LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Iva França Rio de Janeiro/RJ
Vagalumes na janela Joana precisava estar sentada exatamente na cadeira de número 47, e no entanto, atrasou-se. A angústia de ultrapassar o longo caminho que faziam todas aquelas pernas e pés a deixou aflita. Era preciso fazer. Era preciso chegar antes que o orador começasse o seu discurso. Aqueles anos, hoje, pareciam nada. As vozes que soavam corriqueiras e insistentes em seus ouvidos partiram para sempre. Nada poderia protelar o presente que a vida estava prestes a lhe dar. Cinco longos anos… — Joana, você esqueceu os vagalumes da janela! Me debrucei para ouvir. A janela era alta e eu os via indo embora. Depois de perdê-los ficava tudo novamente escuro. Meu coração batia forte. Havia algo desconhecido naquele quarto escuro. Ele era frio. Eu não queria mais a morte, aliás, eu nunca a quis. Foi um mero engano, sei que eles sabem, mas preferiram assim. Daqui do alto vejo o amanhecer e eles, por hora, não voltarão. Os vagalumes gostam da noite escura. Hoje foi minha última noite desses cinco anos. O sinal tocou. — Joana, você está pronta?
O combinado era que me dirigisse ao auditório para ocupar a cadeira 47, mas preferi passar por detrás do passarinheiro. O colorido e os cânticos ecoavam em mim as coisas boas que este momento promete. Perdi a hora. Agora me encontro aqui nesta difícil tarefa de ultrapassar todas essas pernas e pés para chegar até meu assento. Pronto, ele começou: — Senhoras e senhores, é com muita felicidade que estou certificando os cinquenta pacientes que passaram quase dois mil dias nesta jornada. Libertos das angústias, dos devaneios que os perseguiam, quando atravessarem aquele portão, poderão enfim, ter uma nova vida. Era agora a sua vez. — Por favor, a paciente da cadeira de número 47 tem algo a dizer? — Sim, doutor: por que as janelas tão altas se não podíamos seguir os vagalumes? O certificado de Joana trazia o seguinte diagnóstico: Suicida em potencial — Curada.
— Não falei! Eu abri a porta com o sorriso no rosto. De vestido azul, segui até o saguão.
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