Arthur Capelo é pseudónimo de Bernardo Sancho (2002), nascido em São Paulo e estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Não tem muito a constar na biografia porque da vida sabe pouco e de biografias, um pouco menos. Tal facto prova-se com o estranhamento causado por estar a escrever sobre si na terceira pessoa sem saber ao certo a razão por que o faz.
SOPRA-ME AS CINZAS DUM CIGARRO SEM LUME Então disseste que ias dormir. Que a noite era escura e que as luzes te assustavam quando as vias assim, de relance, entre um sonho e outro. Disseste que às vezes as ouvias, que diziam coisas imperceptíveis e bonitas, frases que acabavam em elipses e fugiam para além dos vales, mas que te apertavam o peito e te tiravam o sono. Se te perguntavam, despistavas, tinhas dificuldade em adormecer e só. Lembro-me da brisa noturna a bagunçar-te os cabelos. Louros, à luz da lua confundiam-se em imagens redondas e libertavam-te as orelhas, que espreitavam para fora e apreciavam a paisagem. Eras belo, nessas noites, quando os teus contornos frágeis eram suaves extensões da informalidade dos campos. A relva por baixo de ti acomodava-se como se fosses um travesseiro macio, e por vezes arrancavas um ramo de flor maior, comia-lhe as pétalas e fumava-lhe o caule a fazer dele um cigarro fosco. E na fumaça desenhavas a tua vida em versos. Na infância, perdeste um irmão, mas não sabes se o engoliste no ventre ou se foi ele que se perdeu por aí. Há vezes em que ele nasce 44