Todas as tentativas de romper o cerco davam em insucessos aflitivos. Então resolvemos, um pouco disfarçadamente para nós todos, pintar todo o andar térreo para que a sede tomasse um aspecto mais apresentável, mais agradável, melhor. Como eu não tinha habilidade nenhuma para isso, nessas noites ia para o meu escritório na cidade. E os outros ficavam lá, ficavam pintando. Então dois membros do Grupo, dos quais um apostatou e outro já faleceu, foram me procurar no escritório para me dizer que eu deveria prestar atenção na minha vida, porque devia haver uma maldição qualquer, pois não se compreendia que nós estivéssemos num tal descaminho. E fizeram-me o que os amigos de Jó fizeram com Jó. Aquela noite foi uma das duas noites de minha vida em que passei completamente em claro, não dormi, porque refiz todo o meu exame de consciência, porque eu achava que eles tinham razão. Devia haver um defeito em mim, deveria haver uma falta de generosidade que era culpada de tudo isso. E foi um verdadeiro tormento, uma verdadeira tortura250.
* Confesso que, retrospectivamente recordando-me hoje desses fatos, acho que esse foi o trecho mais bonito de nossas vidas. E por uma razão: nós fomos fazendo ali uma série de coisas que pareciam absurdas, mas que era só o que nós poderíamos fazer para continuar a viver. Depois, todas essas coisas deram um resultado espetacular. Quer dizer, Nossa Senhora deixou cair sobre nós um inverno rigoroso, Ela deixou cair todas as folhas de nossas árvores. E nós, então, começamos a fazer jardinagem em pleno inverno. E a árvore começou a dar flores e frutos em inverno. Exatamente isto foi a coisa mais bonita de nossa vida. Foi um tempo de provação tremenda, mas foi também um tempo de perseverança251. O lírio nascido do lodo, durante a noite e sob a tempestade Depois de algum tempo, ficou claro que o Grupo continuaria a existir. Aí eu saí de dentro da toca. Mas de que jeito? Indo jantar todos os domingos com os componentes do Grupo em um dos melhores restaurantes de São Paulo.
250 EE 18/07/91 251 Palestra sobre Memórias (VIII) 13/8/54 2ª PARTE – NOVAS PROVAÇÕES NO LIMIAR DA PRÓPRIA VOCAÇÃO 103