LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
Benjamim Franco Taubaté/SP
Estranho retorno Mais uma vez, o assoalho estava molhado.
deixando uma poça d’água em seu lugar. O que eu poderia fazer?
“Quase me afoguei. Se eu não estivesse ali, ela iria...” Seu Silvério, meu vizinho mais próximo, batia seus óculos contra a palma da mão. “Logo, logo, chegaria nas pedras!” Mais encharcada que Silvério, só mesmo Ciara, minha esposa. Além da água salgada, que lhe enchia os sapatos e pesava a colcha cinzenta — seu tesouro de família — Ciara não parava de chorar.
Na água quente da banheira, Ciara brincava. Seu sorriso era como o da juventude, e seu olhar, estranhamente lúcido. Ela brincava com a água, fazendo ondas, batendo palminhas, rindo das próprias estripulias. E eu quase não estava triste.
“Me desculpe”, ela repetia em seu sotaque irlandês carregado, suas mãozinhas enrugadas espremendo a colcha contra o peito. Eu tentava, mais que secar alguma parte de seu corpo, confortá-la. “Querida, está tudo bem”, menti. “Seu André, você me desculpe”, dizia Silvério, tremendo sob uma toalha. “Tu tens que fazer alguma coisa. Se não consegue tomar conta da Dona Ciara, deveria…” “Silvério, já basta”. Abracei Ciara com firmeza, e tapei as suas orelhas, geladas. “Deixa que eu cuido dela”. Silvério afastou-se. “Melhor mesmo… Faça-se o favor. Faça isso por sua esposa”. Agradeci a ele, que se retirou,
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“Por que você fez isso?” Ciara não respondeu: ocupava-se com a água. Ignorava o patinho de borracha, a bolinha multicolorida, e a loucura que tentara cometer. Ela olhava apenas para o ondulado na superfície da banheira. Não sabia mais o que fazer. A doença veio rápido demais, e só o convívio, o amor, e o exercício da santa virtude da paciência, não me deixaram perceber seu avanço. Suas brincadeiras tornaram-se idiotas, seus esquecimentos passaram a ser perigosos — quantos sustos tomamos com o fogão! — e seus banhos de mar, de saudáveis exercícios no raso e no calor, tornaram-se longos, tensos, descabidos: o inverno nunca foi tempo de nadar.