Buenos Aires, um dia qualquer
Fui para Buenos Aires de trem, voltando de Santiago. A passagem pelo Chile tinha dado uma sacudida nos meus sonhos. Comecei a entender melhor as injustiças, as brigas políticas, as diferentes facções da esquerda, as lutas. Conheci Flaco no trem Santiago-Buenos Aires, uma figura terna com um olhar de mel. Caminhamos pela cidade cantando músicas dos Beatles a plenos pulmões. Quando ouço “Rocky Racoon” ou “Martha My Dear”, me vêm à cabeça aquelas caminhadas e conversas sem fim. Os passeios na noite de Buenos Aires se confundem, na minha cabeça, com caminhadas em Lisboa, com estrelas, chuvas de outono e teus olhos risonhos de criança. Saíamos caminhando e rindo pelas ruas de Buenos Aires. Fazia frio, a gente entrou num café e continuou aquela longa conversa iniciada de manhã. Contamos histórias um para o outro, sonhos, bobagens, aventuras. Lembro que falamos em percorrer a América Latina de carona. Ou de nos encontrar em Paris no ano seguinte. Depois entramos naquela linda Livraria O Ateneu, no cenário de um velho teatro. No cinema ao lado, passava “Yellow Submarine”. Terminamos o dia sonhando com as doces e coloridas aventuras dos Beatles. Fomos andando, devagar, até à casa da Marta, que nos recebeu com um vinho. Ficamos ouvindo Keith Jarrett em silêncio. Era hora de voltar para o Brasil. Retornei a Buenos Aires muitas vezes, mas nunca mais encontrei os olhos risonhos do Flaco.
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