LiteraLivre Vl. 6 - nº 34 – Jul./Ago. de 2022
José M. da Silva Rio de Janeiro/RJ
Retratos Um conto pandêmico.
Não conseguia explicar a origem do tal
mortas. Teria sido alguma "herança"
"poder", mas certamente surgiu durante
do vírus? Não sabia. E jamais saberia.
a pandemia. Aos setenta anos, professor
A notícia se espalhara, e sua
de
literatura,
foi
diagnosticado
com
habilidade já fora atestada por quem
covid, internado e intubado. Dois meses
conhecia de perto os fotografados.
depois
Para
voltou
para
casa,
ele,
passavam-se
poucos
milagrosamente curado e sem grandes
minutos de seu tempo durante a
sequelas perceptíveis, a despeito de
"viagem", mas vivia longos períodos
todas as disposições em contrário do
na vida daqueles indivíduos. Como
desgoverno
então.
apareceria no local e na época, era
Exceto por um detalhe: olhava para
sempre uma surpresa: foi menino,
qualquer
menina, homem, mulher, gay, lésbica,
negacionista retrato
fotografia,
na
encarava.
Não
personalidade
e
vida é da
de
"entrava"
na
pessoa
que
da que
assumisse
pessoa;
não,
a
não
teve
diversos
outros
gêneros
e
orientações sexuais, foi branco, preto, indígena,
amou,
roubou,
matou,
"encarnava" na pessoa. Simplesmente
esteve em guerras, foi feliz, infeliz, e,
aparecia no local, sempre próximo à
o mais interessante, morreu diversas
pessoa
vezes,
retratada,
e
interagia
por
diversas
causas.
normalmente com todos. Desenhos não
Curiosamente, lembrava-se de tudo
funcionavam; era preciso ser fotografia.
vividamente quando voltava.
Nada
acontecia
locais,
A pandemia já terminara fazia
pessoas:
cinco anos, e ainda recebia visitas do
homens, mulheres e crianças, vivas ou
mundo inteiro. Virou notícia, dava
construções
e
se
enfocasse
objetos;
só
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