LiteraLivre Vl. 5 - nº 28 – jul./Ago. de 2021
Roger Cacci Mogi das Cruzes/SP
O Crepúsculo do Desejo Suas luas são duas luas minhas. São dois montes de barro da argila doce do mangue; é o cálice do mundo. São como vasos de cerâmica macia; é o cacho de fruta madura, Posto de certa forma, é um doce de amêndoas, tenro como amendoim, liso como jasmim. São dois bolos de massa feita do trigo selvagem com o gosto de terra preta e aroma de ternura. Sovo-lhe as pernas, como sovo o pão. E sinto-a fermentar pelo fervor em que suspira, e exala vapor. Sovo-lhe certas massas como sovam-se pequenos e delicados doces franceses. Mas toco-lhe as carnes, como se tocam as carnes de um animal calmo e arisco. Não meço força, nem calor. Não a vontade por seu sabor. Sovo-lhe as massas como se sovam as massas de pães italianos. Em demasia, sem pressa, até sentir o glúten se desprender do grão, até o fermento escorrer e ver a massa crescer, e aquecer, e romper, e gemer... Eu sou a brasa que queima tua pele até o suor secar e fazer crostas em tuas costas. Sou a chama que te deixa nua e crua para que possas crescer em mim. Para que assim, eleve-se na ossada única e cozinhe na forma longa a te ornar. Para que fique no ponto, perca o ponto. Fique ao dente e me coma com os dentes, vertendo sem pele e nem pêlo, carne sobre carne em masoração. E que seja eu o gosto que teu corpo pedir, e que seus pedidos sejam eloquentes, ferozes, lentos. Ao anoitecer, sob o crepúsculo de duas luas negras e sangrentas, te levo a mesa, na cama colocamos os pratos.
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