LiteraLivre Vl. 6 - nº 31 –Jan./Fev. de 2022
Renato Massari Rio de Janeiro/RJ
Os Gênios Andando pela grande avenida, Pavel maldizia o vento e a chuva. Podia ter chamado um carro por aplicativo, mas o medo de se contaminar com o novo vírus não lhe saía da cabeça. Frederico desdenhava: não era otário para ficar se deslocando a pé por toda a cidade. Dizia que o número de mortes anunciadas pelos noticiários de TV não o assustava e, para provar sua convicção, citava o amigo do amigo de um conhecido, vítima de um piripaque qualquer, que o médico pusera na conta da terrível doença. Por sorte, Suellen não o levava muito a sério. “Fred é genioso. Nem tudo o que diz se escreve”, ponderava quando havia discussões mais acaloradas entre Pavel e o irmão dela. Ainda não eram 7h, as lojas estavam fechadas, e gente sem lar se abrigava como podia embaixo das marquises, providenciais num dia de tanta chuva. Em meio aos raios e trovões que engoliam o céu, choviam também pedidos de ajuda. Pavel apalpou os bolsos da bermuda – há certo tempo aposentara a carteira – na esperança de encontrar algum dinheiro miúdo. Lamentou-se. Não tinha moedas que pudesse dar aos pedintes. Foi então que, fechando os
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olhos, se deixou tomar por uma fantasia de infância. Viu-se num mercado cheio de coisas bonitas que queria comprar, mas só tinha nas mãos as pedrinhas que catara pelo caminho. Nisso, um gênio bem jovem, com alegria de criança, apareceu e lhe adivinhou os pensamentos, transformando as pedras em moedas de ouro. Quanta felicidade! Se pudesse, não tornaria a abrir os olhos, ficaria para sempre no reino mágico que com gosto aprendera a chamar de mundo seu. Mundo sem medos, sem vírus, sem pobreza e sem Fred, onde o sonho era lei. Balançando levemente a cabeça, riu em silêncio, afinal os gênios, moços ou velhos, não costumavam zanzar pelas ruas, ainda mais em dias chuvosos. Distraído, vez por outra pisava de mau jeito, encharcando os tênis brancos em alguma poça d’água bem suja. “Tá comendo besteira demais. Quando vai no doutor Laranjeira? Tem que checar esse colesterol”. Suellen falou com voz de aconselhamento e cara de mando. Era o jeito dela e, aos 61 anos, Pavel não achava prudente ignorar nem a