LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Marcos Nunes Loiola Botuporã/BA
Gado solto Tirou a camisa, fez menção em abaixar o calção, mas a vergonha das meninas presentes o fez recuar. Entrava nos doze, tornava-se um rapazinho. Tomou distância, preparou o passo. Um, dois, três e... Já! Arrojou-se no meio das “farturentas” águas do rio. Repetia o processo dezenas de vezes, até o sol descer. Todos os dias, ao chegar da escola, Adriano se reunia com a meninada para brincar na beira do rio. Contavam-se bem umas dez crianças, todas viventes das terras geraizeiras. Sem que soubessem o significado da palavra, elas experimentavam, naquelas tardes, a plenitude da vida. A felicidade era maior que o rio, era maior que o Cerrado. Naqueles fechos de pastos, há muitas e muitas gerações, famílias fincaram raízes e estabeleceram vivências peculiares. As terras sem cercas, que se perdiam de vista no horizonte, não pertenciam a ninguém, mas eram de todo mundo e todo mundo queria bem — com sua licença, Tribalistas. Valdir e Ana, pais de Adriano, Mauro e Fernanda, viviam numa singela casa a
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poucos metros do rio, cujas águas sustentavam as pequenas plantações e matavam as sedes das gentes e dos gados. Para ajudar no sustento, Ana fazia rapadura, doces de leite, de goiaba e de umbu para serem vendidos na feirinha da cidade, todos os sábados. Ela adorava seu ofício. O ponto alto ocorria quando D. Gildete, uma velha amiga, chegava na barraquinha e sentava num caixote velho, desses de frutas. Pedia seu doce de umbu, tirava uma faca da bolsa, arrancava um pedaço, cruzava as pernas e o levava à boca. Só saía depois de horas de muita conversa — das intimidades femininas a casos de política. Era um prazer danado naquele dia de sociabilidade para além dos fechos de pastos! Quando as chuvas iam embora daquelas terras, Valdir e os demais criadores da vila montavam em seus alazões e levavam o gado para aproveitar a pastagem revigorada. Gado solto, gado forte! Os homens ficavam meses longe da família, vivendo em cabanas de palhas. Viravam os donos dos lares. Preparavam o café com beiju,