LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Rosangela Maluf Belo Horizonte/MG
Na Casa Azul Ela abre os olhos sem sequer imaginar que horas são. O ambiente lhe é estranho. Sim, é a primeira vez que dorme ali. O quarto é imenso, uma parte ainda escura e a outra, não. A claridade vem de fora e ela pode ver alguns raios do sol que há muito já nascera. Canto de pássaros? Sim. Um bem-te-vi? Parece que sim, não um apenas, mas vários. Ela não pode se mexer. O braço dele enlaça sua cintura. Estão de conchinha. Ela quer se levantar, sem acordá-lo. As cortinas se agitam lentamente. Parte da janela dormiu aberta. Faz um friozinho gostoso. Ela mexe-se devagar. Ele retira o braço. Ressona. Vira-se para o outro lado. Lentamente, com todo cuidado e em silêncio, ela se levanta. Olha para o quarto. Roupas pelo chão. Sobre a mesinha duas taças, vazias. Uma garrafa de champagne, vazia também. Restos de lenha ainda dormem na lareira. Fogo já não há. Sobre a mesa um guia de viagem, uma camisa social, jogada. Um celular. Caixinhas de chicletes, vazias. A lingerie escolhida com cuidado para aquela noite especial. Encaminha-se até o banheiro. A porta apenas recostada. Ela entra sem fazer barulho. O espelho, embaçado pelo frio externo e o calor do quarto. Olha pra
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sua imagem refletida no espelho. Sorri. Feliz? Sim, muito. Se sente bem? Muito bem. Valeu a pena esperar. A longa espera que vinha sendo adiada há alguns meses. Sempre se teme o desconhecido. O improvável. Até que o inesperado faz uma surpresa... De pé ela o observa atentamente. Ele ainda dorme sob os lençóis desfeitos. O edredom empurrado para os pés da cama. Deitado, de lado, a mão sob o travesseiro. Os cabelos em desalinho. O torso nu, branquinho, os braços também, sem marcas de sol. Respiração tranquila e sono profundo. Em câmera lenta, ela coloca a calcinha. Pega a camisa dele e a veste também. Repassa em detalhes a noite que vivera. O cuidado com que ele preparara todo o cenário. A colcha indiana sobre a cama. A lâmpada amarela do abajur. O cheirinho bom de incenso no ar. A playlist do Eugenio Cortázar. As palavras dele ditas na hora certa. Os olhares significativos que não deixavam mais dúvidas. Os afagos. Os abraços, os beijos. Toda ternura acumulada durante os meses de espera. Muita incerteza. Dúvidas. Por quê? Pra quê? E se... ?