LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Jordão Pablo de Pão Niterói/RJ
Arrebois No esvair-se da fina renda do tempo, então minha inquestionável franqueza de existir. Miseravelmente, asas de borboleta minhas não envergam frente ao obsequioso fulgor do sentido gélido desta tarde. Ruflo-as como quem tem sede urgente. Do líquido transparente do termômetro da consciência coletiva, leem as antigas adivinhas da borra de café - na crise, água apenas: serei spo em meio a tantos sós. Paro diante da casa minhas primeiras anuidades. Sob a goiabeira com bichos dependurados ainda está enterrado meu Tobias menino, irmão do ventre de Mercedes, a quem o tempo ceifou cedo demais. Será dele esses bichos infestados na árvore de mamãe? De seiva em seiva, seria o sangue nosso, demasiado humano, um continuum do espermatódico testemunho de existência em caule? Penso que sim. Gosto de pensar que sim. O terreno íngreme de ser pertence a cada um, é coisa tão pessoal e não selecionada. O Tobias agora é um verme ou em seu transporte. Parece melhor assim. Não sou adepto dessa sensação novidadeira que tudo é e o corpo para nada presta. Corpo humano é testemunho - em morte, para os bons de amores, testamento. Tobias - quem sabe - queira me dizer algo… Eu agora
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uma instável consciência de tempo ilimitado. Ele todo ilimitado. Não sei os tropeços de Tobias e não posso parar de borboletear minhas asas. O chão de nossa convivência está cheio de folhas mortas colo ele, um dia vivos como eu. Os veios da copa desfraldada, sustentada por caule rugoso do centenário fincar, trazem em céu uma sofisticada obra artística do agora: Tobias, para mim, é memória - e eu para ele? Será que, estando ante meus olhos, conseguiria reconhecer o delicado tear que os traz juntos? Seria Mercedes, se em páginas se escrevesse, tinta espessa de inspiração célere? Seria apenas o rabisco entremeante da celulose de algum tempo sendo? Vez ou outra me pego a pensar no conteúdo dessa contingência: em que medida somos? Com o arrastar dos ponteiros na pesada cristaleira de jacarandá, minha agoressência não suporta o misterioso inquérito de estar. Trago muitas perguntas para um corpo tão diminuto. into, por vezes, que o ar é furtado de mim e ao vaguear da estrutura aérea se desfacela em proposta. Resolvo pousar em um ramo da árvore de outrora. Já não temos goiabas boas. Vertem apenas