Roma, 1986
Em Roma eu passava os dias deitada, lendo ou escrevendo, e olhando o início da primavera romana pela janela. Francesco vinha de vez em quando me ver, tomar a temperatura e, depois do jantar, punha um disco e me convidava para dançar. Eu protestava, dizendo que tinha que fazer repouso. Ele me respondia: o médico sou eu. Não faz mal um pouco de exercício. Cíntia passava para ver se eu precisava de alguma coisa. Tomávamos um café juntas. Alice, nos seus 10 anos, me olhava de longe, sem entender por que eu não podia passear com ela. Vai chover. Fim de tarde. Na sacada, olho a vida do bairro. Mulheres com crianças indo para o parque. O carteiro, as primeiras roupas da primavera, o La Repubblica todas as manhãs. Roma, da sacada, tem um ar familiar. Uma velha senhora passa com seu bolo. Domingo. Lembramos uma noite de lua em Ponta do Ouro, Moçambique. Nilson, Manuel, eu e tu. Uma grande lua no céu, enquanto trocávamos histórias, silêncios, charos e poesias. Aquela fazenda de café com o Kilimanjaro ao fundo nos lembrou um romance de Hemingway. Eu tinha torcido o pé e não pude subir o Kilimanjaro, mas me encantava com aquela beleza enorme e branca ao fundo da cidade. Passei em Roma um mês em quarentena, até um exame mostrar que eu estava curada. Fim de tarde. Saio andando com o mapa na bolsa. Caminhar nas ruas pela primeira vez. Sentir a primavera.
181