LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Samira Martins Marana São Paulo/SP
Preguiça Domingo passado saí para ver o céu. Depois de 160 dias em confinamento, saí “sem necessidade”, já que olhar o céu, não é exatamente importante para a vida tal qual erroneamente inventamos. Então saí para vê-lo sem a mediação da minha janela, enquanto a população carioca aglomerava nas praias. Corri para o isolamento da floresta da Tijuca me recordar que “apesar de você” a vida ainda pulsa. E aí eu olhei pro céu e avistei, agarradinho em um tronco, um bicho-preguiça, que deveria se chamar bicho-presença ou bicho-sem-pressa ou bicho-qualquercoisa que fosse mais honestamente de acordo com sua qualidade contemplativa de existir. Tive para mim que chamá-lo de preguiça pode ser um pouco injusto. Desafiar a gravidade, em qualquer circunstância, ainda que se possa contar com o apoio de um tronco de árvore, requer um engajamento muscular que não condiz com o estado de preguiça. Em qualquer corpo, seja ele humano ou não. Li que seu tempo, dilatado, resulta de seu metabolismo lento. Ele dorme cerca de catorze horas diárias. Mas ele se segura inteiramente em um tronco, numa altura arriscada, com uma firmeza que lhe é própria, na calma que lhe é própria, com aquela expressão meio sorridente que lhe é própria. Eu tive a sorte de encontrar um bicho preguiça— que eu acho que não deveria ser chamado de preguiça mas eu já expliquei o por quê — pela primeira vez e acordado. Sentei na calçada e por cerca de quarenta minutos olhei para o alto, contemplando aquele bicho sem preguiça , ocupado em ser somente o que ele é, no seu tempo, que dilatado, se expandiu e se fundiu ao meu, apressado, sempre ocupado em ser tantas coisas que não eu mesma.
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