Liberato e Jenny
Onde barulhos, cheiros, gostos, lembranças? Vocês dois, apaixonados um pelo outro e pela vida. Escreveste muitas cartas para a mãe. Uma delas me impressionou por muito tempo. Dizias que querias morrer junto com ela. Para os meus 10 anos, aquela revelação foi uma grande traição que acabou acontecendo. Coisas da vida. Enquanto Paco dedilha seu violão, lembro para tentar sentir cheiros e gostos infantis, para voltar no tempo. Não é fácil. Fica um cheiro de coisas perdidas, esquecidas. Os restos de bolo cru, os pavês. As muitas sobremesas. O gosto por vinho, música e livros. Lembro de vocês, lendo Sparkenbroke, no jardim do chalé onde passávamos o mês de fevereiro em Capão da Canoa. Dos passeios à tarde para tomar sorvete. Tu saindo do mar com uma touca amarela. O grampo que colocaste na minha franja para que eu tomasse sol na testa. O pai, enorme, à beira-mar, segurando o Eduardo com aquela carinha de bebê comportado. As matinês naquele cinema na travessa ao lado do Hotel Rio-Grandense. A escolha dos filmes que iríamos ver aos domingos. As melancias enormes que compravas. O vinho com água e açúcar das crianças. “La vie en rose” depois do jantar. Jacqueline François, “Les feuilles mortes”, Bach ou Beethoven. Teus pratos enfeitados, jantares com pessoas importantes onde as crianças não podiam entrar. Éramos apresentados a todos e depois tínhamos que ir dormir. Ficávamos até tarde no quarto, ouvindo de longe os risos e a música. 16