas, caso sobreviva, ainda, alguem, terá tanta sequela, tanta dor!
Não! Pode perguntar a algum doutor!
Vão todos desistir! Não irão nem tentar uma vaccina! São tambem incréus, como você, que é perdedor!
HASHTAG VAE MELHORAR [6162]
Glaucão, vae melhorar para teu lado! Fiquei sabendo -- Puxa! -- que ja alguem inventa, para os cegos, o que vem trazer-lhes visão nova! Puta achado! No cerebro collocam, implantado, um troço leve, electrico! Sim, sem usar seu olho cego, o gajo tem imagem duma lettra! Foi testado!
Não achas que esperança a coisa traz? Não ficas optimista, meu amigo?
Ainda festejar eu vou comtigo! Percebo que animado agora estás! No seculo vindouro, tu serás vidente novamente! Teu castigo findou! Reencarnado, sem perigo dirás que ja não temes Satanaz!
HASHTAG PRAGA DE CEGO PEGA [6167]
Vivias a fallar, Glauco, que estavas no seculo dezoito ou dezenove, não só pela graphia que te move a verve em varias quadras ou oitavas... Agora as nações todas são escravas da tua praga! Até que se comprove haver cura que a vida nos renove, mandamos o futuro para as favas!
Vivamos no passado! Ninguem mais viaja de avião! Para a doença não temos mais remedio! Resta a crença nas lendas e nos mythos ancestraes! Avós seremos, como nossos paes! Seremos saudosistas! Ninguem pensa no novo, só no velho! Recompensa terás, Glauco, mas caro sae, demais!
NECROLOGIO [6200]
Eu todo dia agora ja confiro a lista, pelas midias, de quem morre por causa do corona, Glauco! Um porre eu acho, porque falta a Dilma, o Cyro... Mais gente sempre morre só de tiro, facada, má gestão de quem soccorre os pobres, tal e coisa! Que eu desforre espero, cara! A isso me refiro! Espero ver famosos nessa lista! Cardoso, Collor, Lula, Bolsonaro, Sarney, Cabral, Teixeira... Pô, meu caro! Será que exsiste um sancto que os assista? Talvez Satan, Glaucão! Sou pessimista, si for assim! Só morre (e só me azaro) quem cuida, quem é medico! Um avaro se tranca, mais lucrando no que invista!
LUCIFER JUNIOR [6211]
Eu acho que és tu filho do Diabo! Só podes ser, caralho! Um cego tão pornô, tão bocca suja, nem Adão nem Christo por modello leva a cabo! Si sou teu sancto Pae, eu não me gabo dum filho do teu typo, Glauco, não!
Dizer de mim, caralho, o que é que vão?
Na bocca do povão assim accabo!
Mas sou quem mais, no kosmo, lucifera e em ti me reconhesço, cego puto,
poeta que satanico reputo!
Quem sae, caralho, aos seus não degenera!
És fera tu no verso? Ora, pudera!
Orgulho-me de ti! Ja nem discuto si posso ser comtigo um tanto bruto, pois, mesmo tão fodido, sim, és fera!
RACIOCINIO [6234]
Astral inferno, Glauco, o que será? Será do anniversario o que, um mez antes, passamos em azares torturantes?
Será cada ponctada que nos dá? Será que nos darão noticia má a cada dia, até poucos instantes faltarem para alguns participantes cantarem parabens na hora “H”?
Será que trinta dias de infelizes eventos compensar vão um só dia de commemoração e de alegria? Vantagem haverá, Glauco? O que dizes?
Será que, anno appós anno, taes reprises se fazem necessarias? Que seria dos cynicos astrologos si a fria razão não permittir que brindes bises?
IMMALDICTO [6247]
Responda-me, Glaucão: você se estima “maldicto” (ou “postmaldicto”, va que seja)?
Por que? Só porque está fora de egreja qualquer, das litterarias, ou accyma? Appenas por usar ‘inda a tal rhyma só feita por pouquissimos? Enseja seu estro um tractamento que verseja à moda premoderna, a crear clima!
Mas, Glauco, quem mandou você crear sonnettos, dissonnettos, madrigaes, emfim, a tralha toda que jamais creava aqui quem tenha linguajar? Usar orthographia antiga, achar que tudo incorre em taras sexuaes? Mandei eu, por acaso? Ora, seus ais accabam me doendo, em seu logar!
IMMAGICO [6248]
Responde-me, Glaucão: por que te dizes um bruxo, um mago, um typico propheta?
Appenas porque, cego, ja te affecta a perda dos momentos mais felizes? Appenas porque exaltas os deslises daquelles que na merda mais completa chafurdam e por seres quem sonnetta accerca de immundicies que tu pises?
Mas, Glauco, quem mandou tu seres quem humilha a personagem dum ceguinho?
Quem foi que permittiu-te esse mesquinho direito de, em “missão”, seres refem?
Foi elle? Foi Satan? Quem mais, alem de Lucifer, te inspira? Ah, não allinho meu codigo comtigo! Meu caminho me leva ao céu! Te cuida, Glaucão, hem?
IMMARGINAL [6249]
Não, Glauco, porra! Aqui quem tá fallando sou eu, que marginal sou de verdade!
Eu vivo na peripha! Attraz de grade estive varias vezes com meu bando! Sim, parte ja tomei nalgum commando!
Roubei, até estuprei! Não, ninguem ha de dizer que não practico uma maldade!
Ainda vou mactar! Só não sei quando!
Você não, Glauco! Porra, você só faz versos! Não commette nenhum crime!
Agora vae dizer que, caso rhyme “cocô” com “pornô”, offende? Tenha dó!
Assim, não! Marginal é sua avó!
Meu caso, Glauco, muito mais sublime se torna, pois você só se redime si sobre mim crear o seu rondó!