LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Jeane Tertuliano Campo Alegre/AL
Reminiscência Eu vagueio sem sair do lugar enquanto observo uma garota a brincar com o seu gato negro. Do alto do meu ser, eu avisto uma criança a correr, sorrindo bobamente… fecho os olhos e tento fazer com que essa sensação nostálgica evapore, pois nada é real no que vejo. Um ser pueril não pode se divertir de tal maneira estando emocionalmente em frangalhos. Deixando as janelas entreabertas, caminho até a minha cama e sento-me na beirada. Pesco Os Sofrimentos do Jovem Werther na cabeceira e o folheio; lágrimas lavam as minhas bochechas róseas enquanto me demoro no seguinte trecho: “Por que tem de ser assim? Por que o que faz o homem feliz pode tornar-se a fonte de sua dor?” Por quê?! — ouço a minha voz chorosa encher o recinto de melancolia. Passos se fazem ouvir do outro lado da porta e, apesar de o som ser demasiado reconfortante aos meus ouvidos, eu anseio fervorosamente não mais escutálos. Deposito Goethe no seu devido lugar e rumo à porta, mas um tremor repentino me engolfa e me faz recuar, aflita. Mantenha o controle, por favor suplico para o meu alter ego. Abraço-me e caminho de costas por tempo
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indeterminado, submersa em meus devaneios. Eu gostaria de poder aprisionar os meus demônios e buscar viver como uma moça normal, sã; mas sempre que ouso fazê-lo, sinto-me posta do avesso, suspensa por garras que dilaceram minha pele lívida, ameaçando jogar-me em um abismo lúgubre, hediondo. Ainda trêmula, viro-me e encaro a manhã. Estagno com a cena inacreditável que se desenrola diante dos meus olhos vítreos. O céu que anteriormente estava anil, agora não mais pode ser visto, pois há nuvens que o revestem de um negror mórbido. A garota que estava a brincar com um bichano de pelos da cor de azeviche, está curvada sobre uma pequena poça escarlate, onde há uma massa disforme. Seu vestido longo e volumoso me impede de obter mais claridade no que vejo, mas em sua mão pequenina eu enxergo com perfeição um martelo mediano, pingos rubros escorrem do cabo e deslizam vagarosamente sobre os dedos finos da criança até irem de encontro ao chão. Num rompante, a cabeça da miúda gira em minha direção. Olhos repletos de trevas