LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Joaquim Bispo Odivelas, Portugal
A transmutação Quando Cacilda deu por si, após um curto
período
irrealidade,
de
sensação
percebeu
que
Era uma chatice, de qualquer
de
modo:
entrava
se
supermercado e não estava a ver podia
às
chegar
10 a
no
transformara numa árvore do jardim em
como
horas.
frente de sua casa.
Felizmente que no início do dia havia
Permaneceu de braços levantados,
poucos clientes e talvez as colegas
curiosamente sem esforço, e pernas
conseguissem aguentar o serviço sem
bem metidas na terra, como quem tem
grandes
medo de se mexer em uma situação de
raspanete da chefe não se ia livrar.
perigo. Não conseguia discernir
complicações.
Mas
do
sons
Avaliou a situação com detalhe.
nem imagens, mas a agitação do ar
Era mais do que as pernas o que
trazia-lhe
e
tinha enterrado. Percebeu a pressão
bem
da terra até ao alto da anca, o que
outra
muita
que
informação
ainda
não
óbvia
sabia
interpretar. O mesmo acontecia às subtis
um
vibrações
confirmar. Para baixo, era humidade e
do
solo
que
lhe
faziam
tremelicar as pernas.
leve
tensão
«O que terá acontecido?», surgiu na
roçar
firme.
imobilização.
E
das uma
Para
ervas
veio
certeza
cima,
de
secura,
nebulosa da sua consciência, o que lhe
agitação do ar e vibração luminosa.
transmitiu um instante de confiança,
Com esta vibração vinha um conforto
por, ao menos, perceber que dispunha
de ganho de energia. Não enchia
dessa capacidade de controlo de si.
quaisquer pulmões, mas a sensação
«Talvez
tenha
de plenitude respiratória era real.
tensão
quando
tido me
uma
quebra
levantei.
Ou
de já
estava a tomar banho? Não me lembro.»
«Estou
a
pele
muito
rugosa», percebeu. «As partes da barriga
121
com
e
do
peito
estão
bem