Sampa, um dia qualquer, anos 80
Juntar as coerências (ou incoerências) da minha voz pela mão, com a caneta. Esquecer para onde leva a máquina. Tua figura. O não vivido, o não falado, o esquecido. Domingo, os dias se esvaem no vazio. Violões nesse verão que não chega, nesses dias cinzentos, canetas perdidas. Luas. Marcas de facas nos dedos. Cheiro de alcachofra. Pat Metheny, chá com pão preto. Outro domingo chuvoso depois de um sábado com vodca, lembranças de Moçambique, Alice, Fernando e Luiz Antonio. Domingo com Dashiell Hammett, um pouco de Szabo. Depois, uma pizza com Silvia e Iraí. Pêssegos, vontade de aventuras, chaves de vidro. Chet Baker. Sabonete de Araxá. Domingo. O barulho do relógio. Calor, mesas geladas. Escapamentos de ônibus, simpatias. Pedaços de mim. Sol na rua. Cheiro de fim de inverno, bergamotas, sal e sol. Milton. Ar de verão. Há momentos que é melhor não brigar com a vida. São instantes que passam. É melhor se agarrar, com força, nas asas do pato selvagem e deixar as paisagens, voar os sonhos possíveis. A doçura do Semprun. A chuva forte. O sol que cai na montanha. Ouço Milton. O som e a casa quase em ordem. Ouvir de novo Gismonti, lembrando dias de sol em Moçambique, a leveza, a despreocupação, a festa. Saudade de você, menina. Do teu olho arregalado, do teu cabelo loiro caindo na cara, do teu riso-carinho, da tua voz fina, teu olhar desconfiado. Saudade de te ver entrando e saindo, colocando um disco – Roberta Flack, Joe Cocker ou outro qualquer. 166