LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Caique de Oliveira Sobreira Cruz Salvador/BA
Os enigmas de Yelena Já faz 22 anos que algumas incógnitas permeiam a minha intranquila alma, ou melhor, o meu cérebro. Desde que eu conheci Yelena, uma colega na época do colegial, quando tínhamos apenas 16 anos, em uma troca de turmas sem precedentes realizada pela direção da instituição, sem qualquer explicação, acabamos por ficar na mesma turma naquele fatídico ano de 1999. A primeira vez que a vi, um enorme pavor me assolou, a sua presença me causou temores e tremores inexplicáveis. Seu rosto era extremamente pálido e o seu semblante, no geral, expressava desesperança e indiferença, sem apresentar afetividade quanto a absolutamente nada. Ela se portava enquanto uma criatura inanimada, dizia-se gótica, mas a sua profundidade e complexidade era muito maior do que um estilo de vida cultural ou uma visão de mundo. Eu nunca havia presenciado um vazio tão imponente como este que chegou a me suscitar calafrios. Daí em diante, coloquei-me na condição de observador incrédulo que precisava compreender aquela pessoa, custando o que custasse, correndo o risco de não conseguir continuar a minha jornada de vida se não pudesse apurar e deslindar todo aquele mistério
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em que estava envolta. Ela aparentava ser e não ser ao mesmo tempo, estar e não estar. A contradição em sua imanência fervilhava naquele lócus. A minha busca, então, tornou-se indelével, uma predestinação ao garoto de nome José, mais conhecido como Zé ou Zezinho. Mesmo agora, aos 38 anos, ainda me estremeço das cabeças aos pés ao relembrar aquela primeira soberba aparição de uma figura que não temia nem a vida, nem sequer a morte. Aquela garota não esboçava nenhum apego a nada, ao invés, a tudo renunciava, trilhava a sua vida sem depositar nela qualquer sentido, apenas vivia, como um processo em movimento sem qualquer axiologia, tanto que, as últimas palavras que ouvi os seus lábios recitarem foram: “a solidão é a minha ocupação, o meu ofício”. Talvez, por azar do destino, a sua falta de sentido tenha se tornado o meu sentido de vida, a obstinação em conseguir compreendê-la deve ser a minha perdição. Meus conhecidos duvidam que de fato ela tenha existido, creditam ter sido um delírio da minha imaginação fértil e, à época, os pesadelos me eram