No navio Le Havre-Santos, 1984
Eu estava num cargueiro, voltando para o Brasil, depois de seis anos em Paris e dois em Maputo. Éramos cinco passageiros. O cozinheiro vinha nos perguntar o que queríamos comer no dia seguinte. Eu me sentia dentro de um filme. Minha cabine é confortável, atapetada, com uma cama grande e um banheiro. Armários, cadeiras, escrivaninha, rádio. Uma biblioteca com livros policiais, uma mesa de tênis, uma sala de cinema, espreguiçadeiras e colchões para tomar sol, máquina de lavar e secar roupa. Sala de esportes. Chá às cinco. Aperitivo às sete. Os passageiros: um casal, ela francesa, ex-funcionária da Unesco, ele argentino, jornalista, desempregado. Ambos com 35-40 anos e uma filha, Sophie, com 3 anos e um sorriso lindo. Um alemão de 50 anos, feio, míope, falando um inglês horrível. No terceiro dia comecei, antes do aperitivo diário com os oficiais, a ler Buzzati, Mystères à l’italienne, emprestado da biblioteca do navio. O navio carrega carros, produtos químicos, alimentos. Comeremos na mesa do capitão todos os dias, juntamente com os oficiais, três homens e uma mulher. O café da manhã do primeiro dia foi simpático. Depois, fomos todos para o sol. Hoje faz frio. Ainda não se pode tirar o pulôver. A francesa tricota. O argentino e o alemão estão ao sol sem fazer nada o dia inteiro. O cozinheiro, magro, de olhos azuis e um olhar terno, vem à noite contar histórias da família do navio. O Petit Louis, chefe dos marinheiros, é bretão e fala um francês enrolado. 143