LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Renata Ferrari Amparo/SP
Por cima do muro — Tem alguém aí? — Pronto! Na escuta. — Não aguento mais. — O quê? — O isolamento social. — Eu também, sinto falta dos passeios longos. — Não é isso. Aqui é grande, tem quintal. Mas a casa sempre cheia está me enlouquecendo. É isolamento para quem? — É mesmo? Achei que você fosse do tipo que apreciasse uma companhia. — Eu gosto, mas não durante as vinte e quatro horas do meu dia. Já tenho certa idade, só quero descansar. Antes, todos saíam por horas e horas, a casa ficava em silêncio. Agora todo mundo está sempre aqui, eu nunca fico isolada. — Sinto um pouco de preguiça de recepcioná-los quando eles voltam de uma saidinha rápida, você também? — Sim. Eu pergunto: “Já voltou?”, mas eles não entendem e ficam felizes com qualquer pulinho. — Aqui está igual. Eu não posso nem comer salada fresca do jardim mais. — Pois é, cadê a nossa privacidade? Minha irmã é quem gosta de gente, e até demais. — Por que dizem meu santo nome em cão, digo, em vão? — Sua irmã dizia que você gosta de gente. — Eu amo. Estamos sempre juntos, em todos os cômodos e às vezes até no banheiro. — Ouviu isso? Minha irmã é exagerada.
202