LiteraLivre Vl. 5 - nº 28 – jul./Ago. de 2021
Maria Carolina Fernandes Oliveira Pouso Alegre/MG
Linha de sangue Sou neta do estupro. Sou neta dos estupros em massa que as índias sofreram com a invasão portuguesa. Elas cantavam e teciam e se pintavam quando eles chegaram e se espantaram com tantos seios e genitálias expostos. Arte. Natureza. Não encontraram tabu algum sobre a nudez, e por isso impuseram sua moral gigantesca e rançosa por entre as pernas de cada menina e mulher indígenas. Neta do estupro. Sou neta dos estupros da escravagista sangria desenfreada que se repetiu nos navios negreiros, nas senzalas e nos algodoais. Ventres violados pela opressão branca. Úteros que geravam mercadoria. Reprodução forçada usada como fábrica de mão de obra. Seios negros que alimentavam meninos brancos, com o leite que floresceu da violência, resistindo. Do estupro. Sou neta dos estupros que ocorreram nos arredores dos latifúndios e nos fundos das fábricas. Terra vermelha. Esperança derretida em lágrimas dos olhos das campesinas imigrantes, que atravessaram a fronteira por um pedaço de terra e encontraram dor sob as
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