OSSOS DO OFÍCIO

Page 32

nu c3®son®ac)cena abertacooperatwas populares em DETECNOLÓGICAINCUBADORACOOPERATIVASPOPULARES

cooperativas populares em cena aberta • APOIO: FINEP [pj kk INCUBADORA Á TECNOLÓGICA %5--1-7 DE COOPERATIVAS 41‘1\‘ b • POPULARES ossos do ofício

"ninguém se liberta sozinho ninguém liberta ninguém os homens se libertam em comunhão."

e.. 7

Paulo Freire

Wiegy, Apresentação:Sensibilidade e vontade política 9 Gonçalo Prefácio:GuimarãesPreservar o passado, garantir o presente, apostando no futuro 11 Celso Entrevista:Cruz"Vou acreditar sempre" 14 Divina Teixeira Barbosa Equipe e cooperativados contam suas histórias Para inicio de conversa 19 Aconteceu nos corredores da academia 27 Alguma coisa está fora da ordem 35 O caminho das pedras 41 Responsabilidade, cumplicidade e confiança 49 O que há por trás dos muros 59 É tempo de dar tempo ao tempo 67 Ousar pensar o novo 75 Verdades e mentiras 81 Plantando as sementes em pleno temporal 89 Crescendo no grito 99 Às vezes o mundo parece uma aldeia 105 Cada qual no seu cada qual 111 Ultrapassando as fronteiras do cotidiano 115 Nós não somos o projeto 119 O que nos mantém cada vez mais vivos 127 A vida podia ser bem melhor, e será! 131

Depoimentos: reflexões sobre o processo e outras histórias Responsabilidade social 20 Segen Estefen O risco do assistencialismo 28 Luiz Pinguelli Rosa Protegendo os que nascem frágeis 32 Maurício Guedes Pereira Luz antes do fim do túnel 38 Paul Singer O homem como agente do seu desenvolvimento 42 João Pinto Rabelo Derrubar muros. Construir cidadania 44 Paulo Buss O novo demanda abnegação 50 Lécio Lima O grande desafio: ganhar escala 54 Ana Peliano A humanidade não pode mais esperar 57 Herbert de Souza, Bainho (Trecho do discurso proferido no plenário da ONU) Por caminhos próprios formamos trabalhadores 60 Angela Uller O papel social das entidades públicas 64 André Spitz Três décadas fazendo história 70 Irineu Miguel Righi A construção da ponte entre o trabalho e a academia 76 Newton Lima Neto

Mulher, etnia e geração de renda 78 Maria de Jesus Pereira, Lúcia Adriana, Silvia Fernandes, Rosa Maria e Suzete Lima A tecnologia a serviço do desenvolvimento humano 82 Vicente Guedes Pioneira no projeto de expansão 90 Osmar Pontes A cada passo, uma vitória 92 Sonia Heckert Educação e esperança 97 Dom Paulo Evaristo A rns Engenharia e apartheid social 100 Alcione Araújo Multidisciplinaridade da equipe 102 Ricardo Silva Pereira A arte de aprender a caminhar 106 Gleyse Peiter Tudo à flor da pele 112 Ilclemar Nunes Adote uma cooperativa 120 Rosane de Souza Rap das Cooperativas 124 Edwiges Luiza Tomaz, Valquir Pereira Garcia e Alessandro Lima Roseta Passou de branco, preto é. Eu sou negro 128 Helena Leila C. Wengorski Viva o povo brasileiro! 132 Miguel de Simoni Dados Informações,técnicos:cronologia, estatísticas e pesquisas sobre a Incubadora e as cooperativas estão sistematizadas nos rodapés

A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares tem um rosto muito semelhante ao do povo brasileiro, com os seus vícios e as suas virtudes. Relatar nossa trajetória e a construção desse projeto passa necessariamente por um registro de caráter documental. Seria lamentável que nossa história se perdesse com as pessoas que ainda hoje, no dia-a-dia, a estão escrevendo, porque, sem dúvida, essa é uma história que ainda está sendo escrita.

sensibilidade

Esta a razão que nos levou a convidar, além da equipe técnica e dos cooperativados, todos aqueles que, com o respaldo de suas instituições, participaram direta ou indiretamente deste processo. Alguns, por questões operacionais de produção ou dificuldades no sistema de comunicação, infelizmente, não puderam documentar sua participação nos quadros de depoimentos. Mas, com certeza, isso não diminui a cumplicidade vivenciada tanto nos momentos difíceis quanto na celebração das vitórias. Buscamos também complementar esse trabalho e ampliar o debate, com depoimentos de formadores de opinião e personalidades do cenário nacional que, pela prática de seus ofícios, de alguma

9

Retratar, em plena crise social e económica, um país que pode dar certo e ações positivas que vêm acontecendo nos seus subterrâneos, mesmo reconhecendo todas as dificuldades, é tarefa inadiável. Além de sistematizarmos informações que podem servir de referência a outros grupos e estudiosos que se interessem pelo cooperativismo popular ou trabalhem em áreas afins, provocamos internamente um processo reflexivo. A oportunidade de poder parar para pensar no que se está fazendo é sempre produtiva. Os fatos poderiam ser abordados a partir de vários ângulos: realizações, dados estatísticos, cronologia do processo ou relato institucional, entre muitos outros. Optamos por duas vertentes. A primeira reconhece que a história da construção da incubadora é também a história da construção das cooperativas populares, ou seja, esse é um projeto de construção coletiva. Não nasce pronto: é fruto de todos os que somaram suas forças nessa caminhada.

e O Brasil é um país que tem parte de sua memória perdida na história de muitos cidadãos anônimos. A vontade política eles, que dirigem sua fé para a construção de um futuro mais digno, que conseguem fazer da esperança uma bandeira, e do seu duro cotidiano uma trincheira de luta e festa, dedicamos esse livro.

É a partir destas leituras que contamos aqui a nossa história, conscientes de que a incubadora nasce num momento de restruturação econômica. Uma restruturação que não se limita aos excluídos, interfere no mercado formal e se estende a uma ampla parcela da sociedade. Por isso, projetos como o da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares suscitam tanto interesse, polêmicas e discussões. Esse não é um trabalho dirigido aos excluídos. Mim processo de restruturação econômica, extrapola o campus e toma outra dimensão na busca de alternativas para o grave momento que vivemos no campo das novas relações estabelecidas em conseqüência da internacionalização da economia. A Incubadora se insere hoje num debate nacional sobre novas relações de trabalho, envolvendo questões como cooperativismo, mercado, legislação e sistemas de crédità.

A outra vertente que definiu a linha editorial desse trabalho foi a divulgação de informações sobre as cooperativas e a incubadora, de maneira a contribuir com aqueles que se dispõem a estudar novas relações de trabalho a partir de experiências em desenvolvimento. Entendemos que, no momento em que a Incubadora de cooperativas populares se transforma num modelo de ação da universidade no combate ao desemprego e à exclusão, com metodologia desenVolvida para ações de inserção social, a partir da inserção econômica' tomase fundamental expor toda a complexidade, conflitos e dificüldades que existem por trás de resultados tão positivos.

O modelo em discussão é reflexo de crises e fruto de ',muitos conflitos. Neles, moldamos parte de nossa estrutura. A sensibilidade dos técnicos, a confiança e a vontade de vencer dos cooperativados são as fórmulas mínimas para o sucesso do projeto.

A responsabilidade de implantá-las em todo o Brasil, respeitando as formas de organização dos trabalhadores e as culturas locais, é tão grande quanto o compromisso de crescer sem jamais relegar a um segundo plano a sensibilidade. Não sei em quanto tempo vamos fazer, o que importa é o que faremos nesse tempo. Gonçalo Guimarães Coordenador-Geral da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares

10

maneira se identificam com nossos objetivos.

Criada para o fomento e o desenvolvimento científico e tecnológico, a Finep atua em uma vertente que trata, especificamente, da contribuição da ciência e da tecnologia para a solução de demandas sociais. Em tempos de globalização e internacionalização das economias o emprego é uma questão central. Formalizar propostas e incentivar a reflexão, de maneira a ver com mais clareza os fatores que determinam essa tendência, e suas conseqüências para a sociedade, é tarefa prioritária.

Recentemente a Unkamp coordenou, junto com o Instituto de Economia da UFRJ, uma pesquisa para definir quais os pontos determinantes da competitividade da indústria brasileira. O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira computou, além dos fatores tecnológicos, absorção de novas tecnologias, políticas gerenciais incorporadas ao longo dos anos e uma série de outros mais setoriais, um conjunto de itens que influem diretamente na competitividade denominados "fatores sistêmicos": a empresa é afetada como um todo a partir das relações de trabalho.

preservar o passado, garantir o apostandopresente,nofuturo

A pesquisa chama a atenção para a necessidade dos empresários se preocuparem com as condições que o trabalhador tem para participar do sistema produtivo. A partir destas conclusões, a Finep estimulou a realização de novos estudos e lançou o programa Educação para a Competitividade, oferecendo às empresas financiamento para programas educativos de formação básica e ensino fundamental a seus trabalhadores - uma das maiores carências no âmbito dos fatores sistêmicos que afetam a competitividade. No campo da educação, o nível do trabalhador brasileiro é muito baixo em relação aos demais países. Isso dá ao pais uma posição extremamente desconfortável no contexto da globalização e da reestruturação produtiva. Investimos em novos estudos para saber o que as empresas já estão fazendo nessa área, quais as tendências e qual seria a receptividade do programa, ampliando a discussão com diversos setores.

Foi firmado um convênio com o Codefat - Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, onde a Finep financia projetos desse e de outros programas considerados importantes na linha de oferecer melhores condições de trabalho e de incentivar a expansão

11

É um dos caminhos para estimular o setor empresarial a investir na qualificação e na capacitação dos seus trabalhadores, entendida como uma forma mais evoluída de estimular a relação capital/trabalho. Criamos com o Codefat convênios de apoio a micro e pequenas empresas além de outros, sempre tendo como norte a questão do emprego. Nossa maior preocupação é buscar o complemento técnico-científico, criando alternativas fortes e claras para enfrentar o crescente fechamento de postos de trabalho, buscando alternativas que se contraponham a essa tendência mundial. Os quadros nacional e internacional corifirmam a necessidade de olhar para o futuro. Mais que saber ver à frente é preciso apostar no futuro. E, neste contexto, as mudanças nas relações de trabalho são vitais. É preciso buscar um tratamento diferente na relação patrão e empregado. Algumas empresas com visão de vanguarda, e até por sobrevivência, já incorporaram isso, enquanto a maior parte ainda segue a reboque divisões ultrapassadas e não acompanha os novos tempos. Mas é importante apostar. Por isso estamos atentos a toda e qualquer outra atividade que contribua para encontrar caminhos alternativos de geração de renda e manutenção do emprego. O programa que a Firtep criou em cooperação com a Anteag -Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas de Auto Gestão também surgiu dentro desse contexto de integração produtiva. São empresas que ficaram em situação pré-falimentar e, em alguns casos, os trabalhadores chegaram a assumir a direção buscando as maneiras de não deixar a empresa falir. Além do capital de giro, precisavam de apoio para desenvolver os níveis técnico e tecnológico. Em conjunto com iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e do Banco do Brasil somamos forças no sentido de permitir que os trabalhadores tivessem meios de impedir que as empresas fechassem as suas portas. A Finep tem ainda uma ação muito significativa no enfrentamento das dificuldades encontradas no mercado quando as empresas têm que oferecer garantias para obter financiamento. Assumimos uma postura pioneira ao criarmos o Fundo de Garantia de Crédito, junto como Sebrae, que propicia que as empresas sem condições I/ suficientes de garantia possam utilizar os recursos desse fundo como complemento. Com a Fundação Unitrabalho surgiu a oportunidade de 1apoiar a sua criação visando, por um lado, monitorar o processo de reestruturação produtiva, e por outro, recuperar as pesquisas já produzidas no país. Apoiamos a implantação e a organização Ide sua 12

do emprego, buscando novas oportunidades de geração de renda.

base de dados, fundamental para facilitar o desenvolvimento das pesquisas e o fluxo das informações. Finalmente, como integrantes do /7 COEP, participamos, junto com outras instituições, da discussão de novas propostas nesta área, entre elas, a da criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, projeto que, além de representar mais uma alternativa de trabalho e renda, precisava reunir as condições necessárias para ser testado de maneira mais consistente.

É preciso preservá-lo de qualquer outro interesse que não seja a busca de alternativas visando exclusivamente o benefício da população excluída que vem sendo atingida por todo esse processo. O relato de todos os momentos da implantação e desenvolvimento da tecnologia que a Incubadora transfere hoje para outras universidades é também uma forma de evitar manipulações, já que a discussão em torno do cooperativismo envolve uma série de deturpações bastante conhecidas. Esse livro tem para a Finep o papel fundamental de preservar a história de um projeto inovador e, quem sabe, garantir que sua ampliação para outras regiões do país se dê da maneira mais confiável e correta possível.

7"-integra Parad a Findep havia ainda a fodrtedmodtivtraçãod de articularta ção emia com a e uma da instituição de apoio às universidades. E a Incubadora é um modelo que a universidade se dispõe a levar como experiência, o que a Coppe/ UFRJ vem fazendo de maneira muito promissora. Hoje, nossa proposta é criar incubadoras e dotá-las de recursos de forma que as universidades possam absorver essa tecnologia e servir de agentes multiplicadores.

A partir do momento que esse projeto se consolide, outras instituições irão apoiá-lo e, com certeza, multiplicarão esse modelo. Ao patrocinarmos esta publicação, procuramos reunir todas as condições necessárias no sentido de garantir que essa experiência fique registrada em todos os níveis, para subsidiar a discussão sobre sua aplicabilidade, disseminação e ampliação. É muito importante sistematizar e o que vem ocorrendo neste projeto • eritro de um padrão de qualidade que preserve sua credibilidade e confiabilidade enquanto uma experiência que tem sido conduzida tecnicamente da melhor maneira possível.

Celso Cruz Diretor da Finep-Financiadora de Estudos e Projetos

13

É importante ressaltar que a Finep não é uma instituição com responsabilidade direta na ampliação de programas. Trabalhamos na escala de projetos pilotos, estruturando-os e organizando-os junto com a universidade, que repassará o conhecimento para as comunidades.

14

"Vou acreditar Personagem histórica em todo o processo de implantação da sempre" Incubadora, Dona Divina simboliza o que o projeto tem de mais Divina Teixeira forte: a simplicidade, a sede de crescer e a certeza de que é possível. Nasceu no Espírito Santo, mas foi criada na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias. Ontem merendeira de um Ciep, hoje presidente da Cooperativa Novo Horizonte. Ontem tímida e insegura, hoje capaz de sentar-se frente a um plenário de doutores e fazer palestras. Ontem cheia de fé. Hoje com mais fé do que antes.

O grupo de vocês começou com quantas pessoas?

A Cooperativa Novo Horizonte foi fundada com 2j3pessoas. Dessas 28, devido à falta de paciência e confiança de que isso é o começo de uma revolução dentro do mercado de trabalho, as pessoas se afastaram e ficaram duas pessoas. Hoje nós somos 106 pessoas trabalhando. O Diretor Administrativo das cooperativas tira em tomo de 400 reais. Ganha mais que três salários mínimos. Por isso que eu digo que através dela eu estou conseguindo fazer aquilo que eu não tinha intenção de fazer. O que mais me atraiu, no inicio, foi o caráter do projeto porque se preocupa com o social, principalmente com aqueles mais simples, porque ele está entrando

15

De onde a senhora vem?

Fui criada numa terra que eu gosto muito. A minha infância foi de criança pobre, difícil! O lugar em que eu fui criada é uma lembrança boa da minha infância, chama-se São Bento, um bairro de Caxias. Era muito bonito. Hoje está bem diferente, pois o progresso chegou e modificou, mas ele era muito bonito. Simples, mas muito bom mesmo.

Como é que a senhora chegou à Incubadora? Fomos alcançados por este projeto através do Gonçalo há dois anos. Ele levou até a nossa comunidade e aí eu ouvi, participei da reunião, me entusiasmei e estou aqui até hoje. Foi um início difícil porque tínhamos que acreditar nesse projeto, que ele iria dar certo. Não sabíamos em quanto tempo. E eu acreditei até a legalização. Consegui o primeiro trabalho. Na primeira reunião que eu fui, de repente, começou um temporal. E a primeira Cooperativa, a Novo Horizonte, nasceu aí. Dentro de um barraquinho, com umas 20 pessoas. Debaixo de chuva, ela nasceu.Conte um pouco como as coisas foram acontecendo? Ninguém sabia nada de cooperativa. Sabia que a CCPL é uma cooperativa. Quando eles mostraram o projeto das cooperativas populares, a gente foi guardando. Todo mundo desempregado. Quem tinha emprego, como eu, tinha um salário mínimo. Ninguém podia fazer nada, foi uma luta para a gente poder se legalizar. Muitas dificuldades que a gente enfrentou, não são poucas não, são muitas. E a cooperativa quase fechando por descrença de muitos . Mas não fechou porque alguns acreditavam. Eu faço sempre questão de dizer que eu sou um desses alguns que sempre acreditaram e vou acreditar sempre.

16

no meio de favelas, bairros carentes onde as pessoas são afastadas, não tiveram aquela chance de estudar. Isso ai é uma das coisas que mais gosto nesse projeto. Aproximou muito, e fez com que a gente ficasse muito sensibilizado, e também que aderisse à luta de trabalhar e lutar pela cooperativa.Equando a senhora não está na cooperativa? Quando não estou trabalhando, existe um lazer que para mim é fundamental, que é ficar com meus netos. Não existe para mirn final de semana. Sou aquela avó corujona. Brinco com meus netos, saio com eles. A gente vai a uma lanchonetezinha que tem perto, uma sorveteria, tomar sorvete. É o melhor lazer para mim. A gente tá todo fim de semana junto. Tenho 8 netos, e na comunidade que a gente mora tem uma lojinha com um freezer que é cheio de sorvete. Quantos filhos? Tenho cinco já criados. Dois estão comigo na Cooperativa. São cooperativados comuns. A menina trabalha na limpeza e o rapaz ajuda na parte administrativa. Como é a sua casa, seus amigos? A minha casa é muito importante. Moro ainda num barraco de madeira de uma ocupação. Lugar que foi invadido. Foi ocuPado por gente como eu , que não podia pagar um aluguel de verdade, não podia comprar um terreno, que é muito caro. Então, a minha casa hoje ainda é um barraco. Já começamos a fazer um alicerce para construir uma casa de alvenaria. Mas eu me sinto muito bem, porque eu tenho a minha força e a certeza de que o trabalho que estou fazendo já está me 'levando a ter uma casa de alvenaria, uma casa que me deram de presente a planta, feita por um arquiteto da Incubadora. E eu estou já corneçando a construir. É muito bom porque hoje é meu. Quem mora com a senhora? Uma filha com 19 anos e um filho com 17 que estuda, faz 2° grau e está no Senai. Tem que estudar, tem que trabalhar para que um dia possa ter uma visão. Eu estou tendo agora, mas depois de uma certa idade. Quero que meu filho tenha essa consciência porque eu não tive condição de estudar, mas eu quero passar essa coisa para o meu fi ho, um conhecimento mais aprofundado.

Uma coisa que me marcou foram meus primeiros passos dentro de uma escola. Tive uma professora, Conceição, que me ensinou muito. Acho que até o jeito meio rigoroso que tenho devo a ela.

Para onde o dinheiro está indo? Alimentação, vestuário, educação para o meu filho. Porque eu estava muito preocupada. Ele querendo estudar e eu não tinha como pagar colégio para ele. Conseguimos uma bolsa que paga a metade. Mas eu não podia nunca com o dinheiro que eu ganhava antes, que ele estudasse o dia todo. Hoje posso dar para meu filho o dinheiro para a alimentação dele. Pedi muito a um Deus muito forte, durante mais de um ano.

Existe alguma história inesquecível?

Houve alguma resistência da família, dos amigos?

Sou muito independente. Agora, os vizinhos que entravam na Cooperativa, que foram sócios fundadores, diziam "isso aí não vai pra frente não", "isso vai acabar". A maioria dos sócios fundadores se desestimulou, eles não acreditaram. E eu não perdi a esperança e hoje eu agradeço por nunca ter perdido. Quais são as expectativas para o futuro?

Penso no geral. Que se a nossa política fosse mudada muita coisa poderia também ser mudada, e aí a perspectiva seria boa.Vejo as cooperativas com uma perspectiva dentro do mercado de trabalho boa para muita gente, não só para o Rio, mas para todo o Brasil, porque está tendo uma mudança, é uma coisa nova, mas que está sendo bom para nós. Tenho muita vontade que elas cresçam! Tanta gente precisa de emprego!

Geralda de MagelacooperativadaBatista

Quando um nãotem, ooutro vem, ajuda. Quando um não traz comida, o outro traz e &Ade. Tem aquele amor aquele carinho com o outro. É, sem dúvida, o verdadeiro sentido do cooperatMsmo.

Estava muito difia7, não tinha para onde correr Muita coisa mudou. Porque tem as amizades, tem os amigos.

18

para início de O cooperativismo popular está em pauta e se reflete no .brilho dos olhos de um grande contingente de cidadãos brasileiros. É através do cooperativismo, ou seja, daC inserção econômica, que esses grupos atingem a tão sonhada inserção social.

O que, a princípio, se desenhava como um projeto conjuntural, que tinha como público-alvo grande parcela da população em processo progressivo de exclusão do mercado de trabalho, hoje, após longo período de observação e convivência, o que se vê são pessoas que não "estão" excluídas. Elas "são" - e sempre foram - excluídas. A grande verdade é que o cooperativismo está servindo não só para inserir aqueles que nessa nova conjuntura estão perdendo o mercado mas, principalmente, aqueles que historicamente nunca o integraram. É com esse Brasil que trabalhamos.

19

É a partir dessa realidade - entendendo o cooperativismo como um instrumento e não como um fim - que a equipe técnica da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, cooperados, formadores de opinião, acadêmicos e instituições que nos acompanham nesta caminhada, relatam nesta publicação a construção de um projeto que estabelece novos parâmetros nos debates sobre as relações de trabalho. São histórias de vitórias e derrotas, dúvidas e certezas, dores e festas, mas permanentemente de lutas e Nossotransformações.objetivoprimeiro é a inserção social de grupos excluídos que se utilizam do cooperativismo como instrumento político e econômico, buscando viabilizar uma saída coletiva em um sistema que sempre lhes foi desfavorável. De uma maneira geral, não nos consideramos uma equipe de promoção e divulgação do cooperativismo, mas até agora foi essa a forma mais positiva que encontramos para atingir nossa principal meta.

.1•

. Instituições COPPE/UFRJ — GCOOP/BB — SUPER-RJ/BB

Cronologia institucional da Incubadora 05 de janeiro 1995 . Reunião no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ

20

. Articulação — Comitê das Entidades Públicas no Combate à Fome pela Vida — COEP

Responsabilidade social Aimplantação da Incubadora de Cooperavas da COPPE traduz uma • sintonia absoluta com o cenário internacional. Trata-se de uma iniciativa arrojada, capaz de apontar às comunidades de baixa renda os caminhos da organização e da geração de trabalhos mais dignos. O sucesso do projeto comprova que ações simples, implementadas com metodologia e determinismo podem ter, na prática, um forte impacto social. Do ponto de vista da prestação de serviços para instituições públicas, podemos constatar na UFRJ ,mais especificamente no Centro de Tecnologia, a eficácia do trabalho cooperativado ao substituir o serviço de limpeza, até então, feito por ., pessoas contratadas, com baixa remuneração, pelo da cooperativa. Além de Caro, o serviço não atendia às nossas necessidades. Coma mudança, pudemos : ' . constatar claramente Gomo a organização de pessoas de urna mesma comunidade gera uma relação de cooperação e compromisso com o trabalho. i A COPPE possui uma forte vertente social. Desenvolvemos vários projetos na área de engenharia destinados a questões de interesse público. Nosso intuito é apoiara expansão da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, min base em tecnologias e metodologias desenvolvidas na universidade, transformando-a em um programa nacional. Através deste projeto mantemos nosso compromisso com a sociedade, formalizando as relações já estabelecidas, e apontando caminhos e soluções viáveis capazes de gerar oportunidade e inserir, de forma digna, um contingente cada vez maior de pessoas no mercado de trabalho. Esta é uma iniciativa que pode se propagar em todo o pais, onde grande parcela da população encontra-se alijada do mercado formal. No Rio de Janeiro as cooperativas populares se transformaram num forte incentivo para muitoS que passaram a ver no trabalho organizado uma oportunidade e esperança de uMa nova vida.

DiretorSegen.EstefendaCOPPE•

.

.

Signatários:

Marcelo Siqueira da Silva coo perativado semestre 1995 Elaboração da primeira proposta -COPPE/GCOOP/BB Primeiro apoio - FINEP/FBB Maio 1995 Convênio para criação Local: Centro Cultural Banco do Brasil FINEWFBB/BB/COPPE

Primeiro

Oque eu mais gosto é quando discutimos o que é melhor para a gente, quando ouvimos a opinião de todos. Não é uma pessoa que decide, mas a gente que decide. É a parte do voto, do pessoal ouvir o que você sente, o que você pensa e o que você quer Quando sentamos e decidimos, a opinião da gente é válida.

.

21

No stricto sensu, o cooperativismo popular não existe. Existe o cooperativismo como um sistema econômico, tanto aos olhos do Estado, quanto do ponto de vista da legislação. Por isso, para sua maior visibilidade, era fundamental nomeá-lo. É como a elaboração das leis. Numa sociedade com diferenças sociais tão evidentes, a legislação é feita, ou deveria ser, exatamente para evitar injustiças. Utilizar o mesmo instrumento econômico para uma sociedade com tantas desigualdades é adotar, inevitavelmente, uma postura injusta. Era necessário criar outros padrões, outros indicadorõs, que definissem e que pudessem subsidiar as políticas governamentais que poderiam surgir no âmbito do projeto. !

principalmente,

Hoje, quando falamos em cooperativa popular, estamosIdefinindo que aquele grupo social ao qual nos referimos é diferenciado e, como tal, merece um tratamento diferenciado. Na medida em que 1nosso trabalho venha a subsidiar políticas públicas, é importante que os governos tenham referenciais para determinar suas ações. Quando pleiteamos que cooperativas populares não paguem a taxa de1alvará, mas paguem a sua renovação, estamos afirmando que aquelas pessoas não têm condições de pagar. Não estamos afirmando queas cooperativas de um modo geral não devem pagar. Quando insistimos que o crédito tem que ser diferenciado, estamos dizendo para quem deve serParadiferenciado.marcaressas diferenças, para definir diretrizes políticas, é necessário conceituar o grupo com o qual se está trabalhando e, ter clareza das conseqüências do processo, no sentido de evitar a má utilização desse importante instrumento. A primeira vez que utilizamos a expressão "cooperativismo popular"- que não é invenção nossa, muito ao contrário, e senso comum - houve muito conflito dentro do próprio s stema cooperativista que a entendia como uma vontade nossa de criar umi novo patamar ou um elemento estranho ao sistema. Viram muito Segundo semestre 1995

22

. Apoio na implantação da COOTRAM - Universidade Aberta-FIOCRUZ/COPPE/UFRJ/Universidade Federal de Santa Maria Convênio: Fundo Municipal de Desenvolvimento Social — Fundo Rio — Secreta ia Municipal de Desenvolvimento Social — SMDS/COPPE 1° semestre 1996 . Inicio das atividades . Formação de cooperativas — Baixada Fluminense e Favelas Cariocas

' 14 ' < '"1"aarie—ameég

mais como um fator divisor do que como uma via de integração. Utilizávamos sempre o exemplo da habitação popular. Quando se classifica habitação e habitação popular, não se está desqualificando a habitação, e sim dizendo que, do ponto de vista legal, em termos de financiamento, de requisitos urbanísticos, ela tem que ser diferenciada para que possa vir a integrar parcela considerável da população. E, hoje, na legislação, o que é habitação popular tem, por exemplo, juros diferenciados no sistema de crédito.

2° semestre 1996 . Inauguração da Incubadora . Convênios: SEBRAE-RJ/COPPE; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social — SMDS/RJ (Programa Favela Bairro); Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)/COPPE, Ministério da Agricultura e do .AbastecimentoCriaçãodoFórum de Cooperativas Populares

23

Para que estes princípios permaneçam ao longo da historia destas cooperativas, o caráter democrático de sua gestão é fundamental. Ponto de pauta desde os primeiros contatos com os grupos que se candidatam a ser "incubados", torna-se realidade através dos instrumentos por nos acompanhados, como os contratos, as assembléias, as comissões de ética e a criação de fundos que garantam o crescimento da empresa - Fundo de Investimento - e o crescimento e a garantia dos direitos sociais - Fundo Social.

Secretária Municipal de Desenvolvimento Social — Conselho Estadual da Mulher Presidente do Banco da Mulher Fórum de Cooperativas Populares

Além da previdência do Estado, as cooperativas ainda podem incorporar outros instrumentos que garantam esses benefícios, como os planos de saúde coletivos. O mais importante, no entanto, é a certeza de que todas as receitas revertam para a própria cooprativa, o que significa que tudo o que entra é dos cooperativados. O sucesso do investimento reverterá necessariamente para eles. Se registrarmos ainda que capacitação e educação formal compõem a metodologia adotada e que, em termos de remuneração, há eqüidade na 1° semestre 1997 .Convênio: Hospital Universitário Pack() Ernesto — Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) . 8 de março — Dia Internacional da Mulher — Trabalho e Cooperativismo Secretária Executiva do Comunidade Solidária Secretária para Assuntos Sociais do Estado do Rio de Janeiro

Pela mesma razão nomeamos e buscamos definir exatamente o que é o cooperativismo popular, tarefa ainda em construção, apesar de já termos avançado bastante na discussão de suas bases fundamentais.Ascooperativas

populares se constituem numa importante resposta a uma economia que está em processo de profundas1,mudanças em todo o mundo. Na França, o trabalhador esta indo para as ruas fazer frente ao processo de precarização da classe trabalhadora. No Brasil, não temos essa correlação de forças, mas temos o dever de apontar alternativas e dar respostas. Que caminhos apontar a alguém que informa que na sua comunidade 70% das pessoas estão sem emprego? O caminho que temos trilhado visa a inserção do trabalhador no mercado, de trabalho de forma a garantir os benefícios já conquistados: abono natalício, descanso remunerado e crescente participação, tendo como princípio básico para o seu crescimento, a qualificação e a formação.

24

As cooperativas populares levantam esse debate apontando alternativas para a exclusão social que vêm de baixo para cima. Não estamos implantando um programa de governo que decide montar uma cooperativa e monta. Estamos atuando num projeto com propostas que respeitam a cultura popular e as diversas formas que as pessoas têm de se organizar.

.MéxicolRedePanamericanadeUniversidadeseCooperativasdasAméricaseAliançainternacionalCooperativista 25

Já conseguimos que pessoas que nem o nome sabiam assinar e outras que só tinham a primeira série voltassem a estudar pra melhorar sua condição social e até mesmo para lutar pelo cooperativismo. Minha maior emoção foi quando vi um casal desempregado, com o filho, recebendo sua remuneração.primeira distribuição dos recursos, independentemente do gênero ou raça, fica evidente que não se trata de uma alternativa para "apagar incêndio" e sim da produção de um novo modelo nas relações de trabalho.Ascooperativas populares estão pautando uma série de debates extremamente oportunos. Por exemplo, que essa população é capaz de aprender a administrar, e administrar bem. Uma merendeira, um vidraceiro e um camelô, por exemplo, são hoje dirigentes competentes à frente de empresas bem sucedidas. Enquanto isso ocorre, o sistema financeiro público e privado financia aqueles que, historicamente, são identificados como prováveis bons administradores, simplesmente porque oferecem garantias e têm capital. Esse é um desafio: afirmar a autogestão e demonstrar que é viável investir em um trabalhador para que ele monte a sua empresa auto-gestionável, coletiva, democrática e gere trabalho e renda dentro de uma outra ótica, que está no mercado mas não é do mercado.

.Convênios:Criação do Programa Nacional de Incubadoras Populares — FINEP/BB/FBB/GCOPPEICSICOPPEUFRJ; Universidade Federal do Ceará (UFC) — UFRJ; Secretaria Municipal de Trabalho — PMRJ; Secretaria de ObraseServiçosPúblicos—SOSP—GovernodoEstadodoRiodeJaneiro—BID

Márcia Gonçalves cooperativada 20 semestre 1997

É a esperança do sonho de poder trabalhar Muitos acabaram tolindo suas atividades porque não lhe dão oportunidades. Alguns por causa da idade, outros porque não têm o grau de estudo elevado.0 cooperativismo veio dar muitas oportunidades porque visa simplesmente o que as pessoas são capazes de fazer Josué Bispo cooperativado 1° semestre 1998 . 18 de março — Seminário Nacional Programa de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares Financiadora de Estudos e Projetos — FINEP . Banco do Brasil . Fundação Banco do Brasil — FBB . Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil — GCOOP . Ministério da Agricultura e do Abastecimento . Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia — COPPE/UFRJ . Convênio: Fundação Unitrabalho 26

27 ,

aconteceu nos Um programa de Geração de Trabalho e Renda baseado no cooperativismo poderia ser objeto decorredores da várias instituições públicas e privadas, e não obrigatoriamente de uma universidade pública.academia Algumas características desse projeto, porém, vão definir o perfil que ele adquire na trajetória percorrida na UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não tínhamos certeza dos caminhos que seriam percorridos na universidade, mas alguns pontos foram decisivos para defini-los: o papel que a universidade tem a desempenhar; a necessária continuidade do projeto e, dentro do possível, a imparcialidade e a neutralidade. Um projeto como esse, no âmbito de um governo, municipal ou estadual, vai sofrer as conseqüências dos tempos do governo, que não são os mesmos para o amadurecimento do próprio projeto, o que colocaria em risco a sua continuidade e o deixaria à mercê de mudanças e ações pontuais.

A universidade reúne importantes condições de evitar a perda de continuidade. Mas, além da continuidade, a universidade garante

28

Era como aquele ator em busca de uma personagem. Tudo começou ali. Estávamos todos lá: Roberto Bartholo, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Coppe, André Spitz, coordenador do Coep-Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida, o Lécio Lima do Banco do Brasil, Gonçalo Guimarães, e se o Betinho não estava é como se estivesse. Na discussão, tivemos oinsight de criar uma incubadora. A proposta era incubar— a exemplo do que já fazíamos na Coppe com empresas—, projetos que servissem de instrumentos para gerar renda e que absorvessem a tecnologia e oknow-howdisponivel na UFRJ. Foi com grande entusiasmo que viajamos nessa idéia e começamos a definir linhas de ação. Naquele momento a proposta de incubar cooperativas não era clara. Isso surgiu em seguida ao grande impacto que foi, na Fiocruz, a implantação da Cooperativa dos Trabalhadores de Manguinhos. Sabíamos das dificuldades intemas.ACoppe é uma escola de engenharia e, como tal, com um perfil acadêmico. Vencidos os obstáculos, a Incubadora de Cooperativas só aconteceu porque a Coppe tem uma estrutura muito mais ágil e assumiu uma postura política reconhecendo a importância daquele momento, . quando a mobilização resultante da Ação da Cidadania criava e estimulava movimentos que traziam à tona novos valores. Novos códigos culturais foram sendo incorporados nas empresas públicas, nas universidades e na sociedade como um Considerotodo.que esse projeto foi uma das coisas mais bonitas que eu fiz na diretoria da Coppe, graças ao trabalho que vem desenvolvendo sua coordenação. E o que mais lamento é que ele é mais conhecido fora do que na própria universidade. No campus da UFRJ a desinformação é grande. Espero que a Coppe saiba conduzi-lo de forma que ele esteja sempre à altura de sua dimensão política. Essas incubadoras não são um projeto de cunho assistenciahsta. Reunir todo esse potencial construido em cada incubadora através de uma conexão nacional, de uma rede de cooperativas populares, que lutem para transformar esse país injusto é fundamental. Não basta criar incubadoras. Claro que elas são importantes. Sem dúvida, gerar trabalho é vital para o Brasil. Mas é necessário também perceber o quanto todo esse manancial pode ser utilizado para contribuir com mudanças sociais mais profundas. Luiz Pinguelli Rosa Vice-Diretor da Coppe

O risco do assistencialismo Era um dia anômalo. O vestibular da UFRJ transferiu nossa primeira reunião para a Praia Vermelha. Eu vinha do Fórum de Ciência e Cultura, totalmente envolvido com a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Trazia, além de uma forte relação com o Betinho —e da luta comum pelo impeachment—,a determinação de investir na criação de projetos que gerassem empregos e postos de trabalho.

Coordenação geral 1 maior imparcialidade. É um lugar onde os conflitos internos impedem determinadas hegemonias, com um dado essencial: tem gente nova a cada ano. A massa da universidade é constituída de estudantes, grupos que mantêm a dinâmica e a coragem do novo.

A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, por exemplo, tem 70% de suas equipes formadas por estudantes, únicos com garra e inconformidade suficientes para se jogar numa "aventura" dessas. Dizemos isso com a consciência dos que vivem um rompimento constante, tanto social quanto institucional, na sua proposta de trabalho. Nosso público-alvo se constitui de pessoas

Coordenação operacional Assessorias Capacitação Formação Projeto Administração Coordenação e cursos Campo Pesquisa Legalização Região dos Lagos

29

Estrutura da IncubadoraApoioadministrativo

Administração: Legalização da empresa, administração e acompanhamento financeiro

30

excluídas, que vivem à margem. Isso não é conjuntural - é histórico. E com a estrutura ainda em formação, sem grandes certezas, a incerteza é permanente dos dois lados, determinando o que chamamos de "a dinâmica do novo." Essa dinâmica de arriscar, de correr riscos, só é possível com a inevitável renovação de quadros.

. Formação: Organização do grupo a ser cooperativado, formação em cooperativismo, acompanhamento de gestão

.

Lecilda Freitas de Arruda cooperativada Funções

Capacitação: Montagem e coordenação de cursos, produção de material didático e treinamentos

. Projetos:Atividades da cooperativa, viabilidade econômica, acompanhamento técnico

Quanto às instituições privadas, a grande preocupação é a necessidade do retorno financeiro. Trabalhamos com uma população que não é mercado. Se fosse, teria os instrumentos já consolidados: escolas, assessorias e consultores. Como obter resposta financeira com É muito produtivo você aprender assim coisas diferentes, cada dia coisas novas. Eu estava sempre no médico e falei "vou entregar minha vida nas mãos de Deus. Vou trabalhar" E estou ficando boa. Não sinto mais uma série de problemas que sentia antes. TO conseguindo reagir O trabalho pra mim representa tudo. É a minha vida.

.

Na universidade - e não vemos a universidade como um todo - temos quadros, gente nova, o caráter interdisciplinar e a busca do conhecimento. A universidade possibilita o crescimento de grupos.

TreinamentoLegislação 9apacitaçãO") Formação cooperativade Mercado um processo que, no fundo, é educacional? Como não se constituem em mercado e não têm resposta financeira, como manter o projeto?

Poderiam até vir a ser mercado num segundo momento mas, na prática, o caráter privado não é compatível com os seus objetivos e sua lógica financeira certamente desviaria o eixo principal ao_ trabalhar apenas com aqueles grupos identificados como mercado.

Foi decisivo tudo acontecer na universidade por ser também um espaço que possibilita a neutralidade, embora existam naturalmente correntes políticas e ideológicas que interagem, às vezes, de formas até conflitantes. Mas sua legitimidade social nos permite uma aproximação muito mais ágil, ao contrário, por exemplo, de quando o contato com a comunidade é feito em nome de governos. Nestes casos, a tendência é a imediata identificação com poderes dos setores

31

Como qualquer instituição tem lógica própria, mas não conhecemos outros espaços com nichos para a dinâmica do novo e de vanguarda, que ocorra no seu âmbito sem, efetivamente, ferir a grande estrutura. Os processos acontecem com a certeza de que ela, enquanto instituição, jamais será sequer semelhante ao que está sendo vivenciado. Mas enquanto reproduz determinado modelo, ela propicia que outros existam. Convive com as diferenças, com forte grau de autonomia. E, à medida que parte da universidade consiga perceber essa realidade, é possível uma mudança no seu próprio eixo de conhecimento, no sentido de ser um campus avançado de fomento de novos conhecimentos e processos transformadores. Constatamos isso quando começam a surgir outros grupos universitários interessados no projeto, procurando a Incubadora como campo de pesquisa. E não são poucos os grupos que têm nos procurado.

Atuação

Protegendo os que nascem frágeis As incubadoras de empresas são projetos recentes e bastante modernos no mundo inteiro. O objetivo primeiro é proteger algo frágil que está 1 começando a existir Há muito pouco tempo o mercado mundial contatou o enorme potencial existente no meio acadêmico para a geração de empresas e novos negócios. Na década de 80, a própria conjuntura pressionou para que se aprofundasse a discussão sobre a necessidade de criar espaços para que estas sementes germinassem. A partir de então a proposta das incubadoras se fortaleceu e começou a ser difundida intemacionalmente. Existem hoje, no Brasil, 70 incubadoras. Em 90 eram 8. A perspectiva é de que no final de 1998 estaremos ultrapassando a barreira de 100 incubadoras instaladas, em sua grande maioria — cerca de 70% — em universidades e voltadas para empreendimentos de base tecnológica. Muitas estabelecem parcerias com associações empresariais e prefeituras. Nos EEUU, ao contrário, existem 530 unidades em operação e apenas 30% como incubadoras de alta tecnologia. Grande parte dos projetos no mercado americano é dirigida a segmentos específicos da população. Existem desde incubadoras para estimular geração de empresas para mulheres até aquelas que investem em tribos indígenas. Na Coppe, o projeto da Incubadora de Empresas começou a ser discutido em 1990, mas só inidamos, efetivamente, as nossas atividades em 1994, exatamente no prédio onde, poucos anos depois, foi instalada a Incubadora de CooperatiNás. O grande diferencial é que a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Popularesié absolutamente pioneira no Brasil. Temos registrado na nossa associação um enorme interesse entre os participantes sobre esse trabalho que hoje consta de nossa pauta de discussões como um tema da maior relevância. A"incubação" de novos negócios é, na prática, um mecanismo muito vivo que se presta para várias atividades. Temos, por exemplo, na UFRJ uma incubadora que abriga artistas plásticos. Mas o que marca a diferença deste projeto é o seu potencial de gerar empregos, dando oportunidade de melhoria de condições de vida à população carente. O momento agora é de apoiar essa experiência da Coppe, em função do seu pioneirismo e de sua importância social, no sentido de amplificar e dar maior divulgação para que os resultados não só sejam conhecidos como multiplicados.

32

Mauricio Guedes Pereira Coordenador da Incubadora de Empresas — COPPE/UFRJ epresidente da AssoCiação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas

A conjuntura é favorável porque o grau de violência e de exclusão provocam novas leituras do quadro social. Há claramente, por parte do poder instituído, uma tolerância para que coisas ocorram nesse rumo. Há locação efetiva de recurso e de pessoas. Parte do êxito desse projeto deve-se, portanto, ao momento em que foi deflagrado, embora não se descarte, indiscutivelmente, a competência, a coragem, a garra, e muitos outros motivos. Mas não acreditamos que na década de 70 ele tivesse o mesmo sucesso.

E é exatamente essa conjuntura favorável que viabiliza e imprime, com cores fortes, o caráter estrutural do projeto. Sua força tem origem na forma como demonstra a possibilidade de trabalhar com setores historicamente alijados tanto do mercado informal quando do formal. Toda a discussão que se trava em torno do cooperativismo popular hoje aponta para soluções ou levanta a discussão de questões estruturais.

33

locais, ou políticos e suas campanhas. Quando dizemos: "nós somos a universidade", nos legitimamos num primeiro momento. No segundo, o que nos legitima é o trabalho realizado e as relações de confiança e cumplicidade estabelecidas. Fica tudo mais simples. E para a academia também é importante essa ponte com uma grande parcela da população que desconhece e não tem qualquer acesso às escolas de 3° Emboragrau.exista a clareza de que é um fator decisivo as cooperativas populares nascerem no seio das universidades, também é decisivo, no momento em que tudo isso acontece, uma conjuntura extremamente favorável. Ousamos afirmar que não são as propostas que são brilhantes, e sim o tempo em que elas se apresentam. Todas essas idéias vêm de encontro a um problema maior. Não é a primeira ação de uma universidade na comunidade. Não é a primeira ação em universidade que reúne excluídos e que se investe em capacitação.

Aqui a gente aprende ganhando, além de dar oportunidade de emprego pra galera que assim não fica ai à toa. Estamos querendo agora o crescimento do mercado. Hoje a gente ainda é peixe pequeno, mas um dia vamos chegar lá em cima. Fátima cooperativada

34

alguma coisa está foraordemda Não existem duas sociedades. Todos vivemos no mesmo território e nos relacionamos. A diferença está na forma como nos inserimos. Não existem duas cidades, dois estados, duas economias. Existe uma única cidade, cuja forma de inserção é extremamente diferenciada. Não temos espaços como uma aldeia indígena, com leis e vínculos próprios.

Na cidade todos se relacionam. O narcotráfico não vende para favelado. Seu mercado é fora da favela. Pode não ser a melhor, mas há uma relação. A polícia que entra na favela é uma polícia do Estado. Há uma relação, só que é desfavorável. O que se busca é modificar essas relações. Foi com essa proposta que, em linhas gerais, pensamos a Incubadora de Cooperativas. A CoppeCoordena-ção de Programas de PósGraduação em Engenharia foi o seu berço, especialmente pelo alto grau de autonomia dentro da estrutura da UFRJ, além de uma dinâmica bastante razoável na construção de parcerias e convênios. A Incubadora de Cooperativas é um projeto novo dentro daquela estrutura universitária, mas não 1 é a Única ação neste sentido. Muitas outras equipes desenvolvem trabalhos `at» 1 que têm como principal marca a preocupação social. 35

CooperativasCooperativaincubadasdeTrabalho

Além do prestigio, da dinâmica do novo, requisito básico para quem quer construir, outro fator determinante foi a postura política de sua direção, que teve uma visão progressista nas suas relações. A cultura Coppe talvez não admitisse a incorporação em seus programas de um projeto com esse perfil, mas não podemos esquecer que foi o corpo da Coppe que elegeu seus dirigentes, o que a coloca como fruto de uma linha de pensamento majoritária naquele momento. Tudo isso permitiu que o projeto, apesar das dúvidas quanto ao seu caráter, e do grande questionamento interno, não fosse inviabilizado. A direção deu a sustentação política para que ele acontecesse. Na época, o Professor Roberto Bartholo estava criando um novo núcleo, um laboratório na área de engenharia de interesse social, dentro da Engenharia de Produção e também deu um grande apoio,

Novo Horizonte - NOVO HORIZONTE Municipio de Duque de Caxias — Baixada Fluminense /RJ Fase: Fundada, legalizada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 04/96 - 64 horas, 09/97 - 24 horas. Assessoria antes do mercado —192 horas, projeto —270 horas, administração -200 horas, formação —600 horas Associados: 120 Postos de Trabalho: 110 36

Cursos: Contabilidade de Cooperativas I, Rotinas Administrativas I, Metodologia para Confecção de Atas I, Limpeza Doméstica e Predial e Iniciação à Informática. Setores: Limpeza Geral e Laboratorial e Construção Civil. Histórico: Inicio das atividades em dezembro 95. Primeira cooperativa incubada, inicialmente era formada por diaristas, depois agregando-se a ela trabalhadores da construção civil. A Novo Horizonte teve dificuldades para entrar no mercado; com o apoio do Comité da Ação da Cidadania de FURNAS Centrais Elétricas, entrou efetivamente no mercado em agosto 97, atuando na área de limpeza geral. O setor de construção civil foi desativado em janeiro 97 e está sendo reorganizado neste momento.

37

legitimando o projeto dentro da instituição e trabalhando na mesma vertente. Foi essa área que nos deu, no primeiro momento, o maior suporteIdentificamosoperacional.no processo de implantação e consolidação da Incubadora, a reação de três grupos: um radicalmente contrário, que considerava a proposta inadmissível, baseado no argumento ideológico de que a Coppe estaria entrando na área específica do serviço social, o que desmoralizaria a instituição. Esse grupo torceu contra, mas não jogou esforço maior para inviabilizá-la. Outro grupo achava interessante, identificando-a como algo que não incomodava, semelhante a distribuição de cestas básicas ou de ticket refeiçãouma forma ajudar um pouco os pobres. Não incomodaria a instituição esse trabalho social. Já um terceiro grupo, especialmente do corpo

Luz antes do fim do túnel A economia solidária tem hoje um forte apelo: é uma forma prática de enfrentara crise do trabalho. De um modo geral, prefeituras, políticos e sindicalistas têm demonstrado interesse crescente por empresas autogeridas, co-geridas ou por organizações coletivas e comunitárias.

Cooperativa de Mecânica, Eletricidade e Instrumentação Civil - COMEICE Município de Duque de Caxias — Baixada Fluminense /RJ Fase: Formada, legalizada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 03/96 - 36 horas. Assessoria antes do mercado — 144 horas, projeto — 144 horas, administração -200 horas, formação —600 horas Cursos: Contabilidade de Cooperativas I, RotinasAdministrativas I, Metodologia para Confecção de Atas I. Setores: Eletricidade Industrial e Portaria.

Paul S nger Prof. de Economia da' USP

38

Coletivamente, os trabalhadores têm muito mais força e recursos para construir formas mais dignas de trabalho. É, sem dúvida, um processo superi r de organização da produção em relação às empresas capitalistas.

Trabalhadores em cooperativas de produção não obedecem a ninguém, não têm patrão e, por outro lado, não podem fazer corpo mole, como acontece muitas vezes com quem tem quem pague seu salário no final do mês. Ao contrário, eles são obrigados a se interessar, a se comprometer, a atuar em conjunto com os seus pares. Esse exercício democrático e de cidadania é muito superior ao que ocorre no sistema capitalista. É verdade que existem criticas no movimento sindical, mas é verdade também que os sindicalistas estão divididos. Alguns setores dizem que os cooperativados deixam de ser trabalhadores, apontando uma série de pontos considerados inaceitáveis para os sindicatos quando as empresas se transformam em cooperativas. E outros setores apostam no sindicato de trabalhadores em qualquer condição dentro de um ramo setorial, sejam eles cooperativados ou não. Espero e acredito que a CUT e o movimento sindical, a partir dos frutos de todas estas experiências e do crescimento destes grupos se convençam de que pelo fato de ser um cooperado nenhum cidadão deixa de fazer parte da classe trabalhadora. Será muito útil aos sindicalistas poder contar com as cooperativas, pois estes os informarão sobre as reais condições do mercado quando houve' negociações salariais. O caminho é esse Em breve, cooperativas e sindicatos vão seguirjuntos.

Associados:

técnico, acreditou, considerou importante e deu um apoio altamente subterrâneo, como abrir portas e conseguir anonimamente que ele se viabilizasse. Mas nenhum dos três grupos acreditava que o projeto pudesse crescer Basicamente,tanto.oque a Incubadora trazia de novo era o público. O novo era o trabalho com os excluídos e não o fato de ser uma Incubadora, que enquanto instrumento já está consolidado. Dentro da Coppe, dar aulas, dar cursos, dar assessoria, faz parte de sua história. O novo era o trabalho com excluídos de forma tão acentuada. Também novo em termos, porque a Engenharia de Produção, por exemplo, já promove trabalhos nessa linha. Mas ele transforma-se em um marco na medida em que toma corpo próprio e assume uma outra dimensão, num clima de surpresa e susto. Não se esperava um trabalho desse tamanho, com forte inserção na mídia e reconhecimento nacional, tornando o processo praticamente irreversível. Como a surpresa veio acompanhada do prestígio, o susto resultou em mais aplausos do que em críticas. Com isso, o grau de tolerância aumentou e a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares passa a ser mais uma face positiva da instituição. Aceita por uns, aplaudida por outros. Crescemos claramente nos seus subterrâneos, sem qualquer visibilidade em sua primeira fase. Por um lado, por estarmos fora das instalações físicas e, por outro, em função da independência financeira alcançada. Isso não traz o debate cotidiano do projeto: o que os olhos não vêem o coração não sente. A estratégia de crescimento foi em parte pensada, e foi, com certeza, a única forma de sermos aceitos: com visibilidade externa e prestigio. Mas até chegarmos a esse estágio - que só ocorreu no final de 1997, ou seja, dois anos após a criação da Incubadora - muita água rolou por baixo de muitas pontes. Histórico:Inicio das atividades em janeiro 96. Contato com grupo da Novo Horizonte. Inicialmente parte dos associados trabalhou em portaria predial visando impulsionar o funcionamento da cooperativa enquanto outros buscavam trabalho na área especifica da cooperativa. Em abril 98 começou a conquistar seus primeiros contratos. 37 Postos de Trabalho: 28

39

É uma nova maneira e trabalhara correr atrás do mercado de trabalho que tá muito difícil. A cooperativa pra mim significa oportunidade de trabalho. Hoje eu me tornei uma profissional liberal, não tenho mais patrão e a minha vida financeira depende de mim. Trabalhando e lutando eu vou conseguir Hoje, o futuro é Romildanosso. cooperativada

Cooperativa de Trabalho, Montagem e Manutenção Industrial - MONTCOOP Município de Duque de Caxias — Baixada Fluminense /RJ Fase: Fundada, legalizada, em reestruturação Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 03/96 - 32 horas. Assessoria antes do mercado — 192 horas, projeto — 64 horas, administração -144 horas, formação— 32 horas Cursos: Contabilidade de Cooperativas I, Rotinas Administrativas1. Setores: Montagem e solda industrial. 40

Associados: 20 Postos de Trabalho:41

Histórico: Inicio das atividades em 01/96. Contato realizado durante o processo de fundação da Novo Horizonte. Grupo de operários qualificados inseridos no complexo industrial da REDUC - Refinaria Duque de Caxias. Esta cooperativa inseriu-se no mercado logo que foi cilada. Conflitos internos dificultaram o seu desenvolvimento. Atualmente passa por um processo de reestruturação.

o ca min ho A primeira reunião para discutir o que viria a ser mais tarde a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares aconteceu das pedras no dia 5 de janeiro de 1995, com a direção da Coppe, do Coep

- Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida e do Banco do Brasil, numa perspectiva da UFRJ trilhar um caminho semelhante ao que a Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz já havia feito anteriormente, ou seja, contratar as comunidades do entorno do campus. Isso aconteceu em 1994, quando o grau de violência na Fiocruz era altíssima com custos bastante elevados para blindar janelas, garantir policiamento, construir muros. Chegou-se a tal ponto que a única forma de resolver o problema era sair daquela área, pois não podiam sequer dar aulas, até que um grupo da Fiocruz, que já trabalhava com a comunidade de Manguinhos, reali7ou urna pesquisa e constatou que 80% dos chefes de família da favela estavam desempregados. A opção política da Fiocruz foi estabelecer uma relação mais estreita com a favela. Se o problema era o desemprego, por que não

Cooperativa dos Trabalhadores de Vigário Geral - COOTRAVIGE Favela de Vigário Geral, Municipio do Rio de Janeiro. Fase: Fundada, legalizada, em operação acompanhamento no mercadà Formação:Curso Básico de Cooperativismo: 00/96 -32 horas. Assessoria antes d horas, administração - 120 horas, formação -300 horas Cursos: Contabilidade de Cooperativas I, Rotinas Administrativas I, Metodologia . Geral e Laboratorial. Setores: Limpeza^Geral é Laboratorial e Construção Civil. mercado -92 horas, projeto -90 ara Confecção de Atas I, Limpeza 42

O Homem como agente do seu desenvolvimento (9trabalho da Fundação Banco do Brasil orienta-se para alternativas que ofereçam aos brasileiros, especialmente aos mais carentes, as condições necessárias ao seu crescimento e bem-estar pessoal. Isso significa investir não apenas no mero assistencialismo - que normalmente se esgota com facilidade e rapidez - ,mas dotar o cidadão de voz e projetos capazes de tomá-lo o principal agente do próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o cooperativismo tem-se mostrado uma das formas mais mobilizadoras e solidárias para o trabalho. A conjugação de esforços propicia otimização da mão-de-obra e a democratização do aprendizado e das oportunidades. É, sem dúvida, um horizonte dos mais promissores no momento em que se buscam opções no combate ao desemprego e suas conseqüências.

O exemplo daIncubadora de Cooperativas Populares -projeto nascido no' Rio de Janeiro e que começa a ganhar todo o Pais-, é uma das mais importantes ações já apoiadas pela Fundação Banco do Brasil. Não só pelas soluções concretas que se pode oferecer para um dos mais graves problemas sociais atualmente enfrentados pela população, mas também por permitir a inúmeros brasileiros vislumbrar um futuro com mais confiança e otimismo no Brasil. João Pinto Rabelo Diretor Executivo da Fundação Banco do Brasil

14.,

SI

abrir mercado? Através da Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil, foi feito um contato com a Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que já tinha um trabalho histórico com cooperativismo. Pioneiros nessa relação universidade/cooperativismo, com metodologias desenvolvidas ao longo de muitos anos de experiência, eles vêm para o Rio com total disponibilidade. Contam, Thclusive, entusiasmados, com a possibilidade de divulgar nacionalmente o trabalho que realizavam em Santa Maria. Concluem as duas tarefas com êxito absoluto. Convivem com a comunidade, são ameaçados pelo tráfico, disputam e ganham espaço mais a confiança da comunidade e montam a cooperativa, com estatuto e todo o desgastante processo de legalização. Começam a trabalhar com cerca de 20 pessoas na favela. Não seria exagero afirmar que, de certa forma, tudo o que hoje está em pauta começou com essa riquíssima experiência da Fiocruz, grande aliada no trabalho que estamos desenvolvendo e refèrência forte na reunião do dia 5 de janeiro de 1995, quando debatíamos a abertura de mercado através da UFRJ, até surgir uma proposta inversa: usar o potencial da escola como um fomentador e não só como mercado. Várias articulações foram imprescindíveis, particularmente as do Coep, que reuniu naquele momento, em torno

Histórico: Contato inicial da Casa da Paz em meados de 96. Curso de Cooperativismo em agosto 96. Fundada em setembro 96. Primeiros trabalhos foram pequenas obras. Em Agosto 97: Limpeza geral na Praia Vermelha e CAP.

Associados: 120 Postos de Trabalho: 100 43

Derrubar muros. Construir cidadania aquela época a Fiocruz vivia urna situação critica: problemas com o tráfico de drogas, questões internas bastante delicadas, balas perdidas nas salas de aula, um funcionário nosso seqüestrado, e até hoje desaparecido, que gerou urna grande mobilização na cidade, com fortes reflexos na mídia, nos órgãos de segurança e no próprio tráfico, e urna série de desdobramentos que nos submetiam a uma pressão insuportável. O que fazer? Levantar muros ou trabalhar para mud r a situação econômica e social que está na base da sociedade? A tendência de alguns foi "blindar a Fiocruz. A de outros, criar canais de acesso e maior aproximação com a comunidade. Já existia na instituição a Universidade Aberta levando, entre outras informações, conhecimentos na área de saúde pública para os moradores do Complexo de Manguinhos. Na época, eu era vice-presidente da Fiocruz e conseguimos, com o apoio dos demais membros da direção e funcionários, reunir um grupo muito amplo de moradores e presidentes de associações para encontrarmos juntos a porta de saída daquela situação. Em seguida, já num segundo movimento, realizamos o que chamamos de "estimativa rápida" da comunidade, quando constatamos o alto índice de desempregados. Através da Universidade Aberta surgiu a idéia de estimular a criação de uma cooperativa de trabalho. Até por antecedentes históricos de vida, Cynamon(Szachna Cynamon, coordenador da Universidade Aberta) tínhamos uma fé: apostávamos na força da organização coletiva e do trabalho conjunto. Por convicção, acredito muito mais nas saídas coletivas do que nas opções individuais. Éramos dois sonhadores, confiantes na solidariedade como um valor inquestionável. Enfrentamos muitas resistências e visões preconceituosas. Era muito difícil—para muitos —entender a abertura das portas de uma instituição do porte da Fiocruz para o povo de Manguinhos.

Partimos para essa iniciativa e levamos a proposta para o Coep-Comitê de Entidades Públicas que levantava com o Betinho, a Comunidade Solidária e outras instituições as bandeiras da cidadania, da geração de postos de trabalho e das ações solidárias, contra a fome, a pobreza e a miséria. O apoio foi total, especialmente da Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil e da coordenação do Coep. Do Instituto Superior de Cooperativismo, de Santa Cooperativa Mista dos Trabalhadores do Parque Royal - ROYAL FLASH Favela Parque Royal, Ilha do Govemador - Município do Rio de Janeiro. Fase: Formada, legalizada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 08/96 - 128 horas, 01/97 - 32 horas. Assessoria antes do mercado — 272 horas, projeto —228 horas, administração - 192 horas, formação —192 horas Cursos:Contabilidade de Cooperativas I, RotinasAdministrativas I, Metodologia para Confecção deAtas I, Limpeza Geral. Setores: Costura e Limpeza Geral. 44

Associados: 50 Postos de Trabalho: 50 45

O atropelo foi enorme. Tínhamos que correr para conseguirmos conciliar o final do contrato da empresa que prestava serviços de limpeza para a Fiocruz com a contrafação da cooperativa. Apesar das dificuldades, conseguimos firmar um convênio histórico, assinado pelos presidentes da Fiocruz e da Cootram, bem como pelo Betinho e D. Ruth Cardoso, responsável pela concretização do primeiro grande passo em todo esse processo. Acomunidade trabalhou muito bem. Sabia que estava jogando ali o futuro empresarial e, de certa forma, o destino de todos eles. Dos serviços de limpeza ampliamos o contrato para os serviços de jardinagem e, posteriormente, de manutenção de equipamentos em geral.

Todos ganhamos. A Fiocruz reduziu em 15% os gastos previstos com a empresa que antes executava esse trabalho e cada trabalhador teve um acréscimo de 2,5 no seu salário— a remuneração subiu mais que o dobro. Um sistema semelhante ao FGTS garantia a devolução de sua cota na empresa caso optasse por se desligar do projeto; um Fundo de Apoio ao Desemprego e o Auxílio Doença garantiam a sobrevivência em momentos difíceis. Hoje, a Cootram é uma importante força econômica, com mil cooperados, um faturamento anual de oito milhões de reais, ampliando cada vez mais o seu mercado, e nossas relações são as mais favoráveis possíveis, harmônicas e de muitoFoirespeito.umprocesso muito rico. A partir dessa experiência nasceu a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, idéia proposta e desenvolvida pela Coppe, que apoia inúmeros projetos de desenvolvimento de alta tecnologia. Por que não começar também a desenvolver tecnologia para a população pobre? É o que eles vêm fazendo.

Maria, minha terra natal, vieram mais dois visionários. Resultado: em seis meses a comunidade deu entrada com os papéis da Cootram-Cooperativa de Trabalho de Manguinhos na Junta Comercial.

Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Históriée: Inicio das atividades em janeiro 96. Fundação em agosto 96. Inicialmente a Royal Flash era uma cooperativa formada somente por costureiras, setor em crise interna constante, a avaliação por parte da Incubadora resultou na mudança do escopo da cooperativa, ampliando para a área de limpeza geral, sua inserção efetiva no mercado se deu em janeiro 98. O Setor de costura está passando por uma reorganização com assessoria de técnicas da área de confecção.

Paulo Buss

da proposta, a Gerência de Cooperativismo do Banco do árasil, a Fundação Banco do Brasil e a Finep-Financiadora de Estudos e Projetos.OCoep foi criado como espaço de articulação para trazer à tona a responsabilidade social das entidades públicas. Seu objetivo, pautado na Ação da Cidadania, liderada pelo Betinho, era mobilizar essas instituições para o combate à pobreza e fazer com que refletissem sobre seu papel enquanto empresas públicas. O Brasil tem uma longa história de empresas muito segmentadas, sem qualquer discussão sobre público. Quando começou, o Comitê era formado basicamente por empresas estatais, segmentadas e voltadas para suas missões especificas. O Coep então se dispôs a abrir o debate, estabelecer parcerias e mobilizar essas empresas em torno de projetos e ações comuns. E assim o fez.

O Banco do Brasil e a Fundação Banco do Brasil atuaram no mesmo processo e em paralelo. A Fundação Banco do Bras 1, como um braço mais institucional de aplicação das políticas do Banco. A Finep foi outra instituição importante na implantação do projeto, com um histórico ímpar, aplicando fortemente recursos na área do trabalho.

Temos ainda o apoio da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária, que surge, no âmbito federal, para fortalecer relações e dar concretude a alguns acordos e convênios. A Secretaria Executiva criou, junto com o Coep, o Fórum de Cooperativismo, reunindo instituições Cooperativa dos Trabalhadores do Caju - ARCO ÍRIS Favelas que compõe o complexo do Caju - Município do Rio de Janeiro. Fase: Formada, legalizada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 04/96 - 64 horas. Assessoria ante 312 horas, administração -200 horas, formação —344 horas Cursos: Contabilidade de Cooperativas, Rotinas Administrativas, Metodologia Hospitalar e Predial. Setores: Limpeza Hospitalar. do mercado —352 horas, projeto — para Confecção de Atas I, Limpeza 46

Existem, na prática, três tipos de relações institucionais: as que se estabelecem a partir de articulações e de apoios, as de financ amento e aquelas de prestação de serviços. No primeiro campo, nossa primeira grande articulação foi o Coep, que lançou na sua rede esse processo. Nas relações de apoios a Fiocruz é uma parceira constante, muito embora não tenhamos desenvolvido, fora a Cootram, nenhum outro trabalho prático. Mas em termos de articulação política nacional o apoio é total. Parceira para todos os momentos.

Existem ainda aquelas que investem no projeto - a Fundação Banco do Brasil e a Finep - no sentido de estar vinculado a um produto e não na perspectiva de viabilizar a sua existência. A contrapartida é a sua realização, a sua existência. Ou seja, apoio para existir e crescer.

Recebemos na medida em que cumprimos determinado contrato.

E, finalmente, os contratantes ou conveniados que se relacionam conosco na prestação de um serviço anteriormente estabelecido.

públicas, e algumas privadas, que trabalham com cooperativismo, com.o uma forma de dar mais lastro a esse debate e traçar diretrizes políticas. As preocupações vão desde a legislação cooperativista até alavancar projetos nessa área. Estas são instituições que articulam e apoiam.

Associados: 100 Postos de Trabalho: 83 47

Tivemos uma posição bastante privilegiada nisso e esse apoio tanto vem nos inserir no debate quanto serve para questões mais pontuais na concretização de ações.

Como trabalhar com entidades, instituições e governos de diferentes perspectivas políticas e conseguir, nesse plano de objetivos distintos, manter a mesma linha? Qual o grau de exigência dessas entidades? Qual o nosso grau de autonomia? O primeiro caminho é deixar alguns pontos Eu só espero que Deus dê saúde a todos nós. Todos que colaboram com a gente, para nosso apoio. Para a gente contribuir melhor Ter um ritmo de trabalho bom. E daqui por diante que apareçam mais serviços para a gente ganhar, sempre mais, trabalhando até Deus querer. Nadir de Almeida Cruz cooperativada

Histórico: Inicio de atividades em Janeiro 1996. Inicio do Curso de Cooperativismo em janeiro 96— Problemas internos na comunidade interrompem o curso, que retoma em maio 96. Grupo fundador formado por cerca de 30 pessoas. O apoio do Conselho de Empresas do Caju possibilita a abertura do mercado. O grupo inicial foi treinado emimpeza hospitalar.

claros, estabelecendo convênios a partir de objetivos muito bem definidos.

Em todos eles a inserção social é o objeto, não se colocando em discussão nem a metodologia nem o campo de ação. Vale o objeto, e ele se realiza na medida em que o produto é a inserção social, postos de trabalho ou o nome que se queira dar. A realidade é muito forte, maior que as idéias e os programas.Emalguns convênios foram grandes as preocupações com relação à confiabilidade da academia. Questionava-se se sua capacidade de executar, com a alegação de que a academia discute muito e produz pouco, e trabalhar com políticas de governo, às vezes, tem um tempo determinado que nem sempre a academia acompanha. Alguns relatavam experiências anteriores, com o argumento de que a academia não respondia ao "time" dos projetos de ação direta. Isso envolv a coisas mínimas como período de férias, greves ou qualquer outra turbulência que não levasse à execução daquele contrato. Outros contratantes ou conveniados demonstravam preocupação tom a forma de execução. Em todos os casos um ponto é muito importante: a confiabilidade. Os convênios foram progressivos. Eles não ocorrem num mesmo momento. A adesão de outros grupos se dá a partir de trabalhos já realizados. Com exceção do Banco do Brasil, da Fundação Banco do Brasil e da Finep e a articulação do Coep, que investiram em algo que não existia, todos os outros convênios são assinados mediante resultados, e o que eles deixam claro é a necessidade da realização do projeto. Quando se elabora o convênio fala-se de postos de trabalho. Não está em questão a indicação, nem do cooperativado, nem do tipo de cooperativa, nem de suas inaugurações. Nunca houve essa colocação. Em todas as reuniões discute-se vantagens, desvantagens e resultados obtidos e nisso eles são muito rigorosos. O que está faltando e por que não se conseguiu? Muitas vezes, a grande preocupação é com relação aos resultados obtidos, e não com a forma como está sendo construído o projeto.

48

Cooperativa Especial da Praia Vermelha - PRAIA VERMELHA Usuários do sistema de Saúde Mental, diversos Municípios / RJ Fase: Formação e acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo. Assessoria antes do mercado constante, projeto, administração, formação —constante. Cursos: Culinária da Castanha-do-Pará e Cartonagem. Setores: Culinária da Castanha-do-Pará e Cartonagem.

responsabilidade, Chegamos finalmente ao momento em que a Incubadora começa a se transformar em cumplicidade e realidade. Toda essa articulação política vai tomando vulto, outros apoios se somam, até que confiança em uma reunião do Coep, em maio de 1995, com a presença dos dirigentes de estatais, foi assinado o convênio do Banco do Brasil, da Fundação Banco do Brasil, Finep e Coppe para a sua instalação.

Histórico: Inicio das atividades em julho 96. Surgida a partir da discussão do Encontro Estadual de Saúde Mental de 1996. Agentes motivadores: Instituto de Psiquiatria da UFRJ- IPBBIUFRJ, Hospitais Psiquiátricos Philippe Pinai e de Jurujuba ADDOM, Associação Cabeça Firme. Cooperativa especial dos usuários do sistema de saúde mental, se desenvolve com metodologia própria. Convênio firmado com Cooperativa de Xapuri no Acre Associados: 20 Postos de Trabalho: — 49

. burocrático tradicional ela não aconteceria. Parece que há uma regra: os projetos que prosperam e apontam soluções viáveis são os que contam coma partidipação e o empenho daqueles que estão dispostos e acreditam que existem novas dadas, novos caminhos e persistem. IO novo demanda abnegação e o apoio de quem acredita. E para apostar no novo e ganhara aposta, o primeiro passo é acreditar nas idéias, acreditar que é possível. E foi o que aconteceu: reuniram-se, para deflagrar esse processo, ema série de profissionais que, além do respaldo institucional, traziam o compronlisso pessoal. Acreditaram, arregaçaram as mangas, a idéia prosperou e estamo vendo nascer esse novo movimento na história do cooperativismo brasileiro. Léc o Lima Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil

e O novo demanda abnegação AIncubadora de Cooperativas tem para a Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil um significado muito especial. Trabalhamos neste projeto há muito tempo, desde o seu inicio. Sempre foi nossa vontade atuar em programas de formação e capacitação na área do cooperativismo. Apesar do nosso cotidiano, tomado por outras questões do banco, dispensamos atenção especial ao Programa das Incubadoras. Aexperiência tem nos mostrado a importância de trabalharmos no sentido de fazer nascer um novo tipo de emp esas cooperativas, onde os cooperados estão treinados, conscientes do que é ser um "empresário-cooperativo" e do significado de participar nos processos de decisão da entidade onde trabalha e, ao mesmo tempo, é proprietário. E um crescimento em termos de cidadania e isso vem transformando as pessoas. Os exd u idos e com baixa auto-estima de ontem estão hoje totalmente envolvidos com o traba ho e se preparando para atuar no mercado. Temos consciência de que os problemas de gestão e a falta de capacitaçâo nas cooperativas — como também nas empresas de uma maneira geral — refletem diretamente em sua competitividade no mercado e no acesso ao crédito. Pessoas mais capacitadas terão condições de gerir melhor o seu negócio e estarão mais preparadas a participar, com maior engajamento e não à margem, dos processos sociais. É importante lembrar que a sociedade deverá aindd esforçar-se muito para encontrar soluções para os "dificultadores" (questões legais, burocracia, formas tradicionais de crédito) que retardam o desenvolvimento das populações mais carentes.

50

Nessa experiência pioneira que o Banco do Brasil vive, é inquestionável que a receita para o sucesso do projeto foi o comprometimento das pessoas. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares só deu certo porque conseguimos alternativas para a solução de várias dificuldades. Dentro do modelo

51

A primeira equipe foi formada por quatro estudantes de Engenharia de Produção, inquietos e com pré-disposição de trabalhar em "outras paisagens. "Na busca de pessoas para montar a equipe, o Professor Miguel de Simoni, da Engenharia de Produção, participa da montagem inicial e dá as primeiras aulas. Incorporamos um administrador de empresas com prática em cooperativismo e agregamos um funcionário da UFRJ. Foi o primeiro grupo, formado em julho de 1995, para a nossa primeira etapa. A partir de janeiro de 1996, contratamos novos técnicos e vamos, paulatinamente, formando o quadro, num primeiro momento muito ligado à Engenharia de Produção e mais à frente se ampliando para outras áreas.

Com este salto de qualidade começa também a batalha para a efetivação do convênio, o que só acontece em dezembro, quando se dá o repasse dos recursos. No percurso somos atropelados por fatos novos: em julho desse mesmo' ano, o contrato da empresa de limpeza da Fiocruz estava para se encerrar e a direção da instituição opta por contratar a Cooperativa de Manguinhos. Isso significava que teríamos que iniciar naquele momento o trabalho, via Cootram, de forma que ela pudesse se transformar numa empresa de porte para atender a Fiocruz. A Cootram passa então de vinte para quatrocentas pessoas. A direção da Fiocruz, através da Universidade Aberta, monta parte do quadro, recruta pessoal para gerenciar o projeto e administrar a Cooperativa, e nós nos agregamos para estruturar os cursos e assessorar na parte de gestão, o que fazemos até dezembro, exatamente quando são liberados os recursos e nasce a Incubadora.

Se a cada três meses nós nos perguntássemos como está estruturada a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, teríamos, a cada três meses, uma resposta. Entre a formatação inicial, que falava de um projeto com a concepção de assessoria e formação, ao grupo que hoje se reúne, enquanto a filosofia de formação e assessoria é a mesma, a forma como isso se molda é distinta. São muitas

as variantes, como conseguir determinado perfil dos técnicos para trabalhar, já que as condições de trabalho não são as melhores. Além disso, conseguir um profissional que contemple pré-requisitos mínimos, não só do ponto de vista técnico, mas de identidade tom o projeto, não é tarefa simples. Algumas áreas são muito mais difíceis que outras. A adaptação é mais simples para os que vêm das áreas humanas. O pessoal de administração ou áreas técnicas encontra mais dificuldades. Nada disso é perceptível em entrevistas. Aflora no decorrer do tempo de descoberta dessas pessoas, a partir do momento que o projeto se identifique com elas e elas se identifiquem com o projeto. Alguns técnicos chegam e ficam a reboque da tecnologia que aprenderam na escola, voltam para universidade e abandõnam o projeto. A única maneira de permanecer é reciclando essa tecnologia, porque os valores absorvidos anteriormente se confrontam com os valores reais da comunidade. Ou ele automaticamente encara essa auto-reciclagem ou vai embora, como muitos foram.

Algumas pessoas são chamadas, outras são indicadas por membros da equipe e outras chegam, não sabemos de onde, querendo trabalhar conosco. Umas saem muito rápido, outras permanecem dando o sangue. Ficam mais aquelas que têm maior inquietude. 70% das pessoas que integram a equipe da Incubadora estão lá de forma integral e 30% estão por oportunidade, talvez pela bolsa, ou por não terem encontrado nada melhor. E isso também muda no tempo. Não são poucos os que entram por opção de trabalho e descobrem um outro mundo. Outros foram por opção absoluta: não sei o que eu quero, mas sei o que não quero. Ficaram e se formaram, aprendendo e ensinando.Operfil do quadro técnico varia muito e diversos fatores contribuíram para isso: dependendo do momento que as cooperativas estão passando, investimos mais em assessoria, em seguida, mais em formação e isso vai moldando seu perfil. Em alguns momentos o

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro da Mangueira - COOPMANGA Favelas que compõe o complexo da Mangueira, Município do Rio de Janeiro.

Fase: Fundada, legalizada, em operação.

Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 09/96 - 192 horas,. Assessoria antes do mercado — 192 horas, administração 200- horas, formação —300 horas Cursos: Lavanderia e cozinha Hospitalar. Setores: Lavanderia e cozinha Hospitalar.

52

Histórico: Inicio das atividades outubro 96. Formação motivada pelo Hospital Universitário Pedro Emesto — UERJ. Primeiro contrato celebrado em 01/97 com o Hospital Pedro Emesto e posteriormente com o Instituto de Assistência do Servidor do Estado do Rio de Janeiro no final de 97.

GenivaldocooperativadoNascimento

administrativo tinha maior peso. Hoje é a formação. Daqui a três meses certamente a assessoria irá igualar ou superar. Mas em todos os momentos responsabilidade é uma palavrachave. É o que mantém esse projeto vivo. Cumplicidade. Correr junto. Isso fica muito claro nas avaliações de equipe. É comum

Associados: 280 Postos de Trabalho: 225 53

. „a•ttr j. , 1.4 Ne— WirSc.••ts, A Cooperativa não é mais que nada. É a mesma coisa dos outros servicos. Mas minha família sente que mudou muito. Antigamente não dava e agora tá dando. Aos poucos tá dando. Trabalho dia de semana e fim de semana também. Eu levanto a minha casa, vou lá pro meu terreno fazer minha casa. Moro em casa própria no terreno do meu pai. Agora comprei um terreno.

O grande desafio: ganhar escala ejComunidade Solidária, desde o primeiro ano, participa da implantação deste projeto que, já na sua origem, se preocupava com a realidade da população de baixa renda e o combate à exclusão. A soma de esforços da Fiocruz, do Banco do Brasil , da Fundação Banco do Brasil e, posteriormente, da Finep e de outras instituições, mais a inquestionável experiência da Coppe, permitiu que a idéia se consolidasse e fosse ampliada para outras regiões. A proposta de multiplicara Incubadora e propagá-la sempre foi consenso nesse grupo. Tínhamos todos o mesmo entendimento: a linha fundamental de ação é a melhoria da qualidade de vida, a capacitação e a educação.

Dentro do Comunidade Solidaria trabalhamos com cinco eixos específicos: redução da mortalidade infantil; apoio ao ensino fundamental (primeiro grau); melhoria das condições de moradia (habitação e saneamento básico); geração de ocupação e renda e apoio à agricultura familiar. A partir destas áreas investimos no apoio a outras parcerias, inclusive para capacitação de jovens com recursos de entidades privadas. Trabalhar investimentos a serviço das comunidades mais carentes é nosso objetivo maior e o projeto da Incubadora se insere nessa perspectiva, contemplando de maneira bastante expressiva uma de nossas cinco principais áreas de ação. .

Nesta trajetória, apoiamos, num segundo momento, a criação do Fórum de Cooperativismo de Trabalho, sob a coordenação do Comunidade Solidária e do COEP, buscando soluções para os sérios problemas enfrentados no processo de formação das cooperativas, como, por exemplo, a concessão de alvarás. Dentre as principais realizações destaco a implantação de uma central de atendimento sobre cooperativismo no Ministério da Agricultura, com um serviço de telefone público à disposição para consultas. Reunidos em um seminário nacional ampliouse a discussão sobre o cooperativismo de trabalho abordando, em grupos, temas como capacitação, produção, formação e legalização.

Participei também de reuniões nas áreas de cooperação, como a que ocorreu no Hospital Pedro Emesto, com cooperados. Foi uma experiência extremamente rica conversar com essas pessoas, trazê-las para dentro da universidade para que reflitam sobre as suas problemáticas. Os cooperados sentados com os professores nos bancos da universidade para buscar, junto coma academia, soluções para os seus problemas. É o saber a serviço da prática. Na busca de altemativas, abre-se uma outra discussão para essas pessoas, e cria-se instrumentos de acesso à informação, porque um dos maiores entraves do cooperativismo é a falta de conhecimento dos cooperados com relação aos seus direitos e deveres. O que precisamos agora é agilizar esse processo e ampliar a experiência aproveitando a metodologia que já está disponível. Nosso maior desafio hoje é ganhar escala. Ana Peliano Secretária Executiva do Comunidade Solidaria 54

Mas o que não se registra é que também existem outras formas de investimento. Percebe-se, por exemplo, que estudantes universitários, com vinte anos, estão jogando suas carreiras num estágio ou experiência profissional nesse campo de trabalho. Não optaram por uma multinacional ou outra perspectiva, conscientes de que o seu próximo trabalho decorre da experiência que vivenciam agora. São engenheiros, arquitetos, administradores, contadores, teólogos, pedagogos, sociólogos e assistentes sociais que constróem nesse espaço parte de sua história profissional. O mesmo se identifica também no universo do cooperativado. Se afirmarmos que eles não têm trabalho não estaremos dizendo toda a verdade, porque eles estão sobrevivendo e se estão sobrevivendo estão tendo alguma resposta financeira. Não é a melhor, mas alguma estão tendo. Entrar num processo desse é investir em algo que não se conhece, que se apresenta como um amanhã mais tranqüilo, mas sem muitos dados para provar que será. A insegurança e a descoberta são constantes. A maioria, de ambos os grupos, já entrou em crise se perguntando se realmente este seria um bom caminho.

É senso comum dizer que o grande investimento se dá através das fontes de fomento ou conveniados por considerarmos que o que fazemos na Incubadora se reflete em ações que beneficiam populações de baixa renda que, na realidade, são aqueles que correm o grande risco por investirem financeiramente.

ouvirmos, "minha responsabilidade", "tenho que prestar contas àquele chefe de família" Esse lastro direto ao seu objeto é bem mais importante que a Incubadora. É muito forte. Isso explica porque nas crises econômicas não houve perda de continuidade. Se não fosse esse o compromisso, nas dificuldades, e como elas existem, a Incubadora não teria sobrevivido. À medida que o compromisso é com o cidadão, isso garantiu a continuidade. Mais importante que a Coppe e a universidade é o cooperativado e sua família.

55

Nesta divisão, fica combinado que o desenvolvimento é econômico e a pobreza é social. A divisão é de um simplismo admirável, mas de uma força ideológica impressionante. Quando entram na fábrica, os trabalhadores são fatores econômicos. Quando saem, são problemas sociais. Quando definem seus orçamentos, os governos são atores econômicos, quando tratam de saúde e educação, os governos são incompetentes sociais sem recursos, verbas e responsabilidades.

ej mundo econômico, os governos, as instituições e a sociedade não podem mais aceitar ou permitir todas as tentativas que vêm sendo feitas de separação entre o econômico e o social. Separar um do outro é deixar o real com o econômico e o utópico com o social. Esta é uma separação que inclui no mundo da economia a produção de bens materiais, mas faz com que a dimensão social desta mesma produção fique restrita à conseqüência.

A sociedade moderna dissociou a produção do emprego. Isso só faz aprofundar o abismo entre os integrados e os marginalizados. É imperativo encontrar o caminho do emprego. Sem emprego, não haverá humanidade para todos. A tecnologia não pode se transformar na racionandade do novo apartheid mundial. O desenvolvimento é humano, é de todos ou não existe. É imperativo dar ao desenvolvimento esta dimensão universal. Betinho

Cooperativa de Trabalho Artes de Novo Palmares — NOVO PALMARES Favela Novo Palmares, Vargem Pequena, Município do Rio de Janeiro. Fase: Em Formação.

Formação: CursoBásicodeCooperativismo:09/96-192horas,Assessoriaantesdomercado—120horas,formação —300horas Cursos: Conservação de Alimentos. Setores: AlimentaçãoeLimpezaGeral. 58

linha uma Cooperativa de limpeza se formando. Comecei a trabalhar no dia seguinte, através de um sorteio com bastante gente. Apesar de estar difícil, consegui trabalho dentro de casa. Tenho o estatuto e leio de vez em quando para esclarecer as dúvidas. Tudo é decidido pelos cooperativados. Sempre pela maioria. Se tiver algo errado chamam a gente para fazer reunião. Adriana dos Santos cooperativada

Histórico: Inicio das atividades outubro 96. Formada por pessoas de baixíssimo poder aquisitivo, todas as dificuldades se apresentam: dificfi acesso, falta de comunicação, falta de saneamento básico e falta de espaço para se reunirem. A resistência da liderança local dificulta ainda mais o crescimento da cooperativa.

Descobrimos que o simples fato da permanência das pessoas já indica uma grande afinidade, que deve ser lapidada, aprimorada e que sempre nos leva a algum lugar.

O que há por trás É bem emocionante perceber quando os estudantes universitários descobrem alguma coisa CIOS muros a ser feita com a inquietude que trazem na alma e que nem eles conseguem definir. Costumamos brincar que quem chega até a Incubadora como estagiário já deve ser olhado com carinho. As instalações são precárias, o espaço físico não comporta o número de técnicos, cooperativados constantemente realizam reuniões simultâneas e o nosso público-alvo é formado pela população pobre da cidade. E se mesmo assim, depois de um mês, com todas as dificuldades inerentes ao próprio trabalho, mais as do projeto como um todo, ele decide ficar, deve ser tratado com muito carinho. E temos uma visão comum de que esse é mais um fator que mantém a Incubadora até hoje.

Associados: 20 Postos de Trabalho: — 59

dos prazos atropelarem a possibilidade de uma discussão mais profunda e de um registro mais consistente. A dimensão do projeto exige o debate. A Incubadora hoje tem um rosto, uma voz e se insere numa discussão estrutural e riacional.

Cooperativa das Costureiras de Fernão Cardim — FERRÃO CARDIM Favela de Femão Cardim - Bairro de Pilares,Municipio do Rio de Janeiro. Fase: Formação e acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo -64 horas, e formação —64 horas Cursos: Rotinas Administrativas I, Metodologia para Confecção de Atas I Setores: Costura 62

É a universidade pública "botando o dedo na ferida", são os sendo acusados por boa parte do movimento sindical de estaremtécnicos precarizando o trabalho e ajudando a combater os direitos adquiridos e as conquistas dos trabalhadores, tirando dessas pessoas o direito da carteira assinada. Enquanto isso, nas favelas, a grande maioria que integra o projeto há muitos anos não sabe o que é uma carteira assinada. Estamos tirando alguma coisa que eles não têm le nunca tiveram. Essa discussão deve ser nacional. E a incubadora tem hoje uma história que permite uma intervenção direta nessa questão estrutural.Setecentas pessoas trabalhando pode não significar nada, apenas mais um dado estatístico. E nós não temos a intenção de viver de estatísticas. Queremos saber se essas pessoas podem entrar no mercado em melhores condições e também queremos saber quem sai para que elas entrem. Ninguém se propõe a fazer o rodízio da miséria. E não adianta abrir essa discussão só entre nós. Indiscutivelmente, as cooperativas populares contribuem para o aumento da renda e, conseqüentemente, do consumo e ainda criam as bases para que, em um segundo momento, essa parcela da população tenha condições de entrar nas áreas de produção, com a perspectiva da abertura de novos mercados e novos postos de trabalho. Todos esses fatores, mais os efeitos indiretos, indicam que, neste caso, o cooperativismo aponta para mudanças significativas. Mas mesmo sabendo que desmontamos estruturas viciadas, que estamos criando oportunidades para a inserção de um grande contingente de pessoas no mercado formal e que os que entram vão ter condições de se capacitar e se formar para autogerir suas próprias

Histórico: Inicio do trabalho em outubro 97. Grupo inicial de 10 pessoas inconstante, sem conseguir ampliar o número de pessoas. Curso interrompido em dezembro 97 e retomado em abril 98. Grupo mais firme e internahado. Possui mercado de costura de facção, necessitando melhorar sua inserção no mercado. Fez os uniformes para as outras cooperativas. O trabalho vem sendo acompanhado por profissinal da área de costura.

empresas, o que efetivamente é um grande salto de qualidade, não diminui a angustia de todos nós que nos propomos a modificar estruturalmente o quadro de miséria nacional, quando percebemos que, na prática, isso não ocorre. O cooperativismo não vai, efetivamente, gerar postos de trabalho se as políticas econômicas não forem repensadas e suas diretrizes modificadas, porque a iniciativa da população pode encontrar alternativas, mas nem sempre é possível inventar os caminhos.

Com a mesma intensidade que defendemos em nossos fóruns a necessidade de aprofundar discussões, fazemos a defesa intransigente da abertura de novos fóruns para ampliar esse debate.

Associados: 23 Postos de Trabalho: 23 63

Apostamos na idéia e abrimos as portas das instituições que compõem a nossa rede para que o projeto se concretizasse, cumprindo nosso papel de mobiliza as empresas públicas para somar forças e investir no combate à exclusão, à fome e à miséria. O Coep é, na verdade, uma corrente com elos que formam uma rede inédita no pais, rompendo bloqueios e abrindo as portas de instituições que nem sempre reconheciam os melhores canais para atuar na área social e que hoje vêem com outros olhos os projetos baseados em sólidas parcerias e compromissos comuns. As experiências da Cootram e, em seguida, da Incubadora, levaram a outras possibilidades, como a criação do Fórum de Cooperativismo e do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas, ambos dando ao projeto uma dimensão nacional.

O papel social das entidades públicas AFiocruz, diferentemente de outras entidades, tem uma concepção soda muito avançada. Aexperiênda da UniversidadeAberta e a própria Cooperativa dos Trabalhadores de Manguinhos, além de outros movimentos que a instituição lidera, confirmam que esse processo não é fruto de investimentos individuais. Mas a vivência com todas as parcerias já estabelecidas no Coep ensinou-me que mesmo quando há um forte apoio institucional é inegável a importância de termos as pessoas cedias nos lugares certos. A Fiocruz, na implantação da Cootram, linha além da vontade política um grande envolvimento de uma verdadeira rede de pessoas dispostas afazer acontecer; a população estava mobilizada, e ainda existia o mercado, que ema própria %cruz bancando politicamente a contratação da cooperativa. Tudo era favorável, mas os desafios cresciam na mesma proporção. A proposta ousava caminhos novos, esbarrando em problemas que iam desde a contratação, passando pelas resistências ao cooperativismo, permanentemente identificado com a terceidzação, até o fato da comunidade não estar capacitada a lidar com aquela experiência. Era preciso capacitar a comunidade para o trabalho. É nesse momento que o Coep-Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida entra na discussão, propondo, em parceria com o Banco do Brasil e a Coppe, a implan ação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares.

A partir deste novo enfoque, o cooperativismo é discutido nacionalmente como uma altemativa real de trabalho, particularmente para quem não está no mercado. Recentemente o Coep comemorou mais uma significativa vitória quando, depd s de três anos, a Câmara Social do Governo aprovou recomendação, encaminhada a todas as entidades públicas, no sentido de considerarem a opção da contratação de serviços como uma alternativa importante a partir da experiência do Coep.

64

A Incubadora de Cooperativas tem ainda o importante papel de trazer essa questão social para dentro das universidades brasileiras. Para a população, quem é a universidade? E, na Incubadora, isso é muito cristalino. Replicar essa experiência para outras regiões é fundamental. O grande desafio, no entanto, é ver esse projeto crescer mantendo a autonomia, que é a marca da experiência da Coppe, e a energia e a força dos que os construiram.0 desafio é crescer sem afetar seus principais alicerces.

André Spitz Secretário Executivo do Coep - Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela Vida

A cultura sindical aponta historicamente para a negociação salarial, muito mais que para a gestão dos meios de produção, e por isso essa discussão também é, de certa forma, nova para os sindicatos. Não conhecemos um cooperativado que tenha abandonado uma carteira assinada para entrar para uma cooperativa e temos a certeza de que, se tivesse oportunidade de escolher, não abriria mão da carteira. Mesmo assim os sindicalistas nos confundem com o empresariado, que utiliza o discurso do custo Brasil, dos direitos trabalhistas, dos que pagam para manter o empregado, da CLT, apontando o cooperativismo, ou seja, a terceirização, como a melhor alternativa para o crescimento nacional. O confronto não nos surpreende. Na medida em que o projeto cresce e se amplia, mais as contradições, antes administradas, vêm à tona. E a tendência é que se acirrem em todas as áreas, especialmente num ano eleitoral.

Se dissermos que há uma possibilidade remota de trabalho daqui a três meses, é possível manter durante esse período um grupo coeso em tomo de algo concreto que é o trabalho, sem permitir que aquele grupo só funcione naquela eventualidade. E com um outro desafio: conseguir que esse grupo discuta as mudanças que o cooperativismo pode imprimir em suas vidas e o que significam as ações coletivas. Até hoje existem cooperativas incubadas há mais de um ano com cooperativado perguntando "tenho direito ao auxílio natalício?", "Minha mulher está grávida, ela tem ou não tem direito ao auxilio-maternidade?". O "eu tenho direito, você tem obrigação de me fornecer" é muito forte na cultura do trabalho. Ele perde o direito na medida em que não tem patrão? Ele não perde direito, mas como é que se separa o direito da norma, o direito da lei do direito da relação patrão-empregado?

Não é porque está na CLT que se tem direito, nem porque não é mais regido pela CLT que se perde o direito. É nesse contexto que trabalhamos com as comunidades. Não basta um estatuto perfeito, 65

t t,trigrk#9V: h ••• --;„ _1 >. • 4 ",•• ' 4r. !r, • r wr ' • '. , • "1",r 7 " • • 4, -4 Nic . .•r't • I ie I r j 1111~ ••11~ '' ... • -rr-r •••• P .0 • .1:4 •-sc . • :. j • ) t 4.) s Ir•r : I, ANIL mar sor s •• • 14 Ir —4:4.4 Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Vidigal - COOPVID Morro do Vidigal, bairro do Leblon, Município do Rio de Janeiro Fase: Fundada, em legalização, em operação Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 11/97 - 36 horas e 4/98 36 hora. Assessoria antes do mercado —96 horas, administração 36 - horas, formação —160 horas Cursos: Limpeza e Conservação em hotelaria, Contabilidade de cooperativas l Setores: Limpeza geral e hoteleira Histórico: Inicio das atividades setembro de 1997 Associados: 40 Postos de Trabalho: — 66

com o qual os cooperativados não se identificam. O estatuto é um acordo entre eles para gerir a mesma empresa, conviver na mesma comunidade. O estatuto é a legislação trabalhista deles, e vai ter que se transformar também no acúmulo das conquistas históricas desses trabalhadores tendo como base os seus direitos naturais. O trabalhador tem direitos naturais que vão além do que está previsto em lei. Se perdeu a salubridade do emprego enquanto lei, tem enquanto direito. É tão natural quanto sagrado. Quando colocamos que o nosso direito está escrito em algum lugar, significa que quando ele for revogado deixamos de ter aquele direito, mas quando sustentamos os nossos direitos a partir de nossas necessidades, esse direito supera as normas.

Com as dificuldades existentes, o tempo do projetoé tempo de dar se realizar está diretamente relacionado ao tempo que essas pessoas vão investir. Quando se trabalhatempo ao tempo com empresas formadas por pessoas com nível superior, eles têm um grau de entendimento e uma lógica que podem permitir que a fase de implantação do projeto e realização decorram em um tempo relativamente breve. Quando se fala em empresas de grande porte, ela faz planejamento para daqui a dez anos. Reflorestamento só funciona para quem planeja para vinte anos. Quando falamos em outros grupos sociais, se não pensarmos no tempo de realização das pessoas, se o tempo de expectativa não for compatível com a perspectiva devida, esse projeto caminha para o fracasso. Estudar é um investimento para obter determinada resposta. Se na sua vida a resposta tem que ser imediata, a educação formal não responde aos seus interesses. Nos diversos grupos sociais há uma grande diferença

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Andará - COOPERAR Morro do Andarai, Município do Rio de Janeiro. Fase: Fundada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 12/96 e 03198- 72 horas, Assessoria antes do mercado —272 horas, administração -48 horas, formação — 64 horas Cursos: Limpeza Geral, Rotinas Administrativas. Setores: Limpeza Geral. Histórico: Inicio das atividades em setembro de 97com cerca de 60 pessoas. Entrada no mercado em dezembro de 97.

Associados: 60 Postos de Trabalho: 43 67 Vá

Poderíamos colocar, por exemplo, como um caso extremo, a população de rua, que tem quase que um tempo biológico: dormir, acordarj e a caça ao alimento ou à bebida. A referência do tempo de vida é o dia. Ali ela se realiza e se reproduz sem pensar no amanhã distante. Quando são profissionais que trabalham com biscate ou como diaristas, els têm uma perspectiva de semana. Têm que ganhar e armazenar no ciclo de uma semana. As pessoas jogam muito num curto espaço de tempo.

' A ida a Brasília foi a minha maior emoção em toda essa história que a gente está vivendo. Conhecemos outras pessoas que também têm suas I experiências, divulgamos nosso trabalho pra muita gente e ocupamos espaço no Fórum. Eu nem acreditava. Claudia cooperativada no que se refere à perspectiva de tempo entre o investimento e o retomo.

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Sossego - CAJCOOP Morro do Sossego bairro de Madureira, Municipio do Rio de Janeiro.

Fase: Fundada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: CursoBásicodeCooperativismo:12197—64horas,Assessoriaantesdomercado—64horas,administração —64 horas, formação —20 horas Cursos: Limpeza Geral, Rotinas Administrativas, Contabilidade deCooperativa,RotinasAdministrativas e Metodologia para a confecção de Atas Setores: Limpeza Geral 68

Já aconteceu de nos fazerem uma proposta de trabalhar numá perspectiva mensal e anual com diaristas e pessoas que fazem "bico". Essa proposta não corresponde. Ela tem que ter uma resposta financeira de realização a curto prazo. Quando se trabalha com pessoas que já estão na economia formal, ou de uma forma ou de outra em algum emprego, já existe a perspectiva do mês. Guarda-se um mês de salário, dois, seis, e existe a perspectiva de férias. Nunca ouvimos alguém que trabalhe como diarista falar em férias. Essa é uma perspectiva anual de vida e de realização. As férias começam a surgir para quem está no contexto formal. Quando são profissionais liberais, de nível superior, aí já existe a perspectiva anual de cinco, dez anos, e investimentos em estudo, filhos e na próxima geração. Entre empresários, por exemplo, a perspectiva é de mais de uma geração. Investem em empreendimentos que só terão retomo em dez ou vinte anos. Pensar em montar uma empresa é vivenciar um projeto que vai ter resposta a médio prazo. Não há empresa que dê resposta imediata. Se as pessoas, nestes casos, não conseguirem visualizar ou ter uma expectativa de vida superior ao imediato, jamais o projeto será bem sucedido. A solução deve ser sempre proporcional ao tempo de expectativa da resposta. Um curso de um ano para quem está pensando no seu cotidiano, no seu dia-adia, não terá alunos. Uma empresa vai ter respostas, benefícios, lucro e férias no período de um ou dois anos. Participar de um Fórum de Cooperativismo é acreditar em algo maior. Faz-se uma discussão política riquíssima analisando-se um grande projeto. Quando acaba a reunião não é raro alguém encaminhar como primeira pergunta: "e o vale transporte?". Não é que não tenha entendido, mas é que não dá para pensar num sem lembrar do outro. Esse dilema é progressivo e não se faz essa transformação numa palestra, num curso, numa aula. Também é comum em assembléias, seis meses depois do curso de cooperativismo, alguém lembrar de Histórico: Inicio das atividades em outubro de 97com cerca de 40 pessoas. Entrada no mercado em dezembro de 97.

Associados: 65 Postos de Trabalho: 63 69

Três décadas fazendo história ExisteoanteseodepoisdaCootramnahistóriadocooperativismodetrabalho. em todo o pais. O que aconteceu no Rio, na Fiocruz, foi o marco de um processo que começa em 1975, na Universidade Federal de Santa MariaRS quando demos início a urna ampla discussão sobre o real papel da Universidade. Um rico debate, com posições que ideologicamente se confrontavam, resultou na afirmação da necessidade de se estabelecer parcerias com a comunidade. Nasceu, neste contexto, o Curso Superior de Tecnólogos em Cooperativismo, voltado para o cooperativismo rural, com o apoio do Ministério da Agricultura. Na década de 80, mais especificamente a partir de 1984,0 curso começa a passar por diversas mudanças em seu perfil, em função da busca permanen e de interação e adequação ás exigências do mercado de trabalho. No inicio da década de 900 curso se volta para o cooperativismo de trabalho, uma área completamente nova que nos levou a criara Cootrasma - Cooperativa dos Trabalhadores de Santa Maria Ltda. como o melhor caminho para comprovarmos, na prática, sua realização. A Cootrasma foi a primeira experiência de transferência de tecnologia na área de cooperativismo de trabalho no Brasil. Neste momento tínhamos dentro da Universidade um instituto privado— Instituto Superior de Cooperativismo— e uma cooperativa que agilizaria as relações com a comunidade O lnscoop e a Cootrasma realizavam um bom trabalho, inclusive com a Cootrasma participando de licitações e ampliando seu mercado para outras regiões do Estado, quando nos chega o convite do Rio para assessorara Fiocruz na implantação da Cootram. Construímos e produzimos um modelo que estava dando certo. Mudamols a cultura e o enfoque da relação capital e trabalho. As estatísticas indicando que 6 mercado informal era bem maior que o formal, as empresas fechando as porias, muitos trabalhadores buscando alternativas de uma forma não tradicional, e a¡prática indicando que a forma organizativa mais adequada, naquele momento, era o I cooperativismo e a oportunidade de um trabalho digno e permanente. Antes, não havia relação de trabalho sem carteira assinada. O símbolo do emprego era à carteira assinada e, conseqüentemente; a CLT. Essa nova cultura gera mu tos conflitos e discussões que ainda hoje estão em pauta. A ida para o Rio significava, com a repercussão nacional, a grande oportunidade de consolidação das cooperativas de trabalho e a ampliação desses debates. Montou-se em Manguinhos um modelo, já testado no Rio Grande do Sul, que respeitou todas as formas de organizações locais. ComManguinhosab e-se a discussão nacional do cooperativismo de trabalho como altemativa. É o fim da fase em que só o Rio Grande do Sul elaborava sobre essa questão, mexendo com as estruturas tradicionais. A partir daí conquistamos um espaço que não teríamos com nossos próprios canais. Comseu papel histórico, Manguinhos hoje é tão distante quanto etemamente próximo. .

lrineu Miguel Righi Diretor -Presidente do Instituto Superior de Cooperativismo 70

Mesmo considerando-se que no grupo nem todos têm o mesmo grau de engajamento e de efervescência, na grande maioria essas características são visíveis. Toma-se difícil não misturar as cooperativas com a equipe. Quando um vai bem, o outro vai bem e vice-versa. Quando são muito fortes os conflitos internos isso se reflete nas cooperativas e assim por diante. Um joga energia no outro para seguir adiante. O grupo é plural. Primeiro, porque é interdisciplinar, com

Cooperativa dos Trabalhadores da Chácara de Del Castilho - COOPERDEL Favela Chacara de Dei Castilho, Município do Rio de Janeiro. Fase: Fundada, em operação — acompanhamento no mercado Formação: Curso Básico de Cooperativismo: 11197 e 02/98 - 64 horas, Assessoria antes do mercado —80 horas, administração -60 horas, formação —48 horas Cursos: Limpeza Geral, Rotinas Administrativas, Contabilidade de Cooperativa e Rotinas Administrativas Setores: Limpeza Hospitalar e Costura Histórico: Início das atividades em outubro de 97com cerca de 40 pessoas. Entrada no mercado em dezembro de 97. Associados: 60 Postos de Trabalho: 39 71

Trabalhamos com um grupo social que historicamente tem um pensar a curto prazo e temos que vender um projeto de vida que depende de uma perspectiva de médio prazo. Enquanto não se transpõe esse processo, ou seja, elas não comecem a investir em algo que não seja imediato, o caminhar é muito lento. No mínimo, é preciso mixar respostas imediatas com respostas a médio prazo para que o processo seja bem sucedido. No primeiro retomo eles sairão, como quem se emprega e, na véspera do carnaval, recebem o dinheiro para sair na sua escola de samba.

determinada informação. Aquelas informações vão tendo eco a cada momento. É, sem duvida, um processo de crescimento.

Como quem faz habitação - e habitação é um projeto de futuro - para pessoas que precisam de respostas imediatas. Elas vendem a habitação e compram a fantasia, a comida ou bebem. Para o nosso projeto esse salto é fundamental. E para que ele seja dado tem que haver confiança. Tem que acreditar. E essa crença existe. Essa mesma análise é possível fazer com a equipe. Fazer um estágio em uma grande empresa ou na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares aponta para perspectivas bastante diferenciadas. Não temos a menor dúvida de que qualquer estudante que tenha tido uma experiência profissional na Incubadora sai com uma bagagem extremamente rica, plural. Forma-se um profissional interessante, que sabe entender a linguagem de vários grupos, ou várias expectativas ou, ainda, que sabe dar respostas. A confiança cresce e a resposta vai sendo cada vez melhor à medida que fica clara a questão da transposição do tempo.

L. vt'Ats'i; ‘wwü AWarg9t At . uma gama respeitada de formações; segundo, pelas mais diversas razões que levam tanta cooperativados quanto técnicos a integrar o projeto. Alguns, por razões ideológicas, vêem as cooperativas como um instrumento de libertação da classe trabalhadora, mesmo conhecendo os limites do projeto; outros militam na área de educação popular e vêem aquele espaço como um instrumento de formação e de educação; outros, ainda, pelo exercício da profissão. E tem a chamada militância profissional, quando se trabalha numa perâpectiva ideológica com a qual se concorda. Há os que se engajam simplesmente pela crença num país melhor e mais humanitário. Temos teólogos quase exercendo o sacerdócio ao lado de pessoas que investem na sua realização profissional ou que apostam nas ações libertárias. Isso soma e divide o tempo todo. É difícil apontar o que une e o que divide, presentes tanto no discurso pontual quanto no projeto. Mas, na prática, são bem maiores os fatores que somam. Ora os Conflitos Cooperativas emem formação Cooperativa dos Trabalhadores do Caminho do Job Bairro da Pavuna — RJ Estudo, educação e uma porção de cbisas que não tenho eu quero dar pro meu filho. Entrei na cooperativa por causa do meu pai que também é de lá. É uma coisa boa que dá preferência pra gente arrulhar serviço. O presidente fala, ai pede o voto. As pessoas vão e votam. Tem sempre uma que não !evadia a mão. É que não concordou. Quem ganha é a maioria que votou. cooperativadoMarcos

Fase: Formação, Curso de Cooperativismo — 04 /98 — 36 h, projeto -16 horas. Histórico: Inicio das atividades: 09/97. Entrada no Mercado: 05/98. Grupo inicial com cerca de 30 pessoas Associados: 30 Postos de Trabalho: 21 72

vão freando, ora o somatório de identidades, a partir de uma postura ética que aponta soluções e uma vida melhor, acelera o projeto. O objetivo principal não gera qualquer dúvida ou confusão. Os meios e os instrumentos é que geram os conflitos. Não há questionamentos quanto a ação em si: as vitórias são sempre coletivizadas.

Uma grande preocupação é a possibilidade de institucionalização do projeto. Muitos temem que, com o seu crescimento, não haja mais espaço para a paixão, a dinâmica do novo, as respostas criativas e tudo se transforme numa grande rotina de tarefas burocráticas. Têm o forte sentimento de que crescimento é sinal de institucionalização, e que esse processo mataria a alma do projeto: os cooperativados, as comunidades e a relação democrática construída durante esses primeiros anos com a equipe e com uma proposta de profundas transformações sociais. São eles que seguram, e também se emocionam, com o dia-a-dia do trabalho junto aos cooperativados. A equipe de campo, em contato permanente com as comunidades, como ela mesmo afirma "é fratura exposta lá na base".

A consciência de que é necessário manter uma estrutura que seja funcional, ter voz de comando, exigir organização, representa um grande desafio. Os postos de trabalho, o sucesso das cooperativas, dependem em grande parte do trabalho dessa equipe que tem como função, no mínimo, montar uma estrutura eficiente.

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Grotão Bairro da Penha/RJ F a se:F ormação, Curso de Cooperativismo — 04 /98 — 28 horas Histórico:Inicio das atividades em 01/98. Grupo inicial com 30 pessoas. Boa organização comunitária Associados: 30 pessoas 73

A equipe como um todo, no início, sentiu o choque de uma demanda com a qual não tinha intimidade, como o conhecimento do mercado. Os militantes, particularmente, saíram de uma dinâmica e entraram em outra completamente diferente. Foram formados num combate permanente ao mercado capitalista. E, no entanto, estavam engajados num processo de montar empresas que necessitam criar instrumentos para aumentar o grau de competitividade. Na prática, foram obrigados a rever alguns conceitos, reconstrui-los e incorporar outros que não eram considerados antes.

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro da Caixa D'Água Bairro da PenhaIRJ Fase: Formação, em operação e acompanhamento no mercado , Curso de Cooperativismo — 04/98 — 92 horas, Projeto-16 horas Histórico: Inicio das atividades: 01/98. Entrada no mercado: 05/98. Grupo bem organizado Associados: 30 Postos de Trabalho: 22 74

Também ternos uma perspectiva para os filhos dos cooperativadps de ingressarem num projetinho para ver o trabalho como uma coisa boa e não ficarem soltos por ai. A gente não tinha nada e agora está tendo assessoria, aprendendo contabilidade, como deve estar atuando, se comportando e se organizando. Antes, como costureira, eu era obrigada a pegar aquele preço mínimo, sendo muitas vezes escravizada pela cliente. Como cooperativa eu já posso comprar o tecido, confeccionar a roupa. E estamos vendendo, aumentando gradativamente nossa produção e nossa renda. MárciacooperativadaGonçalves

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro de Santo Amaro Bairro do Catete/RJ Fase: Formação , Curso de Cooperativismo — 12 h. (em andamento) Histórico: Inicio das atividades: 03/98. Grupo inicial com cerca de 35 pessoas. Comunidade bem organizada Associados: 35 75

Quando introduzíamos a estrutura da cooperativa, precisávamos introduzir também uma outra cultura, a do trabalho.

Mas como a população era extremamente pobre e não havia possibilidade de qualquer investimento financeiro, todas fracassaram. Partimos então para a proposta de organizar para o trabalho. O primeiro grupo cooperativado, o da Novo Horizonte, foi formado majoritariamente por diaristas, em sua grande maioria faxineiras, ou subempregados, que enfrentaram a proposta com muitas dificuldades.

Até a passagem de ónibus para ir trabalhar era complicada, o grau de educação formal era muito baixo e nenhuma articulação era simples.

Nosso primeiro grupo cooperativado é de Caxias, na ousar pensar Baixada Fluminense, fruto de um trabalho que alguns técnicos já desenvolviam antes em assentamentos populares, o novo assessorando comunidades na construção de suas habitações. Eram grupos que buscavam construir suas casas, ensaiaram algumas alternativas, como uma cooperativa, um fundo, uma fábrica ou algum outro sistema que viabilizasse as construções.

Cooperativa dos trabalhadores do Morro do Juramento Bairro de Vicente de Carvalho/RJ Fase: Pré-diagnóstico Situação: Pré-diagnóstico Histórico: Início das atividades 02/98. Primeiros contatos com interlocutores locais 76

Ex-Reitor da tiFFSCAR

A construção da ponte entre o trabalho e a academia C om uma rede nacional, envolvendo 72 universidades— apenas noAmapá e Roraima não temos representação —o objetivo principal da Fundação Unitrabalho é fazer, sob a ótica dos trabalhadores, a ponte entre o mundo do trabalho e o mundo acadêmico. Atuamos no sentido de resgatara dívida social das universidades brasileiras, que se propõem plurais na destinação do conhecimento com os trabalhadores e suas organizações.

A proposta avança também para a promoção de articulações intemacionais. Vislumbramos, sobretudo na Europa, um grande interesse de apoio e estímulo à implantação de programas de cooperativas na verdadeira acepção da palavra. Newton L'sna Neto Diretor -Executivo da Fundação Unitrabalho. Professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Sk Carlos.

Neste campo de ação, a experiência de incubação de cooperativas populares na UFRJ é digna dos maiores elogios. Comos vínculos estabelecidos pela Unitrabalho nas maiores e principais universidades brasileiras vamos, por meio de convênio com a incubadora da UFRJ ,estimular os grupos que compõem nossa rede para que eles possam, se assim desejarem, servir de canal para a disseminação dessa experiência que hoje já se desenvolve em três universidades. Por intermédio do convênio pretendemos catalizar o processo de implantação de incubadoras semelhantes nas mais diversas universidades do pais. A cooperação da Unitrabalho com a experiência exitosa da UFRJ se dá no contexto de um dos nossos projetos centrais— Economia Solidária e Autogestionária — coordenado pelo professor Paul Singer, da USP.

É outra lógica de organização. Além disso, o custo da forrnalizacão da sua atividade através da cooperativa significava para eles diminuição da remuneração. E, finalmente, a própria relação com o cliente/trabalho era muito confusa. Não assimilavam muito bem a proposta da geração de um fundo. Se ganhavam R$ 25,00 por dia, R$ 5,00 iam para a passagem e restavam R$ 20,00. Segunda-feira iam ao mercado, terça-feira comiam e quarta-feira uma nova faxina garantiria a sobrevivência dos próximos dias. Se multiplicarmos R$ 20,00 por 20 dias de trabalho, seriam R$ 400,00, mais que três salários, o beneficio dos fundos e seguridade social.

Só que nada disso era válido, porque a lógica do cotidiano dessas pessoas não permitia raciocinar para o período de um mês. Isso era muito difícil.

Não tinham documentação, não tinham o dinheiro do transporte. A falta de resposta financeira imediata exigia inclusive um investimento pessoal, não financeiro, mas de apostar e esperar o trabalho. A maioria se desestruturava. Algumas lideranças ficaram. Foram feitas várias tentativas, na construção civil, na parte de faxina e de limpeza.

Caxias foi o período de aprendizagem. O grupo tinha características bem diferentes daquelas identificadas em Manguinhos, onde a população Estrada das Canoas Bairro de São Conrado Fase:Pré-diagnósticoHistórico:Início das atividades: abril/97; Pré-diagnóstico realizado com a comunidade 77

Observando o mercado-de-trabalho como um dos espaços privilegiadds de demonstração de relações desiguais entre homens e mulheres, a Incubadora 1 Tecnológica de Cooperativas Populares vem desempenhando um trabalho de formação e assessoramento que possibilita a integração no mercado de grdnde número de mulheres de favelas do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. , Nas cooperativas populares a diferenciação de remuneração é baseada na qualificação profissional e não por sexo ou etnia possibilitando uma efetiva eqüidade salarial entre homens e mulheres. O cooperativismo tem sido uma alternativa de organização do trabalho que se pauta no princípio de solidariedade, cidadania e autogestão. Ir Mana de Jesus Pereira, Lúcia Adriana, Sílvia Fernandes, Rasa Maria e Suzete lima Grupo de Estudo: Mulher, Etnia e Geração de Renda da Incubadora Tecnológica de Cooperativas tPopularest

78 - • I fr •

Mulher, etnia e geração de renda 1 NumtempodegrandeavançotecnológicoedesenvoNimentodomundodo, trabalho,temsemanifestadoumgrandemovimentonaorganizaçãodab mulheres,nosentidodegarantirsuaatuaçãoqualitativanosdiversossetoresda sociedadedeformaqueistotemsidodiscussãomundialnasúltimasconferenciaisdaONU (ECO/92, População e Desenvolvimento, Cairo/94, Beiting195 e Istambul/96 etc.) '

Ocotidianodamulhervemmudando,elatemlutadoporeducaçâo,portrabalho,por maiorcontrolesobreosmeiosdeprodução,direitoàmoradia,remuneraçãoadequada. No entanto, mesmo percebendo este avanço, a mulher ainda é muito 1 discriminada e sua exclusão permanece na sociedade. Existem mais de uni bilhão de pessoas pobres no mundo e a maioria destas é de mulheres, perfil este que,a ONU qualificou de "feminização" da pobreza. Neste contexto fica notório a desigualdade de gênero, desigualdade esta que é construída entre homens e mulheres que ‘ierri a ser fundamentados nas diferenças biológicas e que concede mais poder ao homerh do que a mulher Tal poder é constituído socialmente definindo o papel que a mulher exerce na sociedade independente de etnia ou classe social. Tendo em conta o contexto do negro no Brasil - que é o segundo país do rriundo com população de origem africana - onde existe o mito da democracia racial Adota-se a ideologia do embranquecimento no campo econômico onde a população negra representa 60% da força de trabalho e apenas 25% deste rendimento é destinado para sua sobrevivência. 1Na educação os negros não têm as mesmas oportunidades sendo mantidos huma situaçãodeexdusão.Osmeiosdecomunicaçãosocialfreqüentementeapresentamo negroemposiçãosubaRema.Nestecontextoaescolaéumagrandebarreiraporque reproduzadesigualdadequandoeducadiferenciandoospapéisdegeneroeetnia. Sendo assim percebemos que apobreza e a exclusão são mais acentuadas com mulheres negras que sofrem tríplice desigualdade - gênero, etnia e renda. Ó rendimento salarial é um indicador importante para verificação deste fato. Esta tríplice desigualdade que recai sobre a mulher é vista e acentuada no trabalho onde a renda dos homens brancos, segundo o IBGE, é de 4,9% e da mulher branca, de 2,8%, sendo que o salário da mulher negra é 50% menor que o salário da mulher branca.

A mulher tem buscado sair do paradigma fictício do eterno feminino, mulherisedutora, frágil e submissa.

A partir de janeiro de 1996 já contamos com o apoio efetivo da Finep e alguns apoios da própria universidade. Outros grupos vão surgindo na medida em que o trabalho vai sendo conhecido e isso gera uma grande demanda. A notícia corre muito rápido, mesmo antes da divulgação na imprensa e vários grupos nos procuram. A pressão aumenta e aí acontece nosso primeiro conflito interno.

era menos pobre. Em Caxias, são dois ônibus, em Manguinhos o trabalho é ao lado. O respaldo da Fiocruz garantia em 30 dias a resposta financeira - era uma certeza. Em Caxias, o que havia era só a promessa de trabalho, então eles não investiam. Em determinado momento nós nos comprometíamos com o mercado, e não tínhamos resposta da comunidade. Em outro, tínhamos a resposta e não havia mercado. Seria necessário um trabalho mais conjunto, com um nicho de mercado garantido, para que se pudesse mobilizar as pessoas.

Foi dessa forma caótica e incipiente que a primeira cooperativa foi surgindo. Mesmo assim, garantimos que algumas lideranças permanecessem dois anos. Um trabalho aqui, um trabalho lá, alguns apoios, e alguns conflitos de lideranças comunitárias. Como essa cooperativa nasce de um movimento de habitação, onde já havia liderança, o surgimento de novos lideres nesse processo gera conflitos que levam, inclusive, em determinado momento, à sabotagem do trabalho. Era totalmente diferente da Fiocruz, que é um mercado à procura de gente. Em Caxias tivemos que mobilizar gente à procura de mercado. E havia até mesmo a falta de credibilidade porque estávamos iniciando. Tinham que investir a fundo perdido. Ir de Caxias para a cidade universitária, todos os dias representa um salário mínimo de passagem. .

A equipe técnica era formada por pessoas da academia e pessoas que já tinham trabalho de campo. Isso resulta em leituras divergentes com relação ao momento em que vivíamos. O grupo

Canal das Taxas Bairro do Recreio dos Bandeirantes/RJ Fase: Pré-diagnóstico Histórico: Contato realizado em 04/97 79

ligado à academia avaliava que só devíamos dar início ao trabalho com a segunda cooperativa quando todo o processo estivesse mais maduro. Funcionaríamos quase como um campus de estudo, e só daríamos prosseguimento depois do projeto discutido, fortalecido e com material didático pronto. Em cerca de um ano estaríamos aptos a partir para o segundo grupo. Outra parte da equipe, por conhecer a demanda emergencial e também por vislumbrar que o projeto cresceria rapidamente, entendia que isso seria o seu fim e que ele jamais se renovaria nesse tempo. Apostava que só sobreviveríamos se optássemos por crescer naquele momento, defendendo a entrada imediata de outras cooperativas. A visão era de intervenção mesmo sem saber aonde ia se chegar.A opção foi de abrir as portas a outros grupos. Em fevereiro já eram três. Um deles, da Baixada, era formado por grupos rotativos, com dez anos de experiência profissional e nenhum ano no mesmo emprego. Era uma mão-de-obra flutuante, com qualificação técnica, formada dentro da Reduc. Trabalhavam nas empresas que prestam serviços à Reduc, e a cada contrato eram recontratados. Existiam casos de pessoas que sequer saíam da mesa onde trabalhavam, mas que já haviam mudado três vezes de patrão. São criados então dois grupos: de manutenção de instalações elétricas, e o outro que trabalhava com caldeiraria. A mão-de-obra era completamente diferente do primeiro grupo de Caxias. O desafio era se comportar como empresas de grande porte para disputar o mercado. O que se tomou muito difícil pela dimensão que precisavam ter, com capacidade gerencial e capital social. Foram inclusive sabotadas, a partir de todo um trabalho marginal. Uma delas consegue até disputar mercado e depois se desestrutura por questões internas, em conseqüência - na nossa leitura - de sabotagem. Divide-se em dois grupos quando consegue o seu quarto contrato, jogando claramente com a destruição ao fazer uma aliança com a empresa contratante. Nessa aliança há a divisão interna.

Favela de Nova Aliança Vila Aliança/RJ Fase: Pré-diagnóstico Histórico: Inicio das atividades: 03/98; primeiro contato com interlocutores locais; pré-diagnóstico realizado com a comunidade local

80

Inicio das atividades: 04/98. Contatos realizados com interlocutores locais. Trabalho suspenso devido a problemas internos â comunidade 81

Morro dos Prazeres Bairro de Santa Tereza/RJ Fase: Histórico:Pré-diagnóstico

Nesse tempo convivíamos, de um lado, com o crescenteverdades e interesse, e de outro, com a insegurança dos cooperativados. Com o passar do tempo isso vai mudando.mentiras Hoje, quando chegamos nas comunidades entramos com fatos, resultados e estatísticas. Mais que isso, entramos com o respaldo de centenas de pessoas com histórias e vivências de processos semelhantes. A troca de experiências e a história viva muitas vezes falam muito mais que nossos argumentos. Totalmente diferente de dois anos atrás. Mesmo assim, convivemos com alguns fatores que os deixam inseguros, como a dúvida sobre nosso real objetivo. A possibilidade de sermos agentes externos, figuras ligadas ao poder público ou a algum candidato sempre trazem incerteza, até identificarem exatamente quem somos nós. E existe ainda a autoinsegurança: não acreditam que são capazes. É dramático perceber como é baixa a chamada auto-estima da população.

O trabalho conduzido pelo Grupo que criou, movimenta e mantém a Incubadora - feito com extrema seriedade - tem sua orientação voltada exdusivamente para a realidade urbana. Tal condição não é, contudo, imitante para que seus métodos e processos sejam adaptados e aplicados para o mundo rural. Esta é mais uma razão pela qual o exemplo da COPPE vem servindo de inspiração e despertando a atenção de Universidades e organizações de 82

A tecnologia a serviço do desenvolvimento humano 1 Uma das formas de ação da Secretaria de Desenvolvimento Rural - SDR, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, é a identificação de iniciativas inovadoras para o desenvolvimento social e econômico - de baixo custo e retomo certo. O objetivo, assim procedendo, é descrever os Métodos e processos desenvolvidos e adotados por tais empreendimentos, possibilitando a sua disseminação e apoiando sua adoção em outras regiões do País, além daquela onde têm origem. Para levar a efeito aquela linha de ação, dirigen es e técnicos da SDR/MA estão sempre atentos a projetos que reúnam as citadas, características. Esta é a razão concreta que nos levou a voltarmos especial atenção para a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, na UÉRJ. Este caso, em especial, ajusta-se também a outra premissa de trabalho da Secretaria: a de que o cooperativismo e o associativismo são fortes instrumentos para o desenvolvimento social. São formas de baixo custo e alto impacto, passíveis de adoção em comunidades carentes e para a organização popular, estratégicas pelos elevados impactos positivos que proporcionam e como tal devem ser incentivadas. Em relação a projetos de desenvolvimento social inovadores, a primeira análise que a SDR/MA faz é voltada para verificar até que ponto tais iniciativas podem produzir uma tecnologia multiplicável - adaptável a outras circunstâncias sócio-econômicas. Na experiência da Incubadora em particular verificamos haver a produção de tecnologia reproduzível, passível inclusive de ampliação e , ajustamento para outras regiões e, principalmente, para mercados locais. Esta última referência ganha importância quando temos em mente a metodologia de ação local integrada para o desenvolvimento.

O mais relevante dos resultados obtidos em todo o processo de funcionamento da Incubadora da COPPFJUFRJ é, sem sombra de dúvida, a tecnologia gerada. No âmbito da cidade do Rio de Janeiro, o fato de incubar algumas cooperativas proporcionando a abertura de centenas de vagas de trabalho é o grande resultado do Projeto. Contudo, considerado o âmbito nacional, destaca-se a metodologia e o conhecimento acumulados, acervo capaz de subsidiar um salto de qualidade em projetos que, noutras localidades, busquem fomentar atividades econômicas e gerar renda, através de organizações de economia social. No universo do Território Nacional é muito mais significativo o acervo metodológico produaido pela Incubadora do que o é, estatisticamente, o número de cooperativas ah incubadas e postos de ocupação produtiva cuja abertura se proporcionou.

Ainda em relação à SDR/MA, é importante registrar que a mesma possui em sua estrutura o Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural, cujo escopo de trabalho é o cooperativismo em todas as suas formas e ramos. O estimulo e fomento à cooperação, prestados nacionalmente pelo Departamento, busca proporcionar às organizações associativas as condições para ampliar a criação de vagas de trabalho, produção de alimentos e matériasprimas (especialmente no ramo de produção rural) e renda. Para que o Departamento possa desempenhar com qualidade as suas atribuições, a identificação de métodos e processos como aqueles testados e validados pela Incubadora é fundamental. Sobretudo se os mesmos são extrapoláveis das condições econômicas em que foram originados e adaptáveis para outras, em perspectiva nacional.

desenvolvimento em outras regiões do Pais. Aobservação que fizemos resta comprovada quando se considera o fato de que um conjunto de associadas do Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e Pela Vida - Coep decidiu conceber e implementar um Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas, cuja idéia original teve berço na Incubadora da UFRJ e foi consolidado através de discussões no Fórum de Cooperativismo.

Outro registro relevante é ode que a Incubadora Tecnológica tem nos apontado enorme preocupação com o desenvolvimento humano. Nota-se nas atividades por ela desenvolvidas permanente investimento em educação e formação das pessoas. Para a SDR/MA este fato é um alerta. Aliás, vale realçar que muitos dos projetos bem sucedidos em seus resultados em prol do desenvolvimento social e econômico, acerca dos quais a Secretaria toma conhecimento, concentram esforços na capacitação humana e isto ajuda a explicara contabilidade social positiva. Relatos sobre a formação e atuação das cooperativas formadas com apoio da Incubadora revelam que a preocupação com a valorização humana, por numerosas vezes, é replicada para as incubadas.Entendemos que o fato de ter surgido em uma Universidade não é suficiente para explicara orientação humanista do trabalho da Incubadora. Devem ser considerados, em adição, para o entendimento daquela orientação, o seu escopo de trabalho - o cooperativismo - e o seu público - comunidades humanas economicamente carentes. Universidades, muitas vezes, conduzem projetos de desenvolvimento centrados no tecnicismo. Especialmente aqueles concebidos em escolas de ciências exatas. Tendo como "locus" de funcionamento os Programas de Engenharia da Universidade, configura-se ainda mais notável a orientação humana no trabalho da Incubadora. Vicente G. F Guedes Assessor da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Representante do órgão junto ao Coep 83

Um exemplo nítido é o caso das mulheres. 70% dos cooperativados são mulheres, e não chega a 10% o número de mulheres na direção. Elas não confiam nelas próprias, não se apresentam como direção. E não há aí um corte machista. Nas cooperativas de costura é comum ouvirmos "não estou aqui para obedecer a outra mulher, se tivesse que obedecer, obedeceria ao meu marido e não vim aqui para ouvir mulher dizer o que tenho que fazer". Quando sugerimos, na área de faxina, que três mulheres de classe média fossem expor a visão do outro lado, para que entendessem melhor a linguagem do contratante e a relação contratante/contratado, essa reunião foi abominada. Não havia qualquer possibilidade de aceitar uma mulher falando para elas O curso de limpeza foi dado por homens. Em outros casos a auto-insegurança se reflete na desmobilização quando um "peão" assume a direção. Certa ocasião, várias pessoas chegaram a sair da cooperativa. Eles estavam investindo para que um exgerente assumisse a direção. Não ficava muito claro qual era o papel dele, uma pessoa que jogava contra o trabalho durante todo o tempo de formação da cooperativa, e que mais tarde, se descobriu, era pago por empresas que prestavam serviços terceirizados para cooptar quadros nas cooperativas para trabalhar com elas. Ele renuncia e assume um peão. A frase típica era: "não confio em peão". E é exatamente esse peão que consegue o maior contrato atualmente em vigor. Com todas essas dificuldades o fato é que as cooperativas pagam todas as contas, conseguindo até mesmo atingir um patamar acima do que se pensou possível. A grande parte é de serviços e não de produção porque qualquer atividade de produção requer investimento e o retomo vem a médio e longo prazos. A de serviço é praticamente mão-de-obra, e o retorno quase imediato. São trinta dias, no máximo sessenta. Como nosso público-alvo é desprovido não só de recursos como de acesso aos recursos, é impossível pensar em algo que necessite de instalações, máquinas ou qualquer outro tipo de investimento.

Morro do Escondidinho Bairro de Santa Tereza-RJ Fase: Pré-diagnóstico Histórico: Inicio das atividades: 01/98 trabalho interrompido devido a problemas internos na comunidade 84

Em novembro de 1996 recebemos a visita da equipe do Governo de Brasília que veio conhecer nossa experiência. Através do projeto BRB Trabalho, do Banco de Brasília, queriam dar início à formação de incubadoras, inclusive com ofertas de crédito. Eles precisavam de uma assessoria técnica. A situação era curiosa. Nós tínhamos técnicos e não tínhamos crédito, eles tinham crédito e não tinham técnicos. Partiam, Trabalhamos com o pessoal de Vigário Geral e o nosso trabalho é um cooperando com o outro. Você só precisa ter a sua responsabilidade, mas não precisa ter ninguém para ficar te coordenando. E tem o conhecimento com pessoas de outras comunidades, que viraram uma coisa mais intima, com muito mais amigos.

cooperativadoAlexandre 85

Num segundo momento, e afirmamos isso com a maior segurança, é possível investir em cooperativas de produção. Mas só quando o perfil delas mudar. Hoje elas são respostas ao mercado, não criam mercado. Quando tiverem capacidade de investimento ou acesso a crédito podem ousar vôos mais altos. Não há crédito e os que existem são inacessíveis. Essas mudanças exigem tempo. O que fazemos é investir para que eles tenham continuidade e certeza de que são capazes e, ainda, para que, em seguida, possam pensar em ampliar e diversificar mercados. O que existe atualmente de iniciativas que permitam acesso a crédito para esta faixa da população é quase nada. Algumas em Brasília, em Porto Alegre e no Nordeste.

nesta segunda fase, para a criação de uma assessoria e a elabór ção e a implementação de projetos. Mas a maioria das iniciativas continá muito direcionada a quem já trabalha, ao crédito individual.

De uma maneira geral, os órgãos oficiais não têm a4irçado na leitura da realidade nacional quando planejam ações vis'ando atingir as parcelas mais carentes. Os programas de crédito que visam à camadas populares, via de regra, desconhecem a realidade dessa população.

86 P

As facilidades financeiras desses créditos não são suficiktes e as exigências de garantias também inviabilizam este aCesso. Na área habitacional, a carta de crédito, que significa o acesso ao crédito por parte do tomador e não da empresas foi inviabilizada em diversos casos pela condição ilegal em que se encontravam os 'móveisloteamentos clandestinos ou irregulares e falta de habite-se. No caso de crédito à empresa, no estágio inicial, a falta de patrimOnio, entre outros, tem sido o grande entrave. Uma política exemplar neste sentido foi a da Light no final da década de 70 para enfrentar o problema da iluminação nks favelas. Até então a empresa relacionava a instalação com a titul 'zação do imóvel. As favelas cariocas, localizadas em áreas irregulares tinham

Qualquer iniciativa nesse campo esbarra em dificuldades, sejam pequenas e micro empresas ou cooperativas populares. Estas últimas encontram ainda mais dificuldades em função de seus ender os. Em ambos os casos, no entanto, o grau de exigência não dorreSponde às realidades. Os problemas das cooperativas populares começam na legalização. São favelados, seus endereços não são reconheádos pelo sistema e não há confiabilidade por parte do mercado.

No Rio, foi lançado recentemente o Viva Credi; que atua no âmbito muito especifico de uma favela - a Rocinha - e também 4abalha com projetos pontuais. A Secretaria Especial do Trabalho do Município do Rio de Janeiro, lançou uma linha de crédito que klcança inclusive as cooperativas populares ainda em 1998.

87

seus imóveis ligados à rede através de serviços condominiais (relógios coletivos) ou "gatos" (ligações irregulares). No final dos anos 70 a empresa considera que energia é mercadoria e, portanto, sua relação é com o consumidor e não com o imóvel. Desconhecendo a titularização e com essa mudança de postura, a luz chega a todos os imóveis. Enquanto não houver critérios de garantia diferenciados, continua o embate. Não adianta manter o mesmo sistema, com recursos e juros baixos. Uma outra leitura é necessária. Ou mudam esses mecanismos ou continuarão inacessíveis. Para que possamos, efetivamente, implementar uma política de crédito, os critérios têm que sofrer mudanças. Os programas de geração de renda, em sua grande maioria, estão demonstrando isso.

E a porta está ai, para alegria nossa. Eu queria fazer um pedido às autoridades do Brasil para que eles facilitassem a organização das cooperativas, facilitassem o escritório. A legalização da Cooperativa é uma burocracia muito grande. Demora mais o trabalho sair por causa disso. A gente correndo atrás, para receber licença, CGC, que foi a grande demora que atrapalhou a porta de entrada.

88

Marcelo Siqueira da Silva coo perativado

As dificuldades do projeto aumentam. O fluxo de transferência de recursos é a principal causa desta difícil situação. O descompasso entre esses fluxos e o tempo de renovação dos convênios, ou seja, a consolidação dos convênios já assinados, acarreta a falta de recursos. Em conseqüência, a desmobilização da equipe é inevitável. Lançamos mão de outras fórmulas 89

Vislumbrávamos a possibilidade de crescimento do projeto porque acreditávamos na assinatura do convênio. As demandas estavam dentro do âmbito do projeto e já tínhamos o compromisso de formar novos grupos. Embora todo esse processo tenha sido bastante complicado, é inegável que nos permitiu abrir novos campos.

Surgem trabalhos com o Parque Royal, na Ilha do Governador, com o Caju e com um grupo de saúde mental. Eram grupos que procuravam a SMDS e acabavam se integrando à Incubadora, naquele momento, por várias razões e muito poucos recursos.

plantando as Ainda naquela visão que tínhamos de investir no processo de crescimento, durante todo o ano de 1996 sementes em novos grupos vão surgindo. Isso também ocorria em conseqüência da forte pressão que sofríamos. Simples pleno temporal visitas se transformavam em mais um grupo. Alguns surgiam com oportunidades, já traziam trabalho e estavam precisando de apoio. Era impossível negar.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro, que tinha como uma de suas diretrizes, a geração de trabalho e renda, procura, na Coppe, a Incubadora de Empresas que nos indica, entendendo que nosso trabalho era mais dirigido ao perfil do públicoalvo em questão. Começamos então a delinear um convênio com a SMDS, que já havia firmado convênios com outras instituições. O convênio chega a ser assinado, passa por um processo de transição de governo, é rediscutido, e não se efetiva, mas permite uma abertura de campo nas favelas do Rio, porque durante toda a negociação acabamos funcionando como um braço informal da SMDS.

Cooperativas assessoradas - curso de cooperativismo - legalização

Pioneira no projeto de expansão Foram oito meses desde a entrega do primeiro projeto até o repasse de recursos. Na prática, a Incubadora de Cooperativas do Ceará, já com a equipe formada, começou a funcionar em janeiro de 1998. Combase na experiência da UFRJ estruturamos o curso básico de cooperativismo, contando hoje com três grupos envolvendo 350 pessoas na fase de pré-diagnóstico. Esta demanda é fruto da boa receptividade da filosofia do Projeto de Incubadora de Cooperativas Populares que tem transmitido credibilidadde no resgate do cooperativismo como altemativa às relações de trabalho tradicionais. Com relação à metodologia adotada, estamos adaptando a metodologia desenvolvida na Coppe para o contexto local. No Ceará é marcante a diferen da experiência realizada no Rio, onde os apoios foram conquistados com enormes dificuldades e num processo de permanente afirmação do projeto. Aqui temos todo o apoio institucional, com a perspectiva de montarmos uma cooperativa no interior e duas na região metropolitana, atuando inclusive nas áreas de manutenção ai lirnpeza na própria universidade. No interior estamos iniciando o processo de incubação da Cooperativa dos Trabalhadores em Manutenção e Limpeza de Sobral, cidade com 150 mil habitantes. Outra idéia, ainda em discussão, é a implantação de urna cooperativa de turismo na pequena cidade litorânea de Icaput Em agosto dei 98 faremos o lançamento oficial, já apresentando os primeiros resultados. Em todo o debate, nos trabalhos em desenvolvimento, crescem as mudanças na postura do trabalhador à medida que ele assimila essa nova cultura. É muito importante que eles tenham a consciência de que não basta dominara técnica Participar e genro seu negócio, tornar-se um empreendedor, é o caminho que lhe fará ocupar novos espaços num mundo onde alguns segmentos afirmam que vivemos a era do fim do emprego e outros insistem que a sociedade do trabalho deu lugar à sociedade do conhecimento. Osmar Ponte Prof. de Sociologia Econômica. Coordenador- Geral da Incubadora Tecnoogica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Ceará

COOPERGÁSCETEM/FundãoRIOCOOPCOOMERJCOOPELETROCCAPVanIlha Bairro de Acari/RJ Municipio deNiterói/RJ Municipio de Campos/RJ Municipio de itaborai Ilha do Governador/RJ Ilha do fundão/RJ Bairro da Abolição/RJ 30 70250200pessoaspessoaspessoas30pessoaspessoas20pessoas30pessoas Alimentação, creche e serviços comunitários TransporteServiçosEletricidadeEletricidadegeraisaltenativoServiçosgeraisGasistas

90

para viabilizar a continuidade do trabalho, como a promoção de cursos e consultorias. Em paralelo, os programas de geração de renda vão crescendo em dimensão em todo o pais e a Incubadora, cada vez mais, passa a integrar a pauta do dia. Outros convênios surgem. A própria renovação com a Finep foi uma conquista. Mais para o final do ano fechamos novos convênios com o Governo do Estado e com a Prefeitura. Com o Governo do Estado, um projeto com a Secretaria de Obras e Serviços PúblicosSOSP, no âmbito do Banco Mundial, da despoluição da Baia, onde Ramo de alimentos Diversos bairros/RJ 30 pessoas Desempregados de empresas de franquia /RJ Criadores de scargots Diversos bairros/RJ 30 pessoas Pequenos produtores rurais COOPERGUAPOR Diversos bairros/RJ 40 pessoas Segurança portuária COOPERFLORA Diversos bairros/RJ 50 pessoas Desempregados de empresas de reflorestamentos 91

".••••• •

Nesssa linha de atuação, cabe destacar o ProjetoGeração de Rendaem desenvolvimento no decorrer do ano de 1997, sob a coordenação conjunta das Faculdades de Engenharia e de Serviço Social CRITT/PROPESQ - , a participação da UFJF em eventos nacionais e internacionais que tratam do tema e contatos com outrasInstituições que desenvolvem experiências em projetos de geração de postos de trabalho e renda nas camadas mais desfavorecidas da população.De fundamental importância no processo foi o contato com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFRJ, o que possibilitou a vinda de seu coordenador, à UFJF para exposição daquela experiência, e ainda viabilizou a realização de visitas técnicas da equipe da nossa Universidade à UFR4. Assim, após esse processo de reflexão e encaminhamentos ocorridos na UFJF, e capitalizando os esforços já feios tanto na área de incubação de empresas pelo CRITT, como de articulação com a sociedade através da extensão, tomou-se viável a instalação da Incubadora de Cooperativas Populares em março deste ano. A Incubadora propõe, destacadamente, identificar grupos interessados em vivendar experiências cooperativas e motivar a formação de cooperativas, além de oferecer suporte mercadológico, jurídico e administrativo às cooperativas formadas de modo a garantira estas, com mais eficácia a prática da autogestão. Coma equipe de trabalho em fase de organização, o maior desafio, nesse momento, é estabelecer parcerias para o financiamento da incubadora. É imprescindível a participação de órgãos fina ndadores para a viabilização desta proposta que interessa enormemente aos processos acadêmicos de ensino e pesquisa, tendo em vista a contemporaneidade e o caráter estratégico da discussão destas questões.

Sonia Maria Rocha Heckert Pró-Reitora de Assuntos Comunitários e Extensão da Universidade Federal de Ju'z de Fora 92

A cada passo, uma vitória AUniversidade Federal de Juiz de Fora tem desenvolvido diversos programas de atendimento à comunidade local e à região"polarizada por Juiz de Fora. São ações extensionistas que, além de possibilitar o desenvolvimento acadêmico da UFJF, buscam a melhoria da qualidade de vida da população.Atendendo, portanto, aos objetivos de intervenção social da Universidade, algumas dessas ações pretendem ser espaço de fortalecimento das populações exdu idas do mercado de trabalho, prindpa mente de moradores dos bairros periféricos que circundam o Campus. .

Pescadores Rio das Ostras/RJ Área de telecomunicações Rio das Ostras e Macaé/RJ Área de telecomunicações Cabo Frio/RJ Área de telecomunicações Campos/RJ Dentistas Macaé/RJ Pequenos prod. rurais Búzios/RJ Lixão Rio das Ostras/RJ Transportadores de água Rio das Ostras/RJ Trabalhadoras de confecção Rio das Ostras/RJ 40 pessoas Pesca 40 pessoas Telecomunicações 20 pessoas Telecomunicações 80 pessoas Telecomunicações 23 pessoas Odontologia 23 pessoas Agricultores 20 pessoas Catadores de lixo 20 pessoas "Pipeiros" 25 pessoas Costura 93

existem dois lixões, em São Gonçalo e Niterói. A proposta, neste caso, é promover a reinserção social dessas comunidades de catadores de lixo na medida em que a implantação da usina será a perda da atividade econômica deles. Essa inserção se dará ou via própria usina, a partir da contratação de parte desta população, ou em outra atividade econômica. Nesse convênio, três universidades apresentaram propostas e a nossa foi selecionada. Primeiro, pelo trabalho já realizado. Segundo, pela consistência da proposta. Já com a Secretaria Especial do Trabalho do Município do Rio de Janeiro, foi assinado convênio de geração de trabalho e renda no âmbito do Programa Favela-Bairro, visando a criação de uma cooperativa em cada favela das 16 contempladas pelo programa, além da execução de cursos e Durantetreinamento.todooano de 1996 tivemos uma grande visibilidade na imprensa, que aumentava a demanda e uma forte cobrança, inclusive dos convertiados, que muitas vezes não entendiam o longo tempo para a criação de cooperativas. Na verdade, nós estávamos formando uma cooperativa e alguns tinham a idéia da legalização. Solicitavam respostas numéricas. Quantas? Quantos? Não éramos um balcão de legalização. Investíamos num processo de construção. Mas as cobranças vão paulatinamente diminuindo à medida em que o processo de construção dessas cooperativas e o tempo daqueles que necessitam, e daqueles que governam entram em sintonia. Torna-se difícil explicar e fazer entender o que ocorre quando se trabalha com grupos socialmente excluídos. As dificuldades e as discussões se repetem. Não é a mesma coisa que formar uma cooperativa de classe média, onde tanto o instrumental quanto o processo de legalização são relativamente fáceis. O grupo com o qual trabalhamos tem que ser formado em uma nova cultura do trabalho. Não é um proceSso rápido, mas às vezes a quantidade de pessoas que já está em postos de trabalho torna-se mais importante

94

do que a qualidade do trabalho de formação e a forma e a consciência de como ele está se inserindo no mercado. Sobre a busca e a disputa do mercado formal, sentimos que é um processo novo. Trabalhamos com ex-presidiários, com os chamados jovens em área de risco social, e pessoas que nunca tiveram essa cultura do trabalho. E é preciso toda uma formação cultural para que vivam o coletivo, os compromissos que isso acarreta e até mesmo o preparo para o trabalho. Isso requer tempo. São pessoas que "correram atrás" a vida inteira, fizeram faxinas, "bicos". Trazer

.4W_ . i' tr. --1----- ,a); sessenT, - -,...4-47,Q,:falk.".-',44. • ,.4. --...,%."---rrw,t--,e,-..;. as ^ ,. 4 • " 1:.»;11; t. . • . —.. 1. er r < ta• fr . `4"4," '-a.: tk-574 tte7. . - — -- ,e'Ldg .12, esse grupo para uma perspectiva mais longa não é simples. Essas pessoas hoje voltam a estudar e nunca entenderam qual o motivo que as levou antes a estudar, porque o estudo, na prática, nada significou, nada mudou. Mas agora já começam a vislumbrar outras perspectivas. E se não analisarmos a Incubadora nessa perspectiva do público-alvo, não entenderemos os seus tempos. Se trabalhássemos com aquele que perdeu o emprego, mas já estava inserido em algum espaço, seria diferente. Mas a maioria de nossos grupos nunca viveu uma experiência semelhante. 95

96

Cada pessoa deve viver sua Páscoa e sua utopia. Desse modo, a educação nunca é uma imposição. Convidamos os outros para partilhar, dialogar e compreender o testemunho de cada um.

Ela é mesmo proposta como prioridade diante dos atrasos históricos da cidadania plena e democrática, diante do clamor dos desempregados e da marginalização da infância e da juventude. A educação é um caminho urgente de esperança. Nem todos, porém, têm a mesma compreensão do processo educativo.

Pessoas livres devem refletir sobre o sentido das coisas e do passado do povo para construir, desde já, um futuro de felicidade e de paz. E a educação não é completa se não oferece uma síntese total e se não garante a vida de um povo, da qual todos participam ativamente, vivendo sua plena liberdade.

Jesus de Nazaré, mestre e profeta da Gahléia, vivia no meio do povo. Tinha uma pedagogia de esperança. Anunciava a vinda de um mundo novo, de solidariedade e de justiça para os pobres, os aflitos e os famintos. Ele era um sinal. Sua vida e sua presença comunicativa questionavam. Reunia os excluídos, numa esperança de transformação da sociedade. Ensinava em parábolas ou com histórias populares, que faziam pensar e chegar a conclusões novas e diferentes daquelas da ordem estabelecida pelos doutores e pelos chefes religiosos.

Dizia ainda que não pode haver educação fora dos desafios da história e que a consdentização exige uma Páscoa. Exige que morramos para nascermos de novo.

Em 1972, numa palestra em Roma, Paulo Freire fez um apelo à Igreja como educadora. Ele pedia que ela fosse como os movimentos proféticos no antigo povo de Israel. Os profetas ensinavam pela ação que liberta e que refaz a solidariedade no direito e na justiça.

D. Paulo Evaristo Ams, Cardeal-Arcebispo de São Paulo e Grão-Chanceler da Pontificia Universidade Católica de São Paulo (Folha de São Paulo,12/04/98) 97

Alguns o vêem como instrumento de controle social ou condicionamento regulado para manter a organização social desigual e exdudente. Outros pensam que a educação é uma influência coletiva dos meios de comunicação social sobre as pessoas. Seria dm conjunto de estímulos, de solicitações e de influências dirigidas, que determina o pensamento e a conduta dos indivíduos na sociedade. O saudoso Paulo Freire, entretanto, percebeu que a educação é exercido da liberdade e processo de libertação dos oprimidos. Ato de conhecimento criativo, em um aproximar-se da realidade social e política de maneira critica.

Educação e esperançaNa situação atual de nosso país, ninguém nega a importância da educação.

Educar é suscitar a consdentização que liberta e refaz a vida de um povo oprimido e excluído. A conscienfização penetra no meio ambiente, para desvendara realidade e chegará essência dos fenômenos e dos fatos sociais que nos desafiam e para assegurar a vida de um povo livre.(...)

A consdentização é, assim, o fundamento e a força propulsora da esperança de um povo em marcha. Ela é a busca persistente da prática da justiça, da fraternidade e da paz. Essa é a pedagogia que garante a liberdade e leva a respirar na comunhão do próprio Deus da vida presente na história humana.

Perfil dos cooperativados

. As mulheres são maioria nasCooperativas. Elas representam 65% do total de cooperativados. 98

. De um total de 155 entrevistados, a maioria (38%) está na faixa de 26 a 35 anos de idade. É importante observar que: 1,6% têm mais de 55 anos.

Durante o mês de abril de 1998 foi realizada uma pesquisa que revela um pouco o perfil plural do cooperativado. De um universo de 583 associados trabalhando até abril de 1998, foram aplicados 183 formulários em nove cooperativas, o que representa 32% deste universo.

. Do ponto de vista do entrevistado, 67% afirmam-se de conceitos que os identificam mais com a raça negra e 24% com a raça branca.

. A religião predominante ainda é a Católica (64%), seguida por 21% que são de Igrejas Evangélicas. Porém, nenhum entrevistado disse pertencer a alguma religião afro, ou não quis se manifestar pelo preconceito que cerca estas religiões.

crescendo no No segundo semestre de 1996, com uma visibilidade cada vez maior e ainda comas dificuldades internas, resolvemos lançar, grito em setembro, a Incubadora. Era o momento de abrir a discussão e fazer a apresentação oficial e pública. Foi o primeiro grande susto na universidade. Montamos uma reunião com a Fiocruz para que pessoas de fora conhecessem tanto o trabalho da Cootram, quanto o da Incubadora. Com a presença do Presidente da Fundação Banco do Brasil, Direção da Finep, Direção do Banco do Brasil da área de Cooperativismo, Secretária Executiva do Comunidade Solidária, Superintendência do Sebrae/ RJ, o Reitor da UFRJ, a Direção da Coppe, Secretária Municipal de Desenvolvimento Social, Direção da Fiocruz e do Coep, com o auditório lotado, gente do lado de fora, entre cooperativados, convidados e a imprensa falada, televisionada e escrita, demonstramos, na prática, que havíamos atingido uma dimensão nacional.Tudo surpreendia, inclusive as instalações, o espaço físico, os equipamentos. Nosso orgulho nos oxigenava para a grande virada. Apesar da crise, a estratégia era muito mais no caminho de afirmar a vitória. Afirmávamos em alto e bom som que o que nos prejudicava não nos destruía, ao contrário, nos mobilizava e nos unia em uma inesperada comemoração e com o reconhecimento público de que caminhávamos na direção correta. Tínhamos que apresentar resultados positivos, com grande visibilidade da imprensa e com grupos de cooperativados, confirmando, ao vivo, através de seus depoimentos, o quanto a Incubadora oferecia em termos de novas oportunidades.Eragrande a identificação entre os membros da equipe técnica e desta com as cooperativas. Estávamos todos num mesmo barco. Cooperativas e Incubadora eram um corpo único. A crise econômica e financeira, as dificuldades de trabalho não eram mais privilégio de um dos grupos.

99

Aconteceque,numpaisdequasecentoesessentamilhõesdehabitantes,cerca decemmilhões,dispersosporessecontinente,estãoexcluídosdoprocessoC:triturai. É o apartheid cultural, que se superpõe ao apartheid social. É a exclusão Mais absoluta, exclui o cidadão, seu corpo e seu espirito Estamos caminhando para uma situação absurda: a construção de duas civilizações numa mesma geografia. Estimularefavorecer—sejadequeformafor—aapro)timaçao",aconvivênCiaea associaçãodessamassadispersadeexduidoséumamaneiradeabriroscaminhos para°surgimentoespontâneodeumimagináriocoletivoedaíumacultura,comj expressõesdiversificadaseesãticaspróprias,capazderestauraridentidades, 1 significadosevalores. Foi o que o pessoal da COPPE ,com seu engenho e arte, propiciouIcorn esse projeto. O que mais se poderá fazer? i 1 Alciorie Araújo Dramaturgo e Oscritor 100

Engenharia e apartheid cultural , AA engenharia é uma das traduções da natureza. Engenheiros são artistas dos números.Comessas abstrações, eles criam e recriam significados, afrontam a natureza, desafiam a realidade e contrariam leis que eles , próprios formulam. Comnúmeros ou equações —que não passam de nú gigos que não devem ser identificados—os engenheiros fazem o que o diabo duvida. Para dançar conforme a música, ai vão alguns números, que são tambéril uma outra tradução desse país. ii Quantas pessoas nesse pais lêem livros regularmente, vão periodicamente ao teatro e/ou ao cinema, freqüentam shows ou espetáculos de dança, asIsistem a concertos e óperas, visitam museus— histórico ou de arte—, adquirem CDs de música popular brasileira, alugam ou compram fitas de videocassete? I Quantos brasileiros participam da, digamos, produção artística do seu próprio pais? Um milhão? I É muito, quando se considera que entre os últimos filmes brasileiros nenhum teve tantos espectadores. Mas, sejamos generosos e otimistas. No Brasil 'tudo é tão grande que se pode pesara mão. Exageremos. Vamos dobrar esse número. Digamos que dois milhões de pessoas têm familiaridade com a arte brasileira. Para completar o raciocínio, num pais obcecado pela televisão, vamos introduzirosnúmerosdaindústriadeentretenimento.Enãoestamosmaisfalando em arte, mas em cultura de massa. Digamos que, diariamente, sessenta Milhões de pessoas vêem televisão e consomem o restante da produção fonográfica que também não pode ser chamada de arte. Sessenta milhões! Isso é mais do que a população da maioria dos países do mundo.Então, com o máximo de complacência e o mínimo de rigor, pode-se dizer que cerca de sessenta e dois milhões de habitantes consomem a indústria cultural e a produção artística do Brasil. . 1

Começou então um louco tempo de correr atrás. Disputa de renovação e a criação de outros convênios. Fomos procurados por vários grupos para realizar trabalhos, mas tudo isso exige um longo processo. Urge a necessidade de fazer convênios para viabilizar o trabalho. O tempo que tínhamos para estar aprendendo era o momento em que investíamos no crescimento. Crescemos no grito. Todos esses convênios se concretizam algum tempo depois. Isso sempre acontece. Só que no meio de tudo isso fica um enorme vácuo. Em meio a todo esse processo, ainda em 1996, amadurece a proposta de criação de um Fórum de Cooperativas Populares. No correA .63%Famíliaseconsideram chefes de família em função da contribuição da renda geral do grupo familiar. Mas esse número cai (para 61%) quando perguntados se têm companheiro ou cônjuge, frente a 39% que não têm. Destes - com companheiros ou não, 82% dos entrevistados têm filhos. Escola e cursos .66% tem escolaridade até o? grau incompleto. 15% são anafalbetos ou semi, media maior do que os que têm 2° grau completo (12%). Porém, cerca de 90% dos filhos dos entrevistados estão em escolas ou creches. 101

Ricardo Silva Pereira Mestre em Engenharia d Produção . 77% participaram de cursos de capacitação profissional nos últimos dois anos. Destes cursos, a maioria (80%) disse que foram os realizados pelas Cooperativas/Incubadora. 80% (147 pessoas) co:locaram em prática o que aprenderam nos cursos e 98% acham importante fazer cursos para conseguir um emprego. I Qual é a sua profissão? Além das mais comuns como empregadas domésticas, trabalhadores da construção civil, os cooperativados definiram sua profissão. Destaque para algumas, como: alfaiate, profético, músico, instrumentador cirúrgico, inspetor de controle de qualidade.

102

A multidisciplinaridade da equipe Esta característica tem se mostrado fundamental para viabilizar a , implementação das ações da Incubadora. Muitos de seus membros residem, senão nas próprias favelas em que a Incubadora atua, nas suas proximidades. Contudo, grande parte é constituída por graduandos e gradtrados em áreas que vão da teologia à pedagogia, da arquitetura à contabilidade, da sociologia à engenharia de produção. Este capital humano que a Incubadora dispõe tem se mostrado uma das maiores razões do sucesso da iniciativa. Uma característica complementar facilmente perceptível para quem visita as modestas instalações da Incubadora, é a disposição com que os membros da equipe se entregam às tarefas diárias, seja na sede, nas favelas, ou durante os cursos de cooperativismo. O ambiente é extremamente agitado, com grande ' movimento de pessoas: presidentes e diretores de cooperativas, cooperaOados, visitantes interessados na criação de cooperativas e pessoas de outras instituições, atraídas pelo noticiário sobre a Incubadora. Em razão da grande demanda!, é comum a realização de duas ou três reuniões simultâneas, que absorvem totalmente o tempo da equipe. Nas comunidades, a situação não é muito diversa. As reuniões são bastante dinâmicas, denotando o interesse dos participantes. Arelacão é de troca: de um lado, as noções do cooperativismo são passadas em linguagem simples, Li ; acessível; de outro, as perguntas são feitas com a crueza que reflete a dur realidade daquela população. Cabe ao pessoal do grupo de Formação, também chamado grupo "de Campo", decodificar, analisar e traduzir as respostas de 'volta para a comunidade, generalizando, com exemplos, o que era particular. O domínio da linguagem e do universo daquelas comunidades, entretanto, facilita bastante a missão da equipe. I ,I Texto extraído da tese "A criação de cooperativas populares como instrumáto de geração de trabalhos e renda: o caso da Incubadora Tecnológica de Coopara ivas Populares da COPPE/UFRJ".

corre de dar cursos e assessoria, sentimos a necessidade de ter um outro espaço em que as cooperativas pudessem, com autonomia, e em conjunto, analisar criticamente o nosso trabalho, discutir perspectivas, os limites da universidade e o seu papel político, delimitar nossa ação enquanto autarquia pública e a própria função do Fórum, tendo em vista que o trabalho de incubagem era com tempo limitado.

Provocamos a criação desse Fórum também como uma oportunidade de crescimento dos grupos. A maior parte das cooperativas e suas lideranças não tinham prática da política. Articular vários grupos, criar um campo de discussão em que pudessem debater suas posições políticas era um fato novo. Houve muita confusão sobre o que era política, o que era trabalho, qual o papel do Fórum. O projeto vai se desenvolvendo e num período de um ano amadurece. Foi uma bela conquista, com alguns fatos marcantes.AIncubadora foi convidada para o "Encontro de Cooperativismo de Trabalho" em Brasília. Conseguimos ónibus da universidade para o Sou costureira e diretora financeira. Entrei como secretária e agora sou Diretora Financeira. Tem coisas que eu não entendia, principalmente finanças. Mas se tiver alguém que explique, eu aprendo. 1;5 aprendendo na prática. Tem umas 100 pessoas inscritas. Eles chegam lá no escritório, e falam assim: "Não é aqui que tá trabalho?"dando Maria das Mercês coo perativada Ganhando mais.. Salário Mínimo1a2 % Antes32,0 % Cooperativa 2 a 3 24,0 74,0 3 a 4 9,0 21,5 4 a 5 3,0 4,5 Mais de 5 2,0 0,0 Sem informação 30,0 103

transporte e eles se organizaram para conseguir alimentação. Produziram por conta própria camisetas onde se lia: "Cooperativa Popular, nós existimos". O fato de ter ido a Brasília, conhecer a capital, e mais do que isso, saber que havia outros grupos do Brasil, que o enContro não era local, provocou uma reação impressionante. Visitar o Con esso, ser recebido em gabinete de senadores, teve um efeito incalculável. Toda a organização, a mobilização, foi fruto de movimentos liderados pelas cooperativas. Questionamentos foram respond'clos pelos próprios cooperativados quanto ao papel da universidade e críticas ao cooperativismo popular rebatidas com segurança. Chegaram ao encontro dois dias depois de partirem do Rio, porque o ônibus quebrou. Nb coquetel, realizado no encerramento, estava lá obviamente diferenciado o espaço dos cooperativados populares, famintos pelo tempo de viagem, e os garçons nitidamente privilegiavam aquelas mesas. Uma das cooperativadas era irmã da amiga da cunhada.. enfim, o chefe de cozinh4 ordenou e os garçons cumpriram as ordens. É o famoso "pobre tem em tudo o que é lugar". A mesa mais bem servida foi indiscutivelmente ai dele A experiência do encontro de Brasília foi muito intere sante e deu um novo ânimo para a estruturação do Fórum que viveu Llurante a sua montagem problemas decorrentes do próprio Mon[iento que enfrentávamos: as cooperativas não estavam consolidadas é com a entrada de novas cooperativas havia uma mudança rias lideranças.1 Em outra ocasião, também em Brasília, já no final dê 1997, no Congresso da OCB - Organização das Cooperativas Brasileiras, os cooperativados que integravam o Fórum se mobilizaram e com recursos próprios participaram do encontro. Mais uta \.7z voltam fortalecidos e dispostos a reunir esforços para organizar o Fórum, que ainda hoje está em processo de construção. A tarefa não é das mais simples. Fazer a cooperativa funcionar consome] a maior parte do tempo e, no processo, as ações operacionais são quase1sempre consideradas prioritárias. Entre o Fórum e a cooperativa as nergias são canalizadas, em sua grande maioria, para as coo'peráivas.

. 49% dos entrevistados trabalham cerca de oito horas por dia. .95% dos cooperativados não procuram nenhum outro tipo de trabalho extra (bicos) ou outras formas de complementação de renda. Isto significa dizer que estão vendo futuro na cooperativa e que a remunereão está cobrinddo os gastos básicos.

Casa, comida e roupa lavada . 86% moram em casa de alvenaria, sendo que 82% dos entrevistados tem casa própria, seja posse ou não, como no caso das favelas. . 57% dos entrevistados afirmam ter investido na casa depois que ent aram para a cooperativa.

104

Durante esses períodos algumas universidades eàs vezes o alguns governos buscaram a Incubadora e as fontes de fomento na possibilidade de montar projetosmundo parece similares ao da Incubadora tendo em vista sua repercussão. Era, efetivamente, uma soluçãouma aldeia concreta. Essa pressão é positiva e começa a amadurecer a idéia da montagem de Incubadoras em outras universidades. Desde o seu inicio a Incubadora sempre foi vista como projeto piloto a ser montado em outros locais. O compromisso era repassar essa tecnologia a outras instituições. O compromisso assumido anteriormente se concretiza com a Universidade do Ceará. Desenvolvemos a idéia de montar essa Incubadora. O quadro era promissor. O processo é longo, por questões muito mais internas que externas. Finalmente, montam o primeiro projeto

105

Cronologia 2° semestre de 1996 Plenária de criação do Fórum com 11 cooperativas presentes, inculive algumas não incubadas ou assessoradas. 106

A arte de aprender a caminhar Fumas tem 39 comitês no interior de Minas, São Paulo e Goiás, incluindo o escritório central do Rio, com os recursos para todas as nossas ações doados pelos empregados da empresa. No Rio, começamos as atividades em 1993, quando foi lançada a Campanha daAção da Cidadania em Fumas. Mobilizamos os empregados e demos inicio a um trabalho voluntário de distribuição de ticket refeição e cestas básicas. À avaliação de que estas ações estavam sendo extremamente assistenciafistas somou-se o lançamento da segunda fase da campanha, aAção pelo Emprego e o Desenvolvimento. Sem abrir mão dos programas anteriores, de atendimento a asilos e orfanatos, estudávamos as altemativas possíveis de atuação num projeto de geração de trabalho, quando em uma das reuniões do Coep, foi apresentada a proposta da Incubadora de Cooperativas Populares. A possibilidade de apoiarmos uma cooperativa específica foi recebida com certa resistência por alguns, em função de seu caráter inovador, e com interesse por outros, até amadurecera proposta de investir no novo. O primeiro passo foi o apoio à legalização de uma cooperativa de limpeza e manutenção, com acompanhamento de todo o processo. Em seguida apoiamos a produção do material de divulgação e de escritório. Era a primeira cooperativa incubada. Tudo estava começando. Não tinham telefone, tentamos com a Telerj, não conseguimos e optamos por comprar um mobi , assim, foram gradativamáte se organizando e conhecendo o mercado até conseguirem o primeiro contrato. Depois de muitas dificuldades têm hoje uma estrutura com 100 pessoas trabalhando.Mesmo sem arrecadarmos muito, conseguimos em alguns meses contri uir para a organização de um grupo de pessoas em busca de trabalho. Não custa quase nada e é de uma importância vital para eles. Queremos replicar essa experiência e permitir que outras pessoas possam ter essa chance. Em todas as reuniões nossas eles diziam: "temos a força do nosso trabalho, podemos traba har, ninguém está pedindo nada de graça." Sempre soubemos disso e até hoje falamos com muito orgulho da Incubadora. Gleyse Peiter Coordenadora do Comitê da Ação da Cidadania em Furnas Fórum de cooperativas populares Objetivos: organizar as cooperativas num sistema intercooperativo visando melhorar sua inserção no mercado, discutir pontos pertinentes às cooperativas (legislação, crédito etc.) e articular as cooperativas populares de maneira a criar um sistema de trabalho autogestionário.

no final de 1997, que hoje funciona a pleno vapor. E outras universidades começam a nos procurar: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Santo André, Juiz de Fora, a Bahia apresenta outro projeto, a USP faz contatos, além de governos e grupos diversificados. Nesse momento, a Finep, na comemoração dos seus trinta anos, lança o Programa Nacional de Incubadoras de CooperativasProninc, no âmbito do Coep, em parceria com a FBB, BB e Coppe/ UFRJ estabelecendo que cinco seriam criadas. Para que todas as Não tenho nada a reclamar, muito ao contrário. O serviço é bom, o preço é dos melhores e o trato com o pessoal é muito à vontade, muito gostoso. Eu compro uma malha de qualidade, corto, trago pra eles e eles fecham com aquela qualidade que é a característica deles.

Eduardo MarinhoCliente 1° semestre de 1997 Duas reuniões incluindo a de março comemorativa do dia internacional da Mulher—constituição da primeira coordenação provisória ?semestre de 1997 Debate sobre legislação e crédito Debate sobre a criação de uma estrutura intercooperativa 1° semestre de 1998 Reuniões regulares com coordenação e representação das cooperativas Abril: definição da organização 107

desenvolvidas.

Cooperativismo,

108

universidades e instituições tenham as informações ao Mesmo tempo e das mesmas fontes, com a possibilidade de acompanhar o debate das experiências já realizadas, a forma mais democrátfca encontrada foi a realização de um Seminário Nacional que acont'rce agJpra, em maio, com esse objetivo. O Seminário lançará o programa à todas as universidades brasileiras. Na verdade, é um programa ique consolida o projeto da Incubadora Tecnológica de CooperatiVas Populares como uma diretriz nacional para as universidades. 'I Outra parceria importante é a rede articulada pela Unitrabalho, fundação que reúne 72 universidades em todo o país, ligádos a estudos ou a políticas na área do trabalho, com articulações internacionais. A força da Unitrabalho possibilita, nacionalmente, a reunião dr esforços para a implementação do Programa Nacional, seja através da implantação de incubadoras, seja pela avaliação dessa 4ava forma de relação de trabalho ou ainda pela análise criticai das facões já Hoje a Incubadora Tecnológica de Coo erativas Populares já integra a rede da Unitrabalho. Internacionalmente, o grande passo foi no CongreSso a Aliança Internacional Cooperativista, no México, em novembro de 1 97, onde um dos grupos de trabalho tinha por tema a UniVersidade e o oriundo de uma reunião na Costa Rica, onde a Aliança Internacional Cooperativista via a necessidade de um maiõr trabalho das universidades no que se refere à reflexão e formação dê qukdros. Foi marcada outra reunião e a Universidade das Américas, que trabalha com redes temáticas, abre espaço para a rede de Cooperativismo e Uniiversidade. Dessa rede, já na reunião do México, dez universidades das três Américas estavam presentes. Foi formado um grupo de trabalho para definir suas linhas gerais de ação. Apresentamos nosso projeto, que foi considerado importante forma de atuar, levando-nos a integrar a coordenação inicial dessa rede para dar início ao processo de apresentação de propostas. No Seminário, a rede será apresentada a outras

109

universidades e a UFRJ e a Universidade Federal Rural de Pernambuco são as responsáveis por sua divulgação no Brasil. No inicio de 1996 e final de 1997 recebemos as visitas de representantes da Escola Técnica de Cooperativismo do Porto, Portugal, histórica naquele pais, que vieram conhecer a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. Da última vez que nós nos separamos fui internada no Salgado Filho. Ainda tenho marcas. Quando recebi meu primeiro pagamento ele falou pra mim 'Você disse que não dependeria mais de mim para nada". Eu disse que sim e ele pegou o dinheiro na minha bolsa e botou fogo no meu primeiro salário e disse: "pelo menos nesse mês, você vai depender." (Hoje na cooperativa da qual faz parte o estatuto prevê a expulsão de homem que bate em cooperativadamulher).

Foi uma bênção para a gente. Nós mesmos somos nossos patrões. Temos que batalhar para garantir o nosso trabalho. Temos que caminhar também com nossos próprios pés. Tem pessoas que são desunidas, mas tem que ter muita garra para poder conseguir Depois que a gente realiza, todos acreditam. Antes ninguém acreditava. Agora, graças a Deus, estamos realizadas e as pessoas acreditam no nosso esforço.

Maria Bemadete Lira dacooperativadaConceição

110

Não podemos perder alguns nortes, nem confundir o nosso papel. Podemos muito bem fomentar outroscada qual no seu cada qual atores, mas jamais perder a perspectiva do nosso real objetivo. Nós somos uma escola de formação de cooperativas, formação de dirigentes e técnicos competentes. O exercício do papel de lideranças não deve se dar no âmbito da Incubadora. Não é nosso papel a formulação de políticas públicas. Nossa função é fornecer subsídios às políticas públicas.

Encara-se a tecnologia unicamente enquanto os meios de executar determinado projeto e, na Incubadora, não construímos submarino nuclear. De um modo generalizado, só se apropria da tecnologia quem tem saber universitário. Um grande questionamento desde o início do projeto era que tipo de tecnologia estávamos desenvolvendo. Trabalhar com comunidade envolve alguma tecnologia? Se envolve, que tecnologia estamos transferindo? Temos a cultura da tecnologia• das grandes empresas, tecnologia para a produção. O tradicional seria inserir esse trabalho na área social. Só que quando falamos em limpeza e manutenção, não estamos nos referindo a varredores, e sim a empresas de limpeza autogeridas. Não formamos profissionais, formamos empresas. Empresas que têm no seu escopo, na sua estrutura, o know how de vir a se gerir como empresa. Estamos formando trabalhadores autogestores, estamos atuando na formação de empresas autogeridas.

111

Mas, quando mudamos o discurso e citamos cooperativas que ficam nas favelas da Mangueira, de Manguinhos, ou qualquer outra, surgem os questionamentos no que diz respeito à transferência tecnológica. É a concepção do projeto que deve ser entendida. Não formamos faxineiros, formamos empresas autogeridas de limpeza e manutenção. Faxineiro é o trabalhador, a empresa é de limpeza e manutenção. O curso não é só de limpeza, é também de gerência e gestão. O nosso publico-alvo é de baixa renda, a empresa não. Estamos falando da tecnologia de autogerir a sua própria produção, o seu próprio serviço.

Quando começamos a produzir "A mãe de pedra" no Borel, ópera funk, escrita por Lídia Salles, moradora da comunidade, sobre o assassinato das crianças de rua na Cinelândia, eles correram para aprender a ler. Foi uma das coisas mais bonitas qué vivi lá. Um pedia ao outro para ensinar. Aquele que sabia pouco ensinava àquele que não sabia nada. A maioria voltou a estudar. Os pequenos mais que os maiores. Fizemos um concurso para selecionar as músicas da peça e muitos talentos se revelaram, inclusive a dupla William e Duda, que chegou tímida, mas com músicas muito boas. Fizeram tanto sucesso que acabaram se transformando em atores e hoje são ídolos nacionais. São praticamente os pioneiros do funk no Rio e ainda moram no Borel.

Já levamos a Ópera Funk para o Teatro Carlos Gomes, Universidades, hospitais e até para o Resumo da ópera, na Zona Sul do Rio. Foi muito emocionante quando aquele universo tão distante do cotidiano do Borel parou para prestar atenção à história daqueles meninos. Foi muito bonito para eles também, que têm um enorme orgulho de ser artista e morar no Borel.

112

.

Posso garantir que nenhum deles sai a mesma pessoa depois de viver a possibilidade de produzir qualquer tipo de arte, principalmente quando estabelecem relações de confiança. E conquistar essa confiança não é simples. Estão mas do que acostumados com promessas e pessoas que se aproximam, como se eles fossem objetos de estudo. Eles sabem ler como ninguém a verdade e a mentira. Quando confiam, crescem, aprendem e ensinam. Foi isso que fez a Ópera Funk ficar tão bonita e emocionada. ale mar Nunes Dramaturgo, Diretor Teatral e Educador, responsável pelas oficinas do Proje o Rio Funk, da Secretaria de Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura do Rio, no Morro do Borel, na Tijuca.

Tudo à flor da pele arrabalhar com a rapaziada do Borel e de outras comunidades, fazendo teatro, cantando, dançando, foi muito bonito. São rapazes e moças quevão aos poucos recuperando a auto-estima. Basta subir no palco, alar uma história, cantar, fazer algo bem e ser aplaudido. O resultado vem em cadeia. Começam a dizer "sou capaz, sou bonito..." E isso modifica a maneira de falar, de andar, de se vestir e de ser alguém. Ao mesmo tempo que se tomam pessás mais doces, começam a querer mais, a exigir um espaço que antes não imaginavam possível. Alguns vivem a vida inteira lá em dma. A partir do teatro, da música, vislumbram a possibilidade de descer e competir. A arte modifica tanto do ponto de vista psicológico quanto espiritual. É mui o gratificante para eles e para nós. Não realizamos oficinas com idéias prontas. Tudo acontece a partir da realidade que eles apresentam. Isso desperta a consciência de que os problemas não são só do morro e provoca a vontade de trocar experiências e se abrir para outros universos. Essa confiança que eles passam a ter neles e nos outros derruba muros e defesas. Surgem seres humanos maravilhosos, inteligentes e sensíveis. O índice de analfabetismo é enorme, mas a maioria é poeta. Foram aprendera ler só para escrever rap.

A empresa é questionada na medida em que se apresenta com o nome do seu bairro e de sua favela. Ela jamais foi questionada antes quando era formada pelo mesmo quadro de pessoal. O conceito de tecnologia está muito atrelado à mecanização e à minimização de custos.

A tecnologia ligada à organização do trabalho e eficiência ou de inserção social ainda encontra muitas barreiras para ser vista como tal.

1.1.3

Esse preconceito é muito forte. Tanto empresas públicas quanto privadas contratam serviços de firmas de limpeza e manutenção, e nunca ouvimos alguém questionar a origem da faxineira da sua sala, onde mora, de onde vem. Mas o endereço da empresa interfere na assinatura do contrato. Quando se faz uma cooperativa que atua na mesma área e informa-se que é em Vigário Geral, ela passa a ser uma empresa de risco, com frases do tipo "olha bem o tipo de gente que vocês estão botando aqui dentro". Ou ainda, "se essas mulheres não sabem limpar a sua casa como é que elas vão limpar a universidade".

Que Deus dê saúde a todos nós, a todos que colaboram para nosso apoio e para que a gente possa contribuir cada vez mais e ter um ritmo de trabalho bom. Que daqui por diante apareçam muito mais serviços para a gente ganhar sempre mais, trabalhando até Deus querer. Nadir de Almeida cooperativadaCruz

114

E na UFRJ? Até onde é possível ir? Desde o início, dentro da própria concepção de Incubadora aberta que as fronteiras utilizamos já existia de certa forma essa preocupação. O primeiro limite seria com relação aos recursos, infrado cotidiano estrutura e pessoas atendidas. Modificamos então a forma de trabalhar de maneira a potencializar o que tínhamos com o número de pessoas atendidas. Grande parte das incubadoras tradicionais trabalha trazendo para suas instalações a empresa incubada. Há a delimitação física do número de empresas. Ou seja, se cada sala é uma empresa, há um limite de espaço. Optamos então pelo conceito de incubadoras abertas. As empresas ficam onde quiserem. Concentramos na Incubadora o corpo técnico e pessoal de apoio. Foi a forma de potencializar, deslocando-se os técnicos para as comunidades.

115

O limite não era mais físico e sim de corpo técnico - quanto maior mais aumenta a capacidade de atendimento.

ultrapassando

116 - r .

Esta opção elimina um outro fator que também limitaria nossas ações: o custo de transporte. Na medida em que invertemos esse processo otimizando os recursos financeiros. A capacidade de investimento passa a ser o que conseguimos viabilizar tendo em vista que tanto os cursos quanto as atividades podem ficar próximos a suas casas. Uma outra discussão que envolveu limites foi a propiosta de desincubar - cortar o cordão umbilical - depois de dois anos. Um corpo técnico limitado não permitiria a incubagem por uml tempo longo. Nesse sistema também existe outra estratégia. Não se trata de incubar ou desincubar e sim qual o grau de incubagem. O complicado na incubagem são as atividades que para nós representará custos, como a administração, enquanto a articulação e os seniços de assessoria são mais acessíveis. Na medida em que uma empresa tiver a capacidade de se auto-sustentar, o administrativo deixa de sLr nossa responsabilidade, o que não quer dizer que elas não possam participar dos cursos e treinamentos que Vão melhorar a sua qualidade. Esse limite passa a ser muito flexível dependendo da forma como for enfrentado. Nossa análise, no entanto, é que não faz nenhum sentido que produtos que criamos, que estão fazendo sucesso fiquem do lado de fora. Mais do que para nós, são muito importantes as experiências bem sucedidas para os novos. Têm, no mínimo, a função de transmitir um certo sentimento aos que estão começando. O critério é esse: à medida que vão arcando com seus custos, o que já ocorre em vários casos, deixam de ser mais um peso financeiro. Com isso conseguimos, com o mesmo corpo técnico, ampliar espaços e a presença delas passa, ao invés de ser um "custo", a ser um 'lucro", um exemplo vivo da realização das cooperativas populares Quando falamos de crença, falamos em acreditar que é possível.

O limite será dado nos patamares outros que elas se relac onarão. Não será em curso de iniciação ao cooperativismo, mas pode ser num curso de pós-graduação de administrador. Os relacionamentos, como

117

já ocorre hoje, serão diferenciados. Uma cooperativa aprende a ler um livro caixa, outra faz contrato e uma terceira busca outras informações. Isso não só viabiliza como traz para outro patamar os limites a serem alcançados. Elas podem, na medida do seu interesse, se reunir e, junto a nós, buscar viabilizar consultorias ou especializações. Ou seja, dependendo da competência e ousadia, não há limites para crescer.

Só não trabalha quem é preguiçoso. A cooperativa vai até a sua porta, oferece oportunidade e não pede nada em troca. Pra gente arranjar um serviço comum tem que ter uma série de documentos, ficar em filas e não se consegue nada. Aqui não precisa de nada disso. E a Incubadora é o começo de tudo. Ela nos ensina a caminhar Se não tivermos alguém para nos ajudar, como vamos caminhar?"

118

cooperativadaMaria

Temos que administrar o dia-a-dia e, ao mesmo tempo, pensar estrategicamente no futuro. Enquanto uma projeto cooperativa abre novos postos de trabalho, temos que, em paralelo, avaliar para onde seu mercado se abre fora dessa área. Precisamos permanentemente investir em planejamento e no conhecimento do mercado com o qual vamos trabalhar, desde a cooperativa de limpeza até, por exemplo, uma fábrica de reciclagem de lixo industrial. Nosso dia-a-dia vai desde os menores problemas dos cooperativados, aquele que não vai trabalhar, outro acusado de irresponsável, até pensar qual o futuro dessas empresas e os melhores mercados.

Implica qualificação, capacitação, apreensão de técnica e tecnologia do ponto de vista gerencial nos cargos de direção. Cada passo significa uma vitória. Sentimos muito orgulho porque alguns cooperativados da Mangueira fizeram o Pré-Vestibular para Negros e Carentes e hoje são estudantes da PUC. Algumas cooperativas incluem no estatuto que todos são obrigados a estudar até uma certa idade. Também eles investem no seu dia-a-dia e no futuro.

Estamos participando das primeiras licitações, o que nos permite nos nao somos

119

A realidade é que não há trabalho para todos. O mercado que se abre para as cooperativas é no degrau debaixo do mercado de trabalho. Como fazer para que comecem a subir outros degraus?

Estamos num processo de consolidação. Muito recentemente começamos a trilhar essa estrada que se propõe a inserir as cooperativas no mercado. Vivemos a fase pré-inicial quando a Incubadora surgiu. Começamos a incubar cooperativas, e essas empresas ainda não estavam no mercado. Quando entram no mercado e novas cooperativas são incubadas, é o sinal de que esse é momento para buscarmos mais intimidade com as exigências do mercado. Temos que aprender, na prática, boa parte do que só sabemos na teoria, identificando potencialidades e limitações.

Rosane deJorrialistaSouza

Adote uma cooperativa 1 Um dia, em uma visita a Casa das Palmeiras, o grupo musical osI Paralamas do Sucesso descobriu o trabalho artístico do "Bispo" como é mais conhecido o pintor Artur Bispo do Rosário. Se sensibiliztm com a "beleza do Bispo" e realizaram o disco/CD "Severino" com fotos d seus trabalhos - todos encorajados pela psiquiatra Nise da Silveira. Para os integraiites da banda, "Bispo" era mais um Severino que, mesmo isolado em um manicômio, arrebatava todo o mundo com sua obra. A partir daí, se estabeleceu uma relação entre os músicos e os usuários dos manicômios. Em troca da utilização da sua obra, em fotos, os Paralamas pagaram o trabalho para apagar as marcas deixada pelos cupins e pelo descaso com a saúde mental dos brasileiros.Daíem diante também se comprometeram com a luta contra o estigma a loucura, que leva os que o carregam à exclusão e desemprego. "Um exemplo é bem concreto. Um desses usuários não conseguiu a vaga em um emprego porque a sua letra estava trêmula devido à falta de ajuste da medicação. Com medo de perdera emprego, caso contasse a verdade, ele apenas disse que há muito tempo não escrevia. Perdeu a vaga assim mesmo", conta a psicóloga DeniseQuandoCorreia.aCooperativa da Praia Vermelha precisou de recursos para sua legalização eles não titubearam: depositaram o dinheiro e a adotaram para ajudar no que estiver ao alcance. Formada por cerca de 40 pessoas, entre as quais 20 técnicos e usuários do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, do Hospital Philipe Pi el, do Hospital Psiquiátrico Estadual de Jurujuba - a partir do qual foi criada a Associação Cabeça Firme - e a ADDOM, de São Gonçalo, a cooperativ enfrenta muitos problemasAlguns usuários deixam a cooperativa por dific Idadesde locomoção.Aprevidência também atrapalha: como são licenciados pelo INSS estão proibidos de receber dinheiro pelo seu próprio trabalho. Mas ninguém desiste. Nem os técnicos de saúde mental empenhados na luta nem os usuários do sistema de saúde mental. E é com essa paciênda que eles beneficiam a castanha daAmazônia, transformando-as em deliciosos bombons e em salgadinhos. Agora, partem para novos horizontes, através da cartonagem.

120

identificar quais as que estão, do ponto de vista gerencial, maduras o suficiente para disputar contratos maiores. É evidente que muitas práticas já tão consubstanciadas, mas a consolidação efetiva ocorrerá quando sentirmos que começam a ousar novos vôos e a subir outros degraus no mercado. Seria uma prática sistemática tendo em vista a sua complexidade. Estaremos efetivamente com esse processo amadurecido quando aquilo que para nós ainda é uma grande surpresa e ainda traz uma certa insegurança, tanto do ponto de vista das pessoas quanto do ponto de vista estrutural, Rir . executado com total segurança. Queremos crescer mantendo a dinâmica e a riqueza que hoje perpassa todos os momentos da nossa história. Eliminar suas principais No dia de fazer bombom, fazemos bombom, o dia que não tem, produzimos pastas. É um trabalho terapêutico mexer com artesanato. Eu já trabalhava com artesanato. Cada um tem o seu "eu" de trabalhar Cada erro nosso é prejuízo para nós, é a gente que está perdendo.. Tem que ter o máximo de calma possível no mundo. Walter cooperativadoRosa 121

características em nome de uma lógica burocrática, adininistrativa ou de uma lógica de financiamento seria imperdoável. Não sabémos se numa grande estrutura será possível conseguir responder às pessoas que nos procuram na mesma intensidade de hoje. São pessLas que já não têm mais esperança, que leram no jornal, ouviram falar, perguntaram aos amigos, procuraram a associação até chegar à Incubadora com uma sede enorme e uma vontade maior ainda de que algo de bom aconteça.

Também aí equipe e cooperativados se identificam Estamos todos aprendendo e construindo o futuro. Alguns técnicos chegam de "salto alto", mas o embate com o cotidiano é muito duro. A¡maioria tem que reaprender o que aprendeu e tem a humildadé de reconhecer que o que aprendeu na faculdade não se encaixa nesse universo e que terá que buscar caminhos diferentes, compatíveis com a nossa realidade. Todos aprendemos e nos forjamos na construção da Incubadora. É pré-requisisto para a permanência na equipe a disponibilidade de aprender. E isso ocorre por uma única razão: as cooperativas têm uma realidade extremamente dinâmica. Todos fizemos cursos na Incubadora. Aprendembs o que é uma cooperativa participando de um curso de cooperativisino, dos casos, junto com as próprias cooperativas. O universidade é para as cooperativas, mas as cooperativas a sabermaioriadanãosãoo

E quando acontece, por menor que seja o salto de qualidade, é sempre mais uma vitória. São pessoas que nunca participaram cIL trajetória semelhante, jamais ouviram falar de assembléia geral e hoje chegam aqui, como uma cooperativada punida pela comissão de ética 'da cooperativa por faltar constantemente ao trabalho. Foi suspensa por urn mês e colocada na lista de espera. Vem com o estatuto nas mãos e reivindica: 'o estatuto diz que eu tenho que ser ouvida." Chegou um zero à esquerda aprendeu, entendeu que temos regras que nos balizam. Há uma mudança muito grande de qualidade nas suas vidas, e também de mentalidade, quando se sentem parte de uma empresa que disputa mercado.

122

Eles não estão ali por diletantismo. Precisam comer e dar de comer aos filhos. Temos que adequar o processo de capacitação a essa realidade. Também estamos revendo nossas cartilhas, identificando erros e acertos. Essas avaliações criticas são permanentes. Existe muito pouco saber acumulado em relação àqueles que não têm nada a perder. No início, era possível ouvir nas reuniões de equipe a frase "nós somos o projeto". O tempo se encarregou de desmentir o que parecia ser apenas um sentimento. Estamos construindo essa história e é muito importante estarmos aqui, mas a trajetória do projeto está passando por nossas vidas. Se muitos de nós "abandonarmos o barco" o projeto continua, simplesmente porque a Incubadora acabou sendo apropriada, não só pela universidade, mas pelas dezenas de grupos, pelas inúmeras pessoas que, diariamente, nos procuram querendo montar suas cooperativas.

Capacitação é uma palavra-chave e critério básico para participar. A qualificação do cooperativado é o que define seu futuro e o da própria cooperativa. Há um investimento forte da Incubadora nessa área. Estamos travando internamente uma ampla discussão sobre metodologia, em função da postura imediatista de nosso público-alvo.

123

saber acadêmico. Em função disso, grande parte dos que chegam acaba colocando em cheque o saber acadêmico. Todos têm uma grande disponibilidade para aprender, para disputar, para problematizar. Somos desafiados a todo momento a nos adequarmos a essa dinâmica e aprendemos, assim, a não ter respostas prontas.

Meu nome é luta, garra e cidadania Fortalecendo o trabalho que é renovado a cada dia Quebramos a corrente dessa tal terceirização Um mercado alternativo foi a nossa criação

Somente quem aproveita é a minoria da nação Por isso o povo todo vive na situação Miséria, fome e desemprego' estão ai Preste a atenção

Lá todos são unidos com plena capacidade Um mais um, você tem dois, dois mais dois humanidade

Descobrimos que unidos somamos como um todo Construindo com os filhos dci Brasil um mundo novo

A fortaleza da favela é a pura alegria Não precisa se fingir se não existe fantasia

Do mesmo tronco formamos nossa identidade Mas deste corpo nascemos já adultos Carregando nas costas a cruz deste mundo Onde os favelados são vistos como marginais E agora o que exigimos são direitos iguais

rap cooperativasdas

1 A máscara no rosto é sinal de pluralidade

Desta fortaleza somos simples formiguinhas Pois o dinheiro do marido não dá para a família Com esse comportamento somos donos dessa fábrica Que estimula a brava gente que tem caráter, força e garra Alimentamos toda a nossa virtude refrãoValorizando realmente o que é a atitude Operário, favelado com muita dignidade Faz escola e hospital para toda humanidade

Amizade e a bondade tá junto com a multidão Prá tudo que é problema sempre há uma solução Amarraram a tristeza junto com a agonia Prevalece o bom humor, prevalece a simpatia refrão É cooperar, as coisas como estão não podem ficar É cooperar, cooperando é, não se pode simplesmente abaixar a cabeça e sair andando Temos que enxergar uma luz, um destino, uma vida melhor Para meninas e para meninos, velhos, adultos, doentes, senhoras e senhoresNestemundo doente, são eles quem sofrem as dores A lama, os barracos de madeira, a marmita com arroz e feijão Não diminui o que eu sou, o que somos Favela não é só violência, favela tanbém é amor, é amor Amor, palavra esquecida por muitos e praticada por poucos A palavra ódio, é que me deixa louco É cooperar para que as paredes não tenham mais marcas de tiro Para que as armas nas mãos das crianças sejam apenas livros No Brasil nada bem, tudo mal Não se tem mais orgulho de cantar o hino nacional Será que um filho teu não foge à luta??? É isso que temos que recuperar A vontade de ser brasileiro e não se envergonhar Por que o povo da favela sabe muito bem Que o mundo nos sustenta, mas não nos oferece tudo que tem refrão Edwiges Luiza Tomaz dos Santos, Valquir Pereira Garcia, Alessandro Lima Roselo

126

Estava há 12 anos sem estudar, sem fazernada em termos de conhecimento, conhecimento didático mesmo, e esse ano praticamente eu passei em três vestibulares: UERJ, UFF e PUC. Nas duas primeiras eu fui para a segunda fase, mas optei por ficar na PUC, fazendo Ciências Sociais. É uma grande vitória ter conseguido, pois vi pessoas que tinham curso particular; todos adolescentes, sem os problemas que eu tinha. Denise Roque cooperativada

Mas só isso não basta. É preciso avançar no sentido de criar os instrumentos básicos de avaliação do quadro em que estão inseridas 127

que nos Essa máquina deve continuar a funcionar não só mantendo padrão de qualidade como também a forte energia que a mantém cada movimenta, sempre apontando para o crescimento e a possibilidade de viabilizar projetos maiores, como o Fórumvez mais vivos de Cooperativas, espaço que fortalecerá o que há de mais inovador em nossa prática: trabalhadores se autogerindo.

A maioria dos projetos de geração de renda hoje apresenta propostas no sentido de transformar a informalidade na formalidade, como se bastasse ter um alvará e um CGC. Questionamos os critérios dessa legalidade e avançamos apontando caminhos novos e viáveis, com resultados palpáveis e uma metodologia que é absolutamente diferente daquelas que vêm sendo colocadas em prática.

41*-

Nosso desafio hoje na Incubadora também é produzir conhecimento, e o conhecimento não é só como se monta uma cooperativa ou se estrutura uma Incubadora. São todas essas questões que estão nos afligindo. São problemáticas nacionais. É o fortalecimento de lideranças que, unidas, poderão fazer com que as empresas andem com suas próprias pernas e indiquem os caminhos das mudanças estruturais fornecendo subsídios às políticas públicas. No salto, esperamos que as cooperativas levem em sua bagagem mais as nossas qualidades que os nossos vícios.

Em alguns casos, com mais de cem pessoas trabalhando, as cooperativas deixam evidente o registro da grande transformação social que ocorre a partir do momento em que um grupo se organiza, discute e problemaiiza suas vidas e suas histórias. Depois do sonho individual, de melhoria nos negócios, querem o plano de saúde privado, em seguida um posto de saúde da prefeitura e, se antes não reclamavam do cheiro insuportável dos esgotos, agora exigem saneamento básico. Houve uma grande mudança de mentalidade, um crescimento inquestionável.

A grande maioria se identificou como negro e moreno, mas alguns ' responderam: "na minha certidão está escrito cor parda". Muitos relutavam em responder e diziam "não sei", quase perguntando "o que é que você acha?" Um cooperafivado afirmou: "passou de branco, preto é. Eu sou negro."

Helena Leila Wengorski Estagiária da lndubadora

Na pesquisa que fiz entre 67 cooperativados, apenas uma pessoa declarou que não sabia escrever o nome. Um número expressivo de pessoas declarou não ter religião e a maioria dos evangélicos não se declara como tal, mas como cristãos. E possível que se houvesse candoMblé ou umbanda no lugar das religiões afro, provocaria uma certa dúvida, receio de dizer e ser questionado sobre sua opção. Levando-se em conta a evasão de fiéis na Igreja Católica, a grande maioria se assumiu como católica. Muito provavelMente dentre os católicos e os que disseram não ter nenhuma religião estão misturadas as religiões afro-brasileiras.

Vale o registro de frases que ouvi e fatos que testemunhei. Você fez alguma melhoria em casa depois que entrou para a cooperativa? — Coloquei comida em casa. Neste momento os outros cooperativados riram. Para ela a grande melhoria é poder levar comida para casa, é encher a geladeira.

Passou de branco, preto é. Eu sou negro.

128

Interessante é observar o movimento de crescimento pessoal e político dos cooperafivados, sobretudo dos que estão em cargos de coordenação, diretoria ou comissão de ética. É muito forte a maneira como lidam com o seu espaço, seu fórum, discutindo, questionando e tomando decisões de igual para igual, sabendo exatamente o que fazem e o que dizem. São pessoas simples, de origem muito pobre, de quem a maioria das pessoas não espera muito. Mas os cooperativados, por mais pobres que sejam, por mais que não tenham estudado, possuem uma capacidade surpreendente, desenvolvem lideranças e outras características importantes nas quais se baseiam as cooperativas.

Outra cooperativada, que não sabia escrever seu nome e não podiaipssinar a folha de pagamento temia não poder receber o salário no final do seu primeiro mês de trabalho, e explicava: IiLána minha terra eu assinava como dedo.

para que consigam olhar além do horizonte. É importante estimular a integração de uma cooperativa com a outra através do Fórum de Cooperativas ou outras estruturas que darão aos diversos grupos vôo próprio. É a irttercooperação estrutural, tecnológica e administrativa,

129

a prática da troca de experiências e o exercício da solidariedade.

Casos como uma cooperativa que está trabalhando há um ano e não tem condições de subsistência nem consegue atingir a autonomia, mas tem pequenas reservas em caixa, credibilidade e "know how". Tem, apesar de tudo, mais que uma outra ciue está começando hoje e, nestes casos, é possível lançar mão de um sistema solidário, de ajuda mútua para garantir a sobrevivência.

O mesmo pode ocorrer em relação às exigências e às leis do mercado, perversas e de grande competitividade, estabelecendo quem tem condições de produzir e de reduzir custos. Muita einpresas que já têm mercado encontram sérias dificuldades no campo legal. O processo de legalização tem sido uma grande barreira para todas. Como uma pequena empresa, quase uma associação de pêssoas, vai disputar esse mercado, encarar um edital de concorrência que exige capital de giro, equipamentos e investimento?

É necessário que essa voz se faça ouvir, caso contrário não terão capacidade de participar de debates nacionais como, por exemplo, nas mudanças da legislação hoje em questão, rijo kmporta se Federal, Estadual ou Municipal. Outro exemplo é. a necessidade de constituição de um fundo de cooperação. São muitas as exigências dos editais. Uma nova estrutura permite a junção dos pequenos capitais sociais de todas as cooperativas, com capacidade de participar da licitação. Nestas circunstâncias terão possibilidades de pleitear o crédito nas condições normais do mercado, além clé propor modificações nas linhas de crédito atual.

Se esses são problemas comuns, a soma de esforços e a troca de experiências pode apontar, mais uma vez, saídas 'coletivas. Esse aprendizado tem sido a prática do cotidiano e o maior pa&imônio dos cooperativados.

130

a vida podia ser Estamos transferindo para outras universidades a metodologia de formação de trabalhadores numa nova bem melhor, estruturação dos meios de produção. Entre eles, existem cidadãos que foram excluídos do mercado e será! -formal nessa nova estruturação da economia e existem cidadãos que em momento algum estiveram inseridos nesse mercado. Essa nova metodologia está se mostrando factível para ambos os grupos. Todos, cidadãos brasileiros.

Estamos inserindo essas pessoas no mercado de trabalho, mais especificamente no mercado formal. Mas, mais que isso, estamos abrindo

131

132

Viva o povo brasileiro! P articipei da construção da Incubadora em sua pré-história. Montamos a primeira equipe, assessoramos a Cootram, com muitas dificuldades, estruturando e dando as aulas do curso básico de cooperativismo, ria Fiocruz e no Femandes Filgueiras. Eram professores também o Cynamon e á JoséAugusto. Nosso trabalho era basicamente de motivação, com aulas em clima de totalEmboradescontração.issonãoocorra de forma organizada, tenho uma tradição de trabalho com a população nas minhas pesquisas. Essa experiência que hoje temo nome de "trabalho com comunidade". Minha participação nesse projeto se deve, especialmente, a esses trabalhos realizados anteriormente, em lavouras de cana e com o Sindicato dos Metalúrgicos. Mas o que mais me enriqueceu no processo de estruturação da Incubadora foi a criação da Cooperativa dos Trabalhadores de Vigário Geral-Cootravige. No Curso, a equipe permanente era o Adão, o primeiro motorista da Incubadora, e eu. PÁssei com ele momentos belíssimos e outros de profundo medo. Descemos um dia para tomar uma Coca-Cola. Eu estava de costas para a passarela. De repente a cara do Adão ficou estranhíssima. Em tom baixo ele pediu: "olha pra trás". Em nossa i direção caminhava o batalhão de choque. Adão de negro ficou branco, e eu cOr de rosa. Passaram direto. Adão segurava as crianças no colo para as mães assistirem aula e era com ele que, na volta para casa, eu discutia os fatos do dia e até alguns aspectos do projeto. Ele dava opinião, sugestão e até propunha caminhos. Na pior das hipóteses, Adão foi um competente assessor. Nasceu a Cooperativa de Vigário Geral. Foi ela que promoveu, na entrada da favela, a primeira festa não televisiva para angariar recursos para o projeto, com um cozido e um bingo. Fui com minha filhas e posso afirmar com segurança absdluta que foi a primeira festa da comunidade sem a presença dos traficantes ou da jiolicia. Atribuo isso ao respeito que tinham àquele trabalho. Naquela época, eram vinte pessoas, hoje são 100 cooperados. O diferencial deste projeto para os outros do qual participei é que antes as pessoas tinham emprego e nesse todos eram desempregados. É incrível ver 20 pessoas saírem do nada e criarem uma empresa. Fundaram uma cooperativa com assembléias, discussões e mulher na direção! Eu aprendi muito mais que elá. Outro fator impressionante é o grau de caráter e a enorme força de vontaáe. A cada dia me convenço mais que é essa gente que segura esse país. Quem siegura o Brasil é o povo brasileiro. 1 Miguel de Simoni Professor da Escola de Engenharia da UFRJ

A globalização da economia em curso, promove o trabalho desqualificado a um preço igual, em qualquer lugar do. mundo. Com a internacionalização das economias a disputa de postos de trabalho hoje se dá no âmbito do mercado das empresas terceirizadas. Vai longe o tempo em que essa disputa passava pelos departamentos de recursos humanos. Esse palco está montado agora nas salas de licitação. É ali que se briga por fatias desse mercado. No entanto, preparados de urna forma qualificada, após a inserção organizada no mercado, esses trabalhadores não disputam mais postos de trabalho, e sim o próprio mercado. São as relações internas das cooperativas que podem definir a qualidade da inserção desse

133

Esses cidadãos se formaram trabalhadores numa nova perspectiva. Hoje, tanto as relações de trabalho quanto os meios de produção são preocupações permanentes nas suas atividades. Sua função não se restringe a uma tarefa específica, fruto do conhecimento técnico, que faz parte do seu processo de formação. A gestão da cooperativa e a organização do trabalho estão definitivamente incorporadas ao seu processo. Com formação interdisciplinar, respondem simultaneamente às tarefas inerentes aos seus ofícios e à gestão de uma empresa. Com o fim da seguridade que o estado lhes garantia, também as responsabilidades sociais passam a ser preocupações desses trabalhadores. E tudo isso ocorre quando as relações tradicionais de trabalho estão ampliando os espaços para os serviços temporários, sem as garantias mínimas dos direitos trabalhistas, inclusive aqueles já conquistados.

Como quem diz "a casa é sua" a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares recebeu pessoas inseguras e sem perspectivas e detonou uma força potencial.

a uma pequena parcela da população as portas de um país que pode ser viável e janelas para um futuro que pode lhes reservar espaço privilegiado no cenário nacional e, quem sabe, internacional.

Impossível afirmar se serão internacionais ou periféricos. Mas, certamente, serão parte desse mercado, viabilizando 'seu papel de atores na economia nacional de forma digna e competente.

Indiscutivelmente, aos tomadores de serviço,' ao im's, por diversas razões, interessam essas novas relações de trabalho: pelo processo de produção, pelo padrão de qualidade, pelos produtos a preços acessíveis, pelo processo de distribuição de rendia que também amplia mercado e pela minimização dos conflitos sociais, decorrentes da situação de extrema miséria nos grandes centros Não temos dúvidas de que essa linha de formação do trabalho e o desenvolvimento de uma metodologia que cria traáhadores autogestores levanta uma rica discussão e propõe alternativas a partir de uma outra visão nas relações de trabalho. O Brasil precisa se preparar para esse Inversamentemomento.aoprocesso que hoje traz o caos, essa a ternativa gera uma nova perspectiva de relações na sociedade. Iny1ersamente ao processo de exclusão, que aumenta o grau de violência e conflitos inviabilizando inclusive partes da cidade, a inserção social, a partir da inserção econômica, pode selar um forte acordo de tempos de paz. Não se trata de reinserção, e sim de uma nova forma de se inserir, quando os excluídos do consumo de ontem estabelecem hoje, a partir de suas práticas e de sua formação, uma nova relação na s ciedade. Não estamos só formando trabalhadores. Estamos formando cidadãos.

134

trabalhador no mercado. Concorrem agora como um contingente de trabalhadores capacitados. Geram um trabalho consciente e um produto de melhor qualidade. Oferecem consciência e responsabilidade O nicho da economia que lhes cabe é ainda urna incógnita.

equipe incubadorada Andréa Marques Bruno Aquino Bruno CarlosMilanezAlexandre dos Santos Carolina Cruz Claude ClaudioAraripePachecoElsaParreiraErnestoAguiarFábioLanzellotteFlávioSantosGelsonMartinsGenerosaSilvaGildêniaCostaGonçaloGuimarãesGuaracyConstantinoJadeildoSilvaJohnyKovalcikJoséAntoniodePaulaJosianeBarrosJosinaldoAleixodeSousaLeandroMendesLúciaAdrianaVieiraLúciaTerezaRomanholli Luiz Pinheiro da Guia Marcelo Correia Marcos Azevedo Maria da Glória Fortunato Maria de Jesus Maria de Lourdes Fonseca Maria José Barcelos Pereira Nilson Alves Pedro PriscilaDonizettiFerreiraReginaSouzaRenataCoelhoRenêMendonça Noronha Júnior Ricardo Baltazar Ricardo Besada Rosa Maria de Souza Rubens Espósito Sheila Nazaré Silvia Fernanda da Silva Sonia SuzeteSampaioLimaTaisHelenade Paula Tathiana Faria Escritório de apoio às cooperativas supervisionado pela Incubadora José Roberto Romão Jonildo CarmemSilvaBezerra 135

Cooperativa de Trabalho, Montagem e Manutenção Industrial - MONTCOOP

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro de anto Antonio

Cooperativa dos Trabalhadores da Chácara de Del Castilho - COOPERDEL

Cooperativa dos Trabalhadores do MOrro 4o Grotão

cooperativas incubadas

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro da Caixa d'Agua

Cooperativa dos Trabalhadores do Caminho do Job

Cooperativa dos Trabalhadores do Mono do Juramento

Cooperativa dos Trabalhadores do MOITO do Escondidinho

Cooperativa de Mecânica, Eletricidade e Inárumentação Civil - COMEICE

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Vidigal- COOPVID

Cooperativa dos Trabalhadores de Vigário Geral - COOTRAVIGE

Cooperativa das Costureiras de FernãO Cardim - FERNÃO CARDIM

Cooperativa de Trabalho Novo Horizonte -NOVO HORIZONTE

Cooperativa de Trabalho Artes de Novo Painares -NOVO PALMARES

Cooperativa dos Trabalhadores do Mono do Prazeres

Cooperativa dos Trabalhadores do MOrro cio Sossego - CAJCOOP

Cooperativa dos Trabalhadores do Ciju - PIRCO MIS Cooperativa Especial da Praia Vermelha - PRAIA VERMELHA

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro do Andará - COOPERAN

Cooperativa Mista dos Trabalhadoreg do Prque Royal - ROYAL FLASH

Cooperativa dos Trabalhadores do Morro da Mangueira - COOPMANGA

Cooperativa dos Trabalhadores da Estrada dás Canoas Cooperativa dos Trabalhadores do Canal da Taxas Cooperativa dos Trabalhadores da Favela Nova Aliança

Cooperativa de Serviço de Eletricidact e Mânutenção - COOPLUZ

Expediente Edição e produção: Espalhafato Comunicação Programação Visual: Clarice Soter Fotos: JR. Ripper / DC. Júnior/Imagens da Terra Revisão: Dayse Tavares e Flávia Chapetta Transcrição das entrevistas: Helena Leila Wengorski, Patricia Sá, Cristiane Virgihio da Costa, Marina Pemetta e Guilherme Müller Fotolitos: Mergulhar Serviços Editoriais Impressão: Reproarte Rio de Janeiro, maio de 1998 Ossos do ofício Uma publicação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Cooperativas Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro em cena aberta Coordenação: Gonçalo Guimarães Caixa Postal 68501 CEP: 21945-970 tel: (021) 260-4986 / 280-8853 fax: (021) 290-6626 / 260-4986

rat. Átr."nrri . Va; •r•fj 9 r. ' - •44,4 " • ;2. - ••• -"CC ~" 7: 1 7. 44. ". ' wzi si O L Uss" 4 0200" j O

41 9 ?" ees „risr„ caí • • 4...;•;„ -• SI* • ,vi:•••ir trim. • 4-4*),S-4::". %4IfS•t h•k tigS

.• : •

APOIO: FINEP

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Viva o povo brasileiro

7min
pages 129-138

A vida podia ser bem melhor, e será

0
page 128

Passou de branco, preto é. Eu sou negro

3min
pages 125-127

Adote uma cooperativa

5min
pages 117-120

O que nos mantém cada vez mais vivos

1min
page 124

Rap das Cooperativas

2min
pages 121-123

Tudo à flor da pele

3min
pages 109-111

Ultrapassando as fronteiras do cotidiano

3min
pages 112-115

Nós não somos o projeto

1min
page 116

Cada qual no seu cada qual

1min
page 108

A arte de aprender a caminhar

5min
pages 103-107

Às vezes o mundo parece uma aldeia

0
page 102

Multidisciplinaridade da equipe

5min
pages 99-101

Engenharia e apartheid social

3min
pages 97-98

A cada passo, uma vitória

5min
pages 89-93

Plantando as sementes em pleno temporal

1min
page 86

Educação e esperança

3min
pages 94-95

A tecnologia a serviço do desenvolvimento humano

10min
pages 79-85

Pioneira no projeto de expansão

2min
pages 87-88

Crescendo no grito

1min
page 96

Verdades e mentiras

0
page 78

Mulher, etnia e geração de renda

6min
pages 75-77

Três décadas fazendo história

8min
pages 67-71

Ousar pensar o novo

0
page 72

A construção da ponte entre o trabalho e a academia

2min
pages 73-74

É tempo de dar tempo ao tempo

4min
pages 64-66

O papel social das entidades públicas

5min
pages 61-63

Por caminhos próprios formamos trabalhadores

4min
pages 57-60

O que há por trás dos muros

1min
page 56

A humanidade não pode mais esperar

1min
pages 54-55

Responsabilidade, cumplicidade e confiança

1min
page 46

O homem como agente do seu desenvolvimento

1min
pages 39-40

O novo demanda abnegação

6min
pages 47-50

O caminho das pedras

1min
page 38

Derrubar muros. Construir cidadania

8min
pages 41-45

O grande desafio: ganhar escala

5min
pages 51-53

Luz antes do fim do túnel

4min
pages 35-37

Alguma coisa está fora da ordem

2min
pages 32-34

Aconteceu nos corredores da academia

1min
page 24

Para inicio de conversa

1min
page 16

Entrevista: "Vou acreditar sempre"

8min
pages 11-15

Responsabilidade social

8min
pages 17-23

O risco do assistencialismo

4min
pages 25-28

Prefácio: Preservar o passado, garantir o presente, apostando no futuro

5min
pages 8-10

Protegendo os que nascem frágeis

4min
pages 29-31
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.